February 04, 2023

Porque sou a favor de haver exames

 

Os exames beneficiam os alunos e a sociedade.

Em primeiro lugar os exames favorecem os alunos. Os exames são uma medida que favorece a equidade. Um aluno que não tenha cunhas, conhecimentos ou uma família com boas condições sócio-económicas só pode mostrar o seu mérito em provas comuns que incluem os outros, esse tais que têm cunhas, conhecimentos e melhores condições sócio-económicas, pois estes últimos, postos em situação de exame, não têm essas vantagens para passar à frente. Não por acaso, os colégios privados são contra os exames.  

Sem exames comuns que meçam todos por igual e forneçam uma série, as melhores universidades, que precisam de ter um critério de escolha dos melhores na altura de seleccionar estudantes, quererão ir buscá-los aos colégios e escolas onde estão os que vêm de famílias com conhecimento e melhores condições sócio-económicas em vez de fazer apostas cegas.

O que é que acontece com as empresas agora? Vão buscar os seus trabalhadores a 2 ou 3 universidades e só se não os conseguem daí é que vão a outras. E quais são os critérios para irem a essas 2 ou 3 universidades?  Bem, ou são universidades privadas com estudantes de famílias com conhecimentos e melhores condições sócio-económicas ou são universidades públicas que têm os alunos com as melhores médias de entrada. Ora, é aqui que os estudantes que vêm de meios mais modestos e da escola pública podem usar o elevador social, como se diz. Podem mostrar que em condições de provas iguais às dos outros não ficam atrás e que portanto, vale a pena apostar neles, mesmo não tendo famílias com conhecimentos sociais vantajosos ou dinheiro para os comprar.

Evidentemente que desleixar todos os critérios de aprendizagem das escolas e pressionar a passagem de todos para a estatística não induz a confiança das universidades e das empresas em apostar nesses estudantes.

Pode-se contra-argumentar que os estudantes com menores condições sócio-económicas, quando vão fazer os exames nacionais não estão nas mesmas condições que os outros, o que é verdade. Pois, mas é aí, justamente, que entra o investimento na escola pública. A escola tem que compensar essas incapacidade de muitas famílias. E isso faz-se como? Tendo bons professores, boas condições de estudo e de crescimento. A escola tem de fornecer, o melhor que puder, condições idênticas aquelas que têm os estudantes dos estratos sociais mais elevados, no que respeita às aprendizagens. Não está a fazê-lo. 

Quer professores baratos, o que significa que vai ficar com os medíocres; quer reduzir o ensino ao essencial porque os professores não medíocres não se diminuem a níveis medíocres; quer passar todos sem exames e, a seguir, sem testes, como já agora se defende, para que nada seja avaliado e não se possa saber a qualidade das políticas. 

Há os que defendem que as notas dos professores das escolas devem chegar, mas nestas condições em que se destruiu a carreira e agora só se consegue atrair gente sem formação e em que não há aferições comuns,  como é que alguém pode confiar nessas notas? 

Mesmo que estivessem sempre bons professores a trabalhar nas escolas, se cada escola tem os seus critérios subjectivos, os seus currículos e o seu nível de exigência, não há maneira de comparar e ir buscar estudantes só porque os professores lhes deram boas notas - é uma aposta cega. 

Claro, que pode dizer-se, 'bem, as universidades que façam exames para seleccionar os melhores', mas se assim fosse, o que acontecia era que, não estando para investir um dinheirão nesses exames, iam buscá-los aos colégios privados onde andam os filhos das famílias com conhecimento e melhores condições sócio-económicas.

Também agora se defende que em vez de exames é melhor que as universidades façam entrevistas. Por exemplo, diz-se, para um curso de medicina, é importante a vocação e o gosto de ajudar os outros e não apenas as notas. Isto é um disparate, em minha opinião. É evidente que, havendo entrevistas e sabendo os entrevistados que o gosto de ajudar outros é um factor de escolha, vão fazer um voluntariado qualquer para pôr no currículo (o que já fazem), pedem a um professor amigo que escreva uma carta de recomendação a dizer que é uma pessoa que quer ajudar outros e o que mais acharem que lhes dá vantagem. Não sou contra as entrevistas mas elas não substituem os conhecimentos e as técnicas, em meu entender, porque as pessoas podem crescer e crescem na profissão, com a experiência e não há maneira de o saber antes de entrarem nela (a não ser em casos extremos de alguém completamente violento ou algo do género) mas uma pessoa que não tem conhecimentos teóricos e práticos, tanto faz que queria muito ajudar, porque não vai ser capaz - falam-lhe os conhecimento e as técnicas. E isto tanto é válido na medicina como na arquitectura, como na gestão de empresas, como na educação ou outra profissão.

A maioria dos professores que conheço foram para à educação por acaso e aprenderam com a experiência a gostar da profissão, mas já tinham os conhecimentos e as técnicas e é por isso que são bons professores e não por gostarem desde sempre de ajudar adolescentes ou crianças - outros que sempre quiseram ensinar são maus professores: não têm conhecimentos, nem curiosidade, não têm critérios, não têm técnicas, não têm rigor nenhum no trabalho, é tudo feito em cima do joelho e acabam a não gostar do trabalho. 

(Esta semana, em conversa com uma colega de Física e Química falávamos disso de haver turmas onde os pais, mesmo não tendo grandes estudos são pessoas que valorizam o rigor e o passam aos filhos e outros não e pedem aos professores para terem menos rigor... E ela dizia-me que nos relatórios das aulas práticas de laboratório, cujo protocolo e guião dá e explica aos alunos, há um item para a observação e, apesar de explicar aos alunos que a observação não inclui os resultados porque isso já é um cálculo do que foi observado, há umas turmas que não querem saber e acham que é ela que está a ser muito exigente. Não percebem que a ciência é um estudo onde a ausência de rigor pode matar pessoas ou fazer cair pontes, por exemplo. Nem toda a gente tem talentos ou capacidades para todas as coisas, por muito que o desejem e é preciso fazer essa triagem)

Depois, os testes e os exames servem para os próprios alunos se porem à prova. Nestes últimos anos tenho encarregados de educação que dizem, 'não devia haver exames ou testes porque o meu filho sabe as coisas mas depois fica nervoso nos testes, tem brancas e não consegue fazer'. Quer dizer, quando um dia for a uma entrevista de trabalho diz ao empregador, 'não me faça perguntas difíceis nem testes porque dá-me brancas, mas confie quando lhe digo que sei e pode contratar-me?' E quando for contratado diz ao empregador, 'pague-me mas não me exija trabalhos ou prazos porque fico nervoso e dá-me brancas?' Uma pessoa tem que pôr-se à prova e ser incomodado senão não cresce.

Se o peso que querem dar aos exames é exagerado e em minha opinião é, isso acontece porque se perdeu a confiança nas classificações do secundário: os alunos não fazem exames, muitos já nem testes fazem e há inflação de notas. Não é nenhum segredo bem guardado.

Os exames também são um mecanismo de auto-regulação do professor e da educação pública em geral. Sem exames comuns, não há maneira de saber, de modo sério e independente, o que se anda a fazer nas escolas e não basta dizer: confiem nos professores, porque as escolas não são igrejas com pastores e fiéis. 

Não significa que os exames digam tudo sobre o que se passa numa escola, não. Até porque escola com alunos muito desfavorecidos precisam de outros critérios de medir o sucesso (como já se faz e bem), mas também precisam de saber se em termos de resultados finais, estão a ajudar os seus alunos. Ao contrário deste ministro e seus seguidores, não estou de acordo que os alunos mais desfavorecidos sejam uns coitadinhos e devam ter uma educação de pobrezinhos: tomem lá um diploma igual para todos para que uns não se sintam traumatizados por não chegarem onde querem. Há maneiras de ajudar os alunos a ter sucesso nos resultados, independentemente das suas proveniências, mas isso tem custos. Se não os querem gastar, então assumam que não querem gastar dinheiro na escola púbica. Não andem aí a enganar.

Vivemos num mundo científico-tecnológico e os mesmos que de maneira absurda querem reduzir todo o ensino a modas e gadgets, como o nosso ME, por outro lado, querem, muito contraditoriamente, abolir o critério de verificação que é a pedra de toque do método científico que está por detrás desses mesmos instrumentos tecnológicos: ter protocolos comuns e resultados avaliados por entidades independentes. Defendem a redução do ensino ao absoluto subjectivismo da opinião individual não fundamentada e sem critérios objectivos.

Portanto, em geral, penso que os exames são um benefício para os próprios alunos no sentido da equidade e da oportunidade de crescimento e para a sociedade no sentido de ter uma educação pública de qualidade.

Agora, para que os exames sejam uma possibilidade dos estudantes mais desfavorecidos mostrarem o seu mérito, é necessário, como já disse, investir na qualidade da escola pública, o que não se coaduna com a desvalorização da profissão, a falta de técnicos nas escola e de condições e, se não o querem fazer, então assumam claramente que a escola pública vai servir para dar uma educaçãozinha a pessoas menos favorecidas e que seguidamente, a universidade pública vai passar a ser uma educaçãozinha a essas pessoas dessa escola.
Quando isso acontecer estamos nos EUA, onde a escola púbica se tornou um local para os esquecidos sociais e, consequentemente, as universidades públicas acabaram a seguir o mesmo caminho. 

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