January 06, 2023

Leituras pela manhã - love and Sócrates

 


Como aprendi a curar a alma, com a ajuda do amor e de Sócrates

Por Paul Woodruff

Ao iniciarmos o novo ano, prestemos atenção à beleza nas almas daqueles que amamos. Não é fácil chegar lá. A beleza da alma mancha-se com demasiada facilidade e a própria alma pode ser fracturada. Aprendi isto da maneira mais difícil, numa zona de combate no Vietname do Sul, em 1970. Costumava pensar que era um dos bons da fita, mas no meu regresso caí numa auto-repulsa.

Fui atormentado pelas memórias de dois amigos que não tinha conseguido proteger durante uma batalha nocturna. O meu piloto de helicóptero e eu cometemos erros. Talvez não os tivéssemos podido salvar mesmo que tivéssemos feito tudo bem, mas anos mais tarde tinha visões dos meus dois amigos a olhar para um céu escuro em busca da ajuda que não lhes trouxe.

Pior, tinha sido encarregado de avaliar mensalmente o Programa Phoenix na nossa província. Esta foi uma iniciativa em que a polícia vietnamita do Sul prendeu civis que se pensava estarem a apoiar o inimigo e os enviou para campos de detenção. Ao avaliar as provas fiquei convencido que quase todas as pessoas que detinham eram inocentes, enquanto as pessoas perigosas se escondiam em locais seguros. Isto foi confirmado após a guerra.

Escrevi um relatório sobre o que tinha encontrado em Janeiro de 1970, mas o meu comandante rasgou-o porque, disse-me, o fazia parecer mal. Não consegui encontrar outra forma de chamar a atenção para esta atrocidade. Mais tarde, soube que os detidos não tinham tido oportunidade de provar a sua inocência e fui informado sobre as cruéis "jaulas de tigre" dos campos de detenção. Ainda hoje me sinto envenenado pelo meu fracasso em deter a atrocidade.

Foi por isso que me senti destroçado no meu regresso e senti que precisava de fazer algo para voltar a ser inteiro. O problema não era a minha identidade pessoal que tinha permanecido, nem a minha mente que continuava a funcionar bem. Percebo agora que era a minha alma que estava destroçada. Tinha estado envolvido em acções que me pareciam profundamente erradas, embora talvez necessárias na condução da guerra e, partes da minha alma estavam em guerra umas com as outras. Fazer o que se acredita ser errado deixa a alma em conflito contra si mesma e esse tipo de divisão é uma agonia - segundo Sócrates é o pior tipo de agonia porque a alma é a parte mais importante de nós mesmos.

Cada vez que fazes mal, inclinas a tua alma de um modo errado e de cada vez que ages bem dás-lhe luz e brilho, um pouco de beleza. Agir bem traz-lhe harmonia mas o erro divide a alma em pedaços que entram em guerra uns contra os outros. É isso que significam as palavras de Sócrates, segundo as quais é melhor ser alvo de maldade que cometê-la.  

Pode ser impossível viver com uma alma quebrada - tanto para si mesmo como para aqueles que ama. É difícil de confiar numa alma desfeita e o amor não sobrevive muito tempo sem confiança. Amando uma parte da alma do seu parceiro, pode, no entanto, ficar aterrorizado com outra. 
Um veterano de guerra que conheci, de natureza geralmente doce, um dia, meio a dormir, tentou estrangular a mulher que amava; quando voltou a si, odiou-se. O casamento deles acabou. 

Em "Macbeth", Shakespeare retrata brilhantemente esse tipo de lesão moral. O assassino Macbeth chama à sua alma "minha jóia eterna dada ao inimigo comum do homem" (o diabo). Ele não consegue conviver com aquilo em que se tornou: "Conhecer a minha acção/era melhor não me conhecer a mim próprio". Que maior agonia do que estar constantemente a fugir de quem somos? 
Tive sorte. Escrever sobre a guerra ajudou-me a conhecer-me a mim próprio após o meu regresso do Vietname. Durante os dois anos seguintes, com o amor da minha noiva, voltei a unir a minha alma - na sua maioria. Escrever ainda hoje me ajuda. E a filosofia também me ajuda, perguntando o que significa alimentar a alma - a actividade que Sócrates insistiu deve ter precedência sobre a procura de riqueza ou fama.

Sócrates estava certo. A coisa mais importante sobre nós é a nossa alma. Se alguma vez estivemos verdadeiramente apaixonados, então sentimo-nos atraídos pela beleza da alma de outra pessoa. Felizmente, à medida que as pessoas envelhecem, a saúde das almas torna-se cada vez mais aparente, brilhando através de rostos enrugados. 
Faça o que Sócrates pede: nutra a tua alma e ajuda os outros a nutrir a sua. Nesta estação de amor, amizade e carinho, preste atenção à beleza da alma e ajude-a a florescer. É o que mais importa.

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