Juiz Presidente de Lisboa Substitui Grevistas
Nesta última sexta-feira (27JAN), a revista Visão apresenta uma notícia que intitula assim:
“Juiz presidente da Comarca de Lisboa fintou greve geral no “Ticão” com requisição a outro tribunal”
De acordo com a mencionada publicação, Artur Cordeiro, o juiz que preside o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, terá ordenado, na passada sexta-feira, uma requisição de Oficiais de Justiça do Juízo Local para substituir os Oficiais de Justiça do Juízo Central de Instrução Criminal, vulgarmente conhecido como “Ticão”.
De acordo com fonte sindical, citada pela revista, o Oficial de Justiça que substituiu os colegas em greve foi chamado para uma diligência de um processo mediático, relacionado com o Banco Espírito Santo (BES).
Estando todos os Oficiais de Justiça daquele Juízo em greve, substituir qualquer um por outro que ali não presta nem prestava serviço à data do aviso prévio da greve, faz com que haja uma clara violação do direito à greve.
A greve que decorre todas as tardes, por tempo indeterminado, vem ocorrendo por todo o país, todos os dias, sem que haja notícia de qualquer violação tão flagrante e tão abusiva quanto a que a Visão traz a público.
“Ao ordenar a requisição de elementos de outros serviços, o juiz presidente da comarca – que não respondeu aos contactos da Visão – cometeu, segundo fonte sindical, uma ilegalidade, porque está a tentar contornar o direito à greve dos Oficiais de Justiça, quando, como disse a mesma fonte, “Ainda por cima, não está em causa um processo urgente”.
E ainda que estivesse em causa um processo urgente, a greve não tem qualquer tipo de serviço mínimos, nem para processos urgentes; nada, pelo que a greve é sempre para ser realizada, aliás, como muito bem fizeram os Oficiais de Justiça que ali desempenham funções e, como muito mal fez aquele que aceitou fazer a diligência, não tendo aderido à greve de imediato.
Já aqui o dissemos vezes sem conta, mas vamos repetir outra vez: Qualquer Oficial de Justiça, seja sindicalizado neste ou naquele sindicato ou em nenhum, pode aderir às greves em curso e pode fazê-lo em qualquer momento.
Por exemplo: a greve de todas as tardes tem início às 13H30, mas a essa hora está o Oficial de Justiça a trabalhar, não tendo aderido à greve, até que, subitamente, seja lá por que motivo for, pelas 15H00 decide aderir à greve. Não há nenhum problema e serão registadas duas horas de greve.
Todos devemos ser compreensivos por quem decide não fazer greve, nunca ou muitas vezes, mas numa situação abusiva de substituição dos colegas em greve, essa machadada e essa traição tem de ser evitada, pelo que seria sensato que tivesse entrado imediatamente em greve perante a abusiva solicitação ou ordem, como, aliás, se vai fazendo por todo o país.
O colaborador ou o colaboracionista não é um verdadeiro Oficial de Justiça.
O mecanismo das greves é muito simples: primeiro o sindicato apresenta o Aviso Prévio de Greve e nele indica os serviços mínimos que julga necessários ou refere que não há necessidade deles. A entidade empregadora aceita a greve tal como está enunciada ou, não aceitando apresenta os seus serviços mínimos. O sindicato pode aceitar essa indicação ou não. Não havendo acordo é convocada uma comissão (ou tribunal) arbitral que representa as partes e é esta comissão quem passa a ter a competência legal para fixar serviços mínimos e mais ninguém nunca – cfr. artigo 398.º e ss. da Lei 35/2014, de 20 de junho.
No caso da greve de todas as tardes, não foram fixados nunca serviços mínimos, pelo que não existem e ninguém os pode agora indicar, nem, muito menos, tentar substituir-se à entidade empregadora, ao sindicato ou à comissão arbitral. Ninguém nunca!
Quer isto dizer que se não há serviços mínimos, não há mesmo e ninguém os pode fixar, podendo todos os Oficiais de Justiça aderir à greve sem qualquer restrição. De igual modo, aqueles que aderem à greve não podem ser substituídos, nem pode ser indicado, seja lá quem for e para o que for, para assegurar os inexistentes serviços mínimos – cfr. artº. 535º do Código de Trabalho.
Recordemos que a ordem, a pressão ou qualquer outro tipo de procedimento destinado a levar um trabalhador a não aderir à Greve é algo proibido – cfr. artigo 540.º do Código de Trabalho.
Verificando-se a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 535.º ou no n.º 1 do artigo 540.º, ambos do Código do Trabalho, tal violação é punida com pena de multa até 120 dias – cfr. artigo 543.º do mesmo diploma legal.
Apesar de durante o período normal de trabalho todos poderem substituir todos, colaborando no que fizer falta para cumprir a obrigação estatutária da “normalização do serviço”, durante o período de greve, os Oficiais de Justiça só podem substituir outros que trabalhem na sua mesma secção ou Juízo. Convém aqui referir que se num Juízo Local Criminal houver várias unidades de processos e juízes (J1, J2, J3, etc.), ainda que se encontrem em espaços físicos diferentes, o Juízo é sempre o mesmo e os lugares de juízes (J1, J2, J3, etc.) não são independentes, pertencendo ao mesmo Juízo. E esta é a única interpretação possível para a substituição, ou seja, não há áreas jurisdicionais, vizinhanças das unidades processuais, boas-vontades e tanto mais.
De todos modos, reafirmamos que, a ocorrer qualquer tipo de pressão para a substituição, provinda da magistratura, da presidência ou dos cargos de chefia, só aceita tal pressão quem quiser, uma vez que pode negar-se a tal ilegalidade ou, sem mais, a todo o momento, entrar em greve.
Não é admissível que qualquer Oficial de Justiça sofra desse tipo de “bullying”; de submissão perante uma entidade que o desrespeita e desvaloriza, ao mesmo tempo que faz quebrar a solidariedade entre colegas.
Por fim, recordar que todos os abusos ou as suas meras tentativas, devem ser denunciadas, desde logo aos sindicatos, sem prejuízo de outras divulgações, pois tais abusos não só não devem ficar impunes, como, antes do mais, devem servir de aprendizagem para os abusadores.
Que ninguém fique à espera que, de repente, lhes caia do céu o discernimento, a compreensão e, ou, a solidariedade. Não vai cair; é necessário fazer acontecer; fazer cair e, para isso, pode ser necessário empurrar.
ATUALIZAÇÃO: Relativamente a este assunto, em nota informativa, o SOJ refere o seguinte:
«O Sindicato dos Oficiais de Justiça apresentou queixa, hoje mesmo, dia 30-01-2023, na PGR, do ato que terá sido praticado pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de Lisboa em que se determinava a substituição de Oficiais de Justiça grevistas. Cabe agora à PGR apreciar a matéria.»
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