Independentemente do ChatGPT, escrever num PC, na educação escolar de crianças e jovens adolescentes tem vícios difíceis, se não impossíveis, de corrigir mais à frente. À medida que escreve os textos o aluno não se preocupa com a correcção da escrita porque o programa tem auto-corrector ortográfico e tem expansão de texto, de maneira que o aluno também não se preocupa com encontrar a palavra certa no texto ou com a sintaxe que também é auto-corrigida. Para além disto, escrevem sem cuidado e sem rigor porque sabem que depois podem voltar atrás e editar.
Ora, tendo em conta que toda a relação com a realidade é permeada pela linguagem, ter programas no computador que diminuem a evolução, o aperfeiçoamento e o rigor da linguagem e que induzem à ausência de concentração e à diminuição do rigor e do desafio mental, contraria os propósitos da educação - a não ser que os propósitos já sejam assumidamente redutores emocionais, lúdicos e afectivos, mas se o são, devemos preparar-nos, na Europa, para o fim do progresso a que nos habituámos nos últimos séculos, dos quais nos gabamos constantemente.
Enquanto professora, além de 'ensinar' uma área do saber humano, treino os alunos no desenvolvimento do rigor e da maleabilidade mental do pensar. As primeiras aulas do 10º ano são para explicar e exemplificar a importância da metodologia correcta no desenvolvimento da inteligência e do trabalho (na aula e em casa) e também para abordar a questão da motivação com vista à autonomia. O que quero é que no final do 11º ano não precisem de mim para nada. Ora, isso requer que todos os dias trabalhem para a independência e autonomia do pensamento e da motivação, não para a manutenção da dependência.
Em primeiro lugar, ensino-os a tirar as suas próprias anotações de tudo o que se diz e trata na aula e obrigo-os a isso. Cada um tem que fazer a sua própria sebenta. O que vem nos Manuais é uma ínfima parte do que produzimos nas aulas e ainda por cima usos-os pouco porque não os acho bons, de maneira que sem caderno organizado não vão longe. Mas a questão é também outra: ouvir sem anotar é inútil porque se perde mais de 95% da informação. O que se escreve autonomamente fica imbuído na memória e pode ser recuperado quando necessário.
Em primeiro lugar, ensino-os a tirar as suas próprias anotações de tudo o que se diz e trata na aula e obrigo-os a isso. Cada um tem que fazer a sua própria sebenta. O que vem nos Manuais é uma ínfima parte do que produzimos nas aulas e ainda por cima usos-os pouco porque não os acho bons, de maneira que sem caderno organizado não vão longe. Mas a questão é também outra: ouvir sem anotar é inútil porque se perde mais de 95% da informação. O que se escreve autonomamente fica imbuído na memória e pode ser recuperado quando necessário.
Esta é uma tarefa difícil em si mesma e, para desajudar, os alunos vêm habituados a só escrever aquilo que o professor diz que é importante ou que dita ou nem isso: o professor passa um PP e eles copiam o que está escrito no PP. Resultado: concentração, esforço mental e desenvolvimento de capacidades cognitivas = 0.
Por conseguinte, a coisa é difícil. Têm de estar concentrados e ao mesmo tempo que ouvem (e como estamos quase sempre em discussão ouvem muita coisa em processo de argumentação) serem capazes de filtrar o que é importante para anotar e descartar o que não o é. Têm de ser capazes de organizar essa informação em esquemas, sempre que necessário, em vez de tentarem escrever tudo, o que é impossível e nem interessa. Usar abreviaturas personalizadas. Eu exemplifico e paramos muitas vezes para ver se todos conseguiram apanhar os pontos importantes da discussão, para fazer correcções, etc. Em geral, ao fim de dois meses, lá para final de Novembro já tiram notas com uma certa perícia.
Isso de aprender a tirar notas fá-los progredir na capacidade de se concentrarem e relacionarem ideias, o que transborda para a capacidade de analisarem um texto, concentrarem-se numa resposta, fundamentarem uma resposta, entenderem essa dificuldade como um desafio, etc . (Quando entram alunos novos na turma já a meio do ano ou no ano seguinte a diferença no que são capazes de fazer autonomamente é tão evidente que os miúdos apercebem-se do progresso que fizeram)
Em segundo lugar ponho-os a fazer trabalhos escritos na aula e não deixo que os entreguem a lápis nem que usem corrector. Nos testes a mesma coisa. Se se enganam têm de riscar e escreve à frente. De início queixam-se que o trabalho vai ficar feio, cheio de riscos e eu respondo que sim, que fica feio, mas que a solução é pensarem antes de escrever e terem cuidado com o que escrevem. Fazerem numa folha de rascunho um pequeno índice orientador da resposta para diminuirem os enganos, por exemplo - é um bom método.
Mais uma vez, é uma tarefa difícil (vêm habituados ao editor do Word fazer tudo por eles) mas tem como benefício estimular o rigor mental, a organização coerente das ideias, o discurso logicamente sequencial, a concentração e o ultrapassar de obstáculos de linguagem e de pensamento. Treinar isto de maneira consistente e contínua tem benefícios de linguagem, de cognição e de autonomia mental que as aplicações digitais bloqueiam na medida em que estimulam a preguiça mental e a dispersão da atenção.
O que vejo é que à medida que o ano passa cada vez há menos riscos nas folhas que me entregam.
É claro, isto é difícil para eles de fazer e é difícil para mim ensinar porque toda o discurso contemporâneo acerca da educação vai no sentido de desprezar o pensamento e a autonomia em favor do emocionalismo e da infantilização dos estudantes. Começam logo por perguntar-me porque não podem usar as 'novas tecnologias' para tirar notas ou usar o caderno do Manual que já traz tem os resumos da matéria... aí tenho que explicar que a tecnologia principal a uso nas aulas de Filosofia não é nova, tem milhares de anos e chama-se pensamento e que todas as outras são usadas como auxiliares mas nunca como substitutas. E que de qualquer modo não vamos resumir problemas filosóficos, pelo contrário, durante muito tempo vamos complicar tudo.
Por exemplo, a partir de certa altura do 10º ano começo a deixar os alunos usarem o telemóvel para fazer pesquisa na internet (com certas regras) naqueles pequenos trabalhos feitos numa aula. Agora isso vai acabar porque não estou para que vão directos ao ChatGPT buscar, não a informação para as respostas, mas as próprias respostas. Também vou acabar com trabalhos feitos em casa ou melhor, esse tipo de trabalhos que tinha uma parte escrita e uma parte de apresentação oral, agora só têm parte oral porque a escrita é sempre presencial, feita na aula e sem dispositivos electrónicos ligados à internet.
Uma das virtudes do teste ou trabalho é ver se o aluno foi capaz de coordenar a informação de várias fontes de maneira a seleccionar e mobilizar o que é que relevante para a questão que tem de responder ou desenvolver, o que é um exercício mental importante: queremos que a pessoa na sua vida futura pessoal e profissional seja capaz de seleccionar informação e mobilizar o que é relevante para resolver problemas e não que seja um incapaz mental, completamente dependente das soluções de uma ChatGPT qualquer. Veja-se como isso é importante na política para resolver os problemas das pessoas, na conduta moral, para se decidir o que se deve fazer, na medicina para decidir como tratar uma doença, etc., etc. etc. Saber pensar é, em grande parte, saber observar além do aparente e saber operar sobre a informação recolhida. Ora isso não se aprende nem se treina com aplicações que façam todo o trabalho mental por nós.
Como podem os professores frustrar o uso do ChatGPT: Ensaios escritos à mão
By Markham Heid
Desde o lançamento, em Novembro, do ChatGPT, o programa de inteligência artificial tem impressionado pela capacidade de produzir textos coerentes e credíveis.
Grande parte da preocupação tem-se concentrado no potencial do ChatGPT para as fake news mas também com o plágio que a IA pode assumir na educação. Os professores poderão em breve não conseguir detectar texto gerado por IA.
Grande parte da preocupação tem-se concentrado no potencial do ChatGPT para as fake news mas também com o plágio que a IA pode assumir na educação. Os professores poderão em breve não conseguir detectar texto gerado por IA.
Porém, há algumas soluções óbvias. Por exemplo, mesmo os estudantes equipados com computadores portáteis não beneficiariam do ChatGPT se fossem obrigados a escrever ensaios na aula sem a ajuda do telemóvel ou ligação à Internet. Melhor ainda, há uma solução que talvez valesse a pena implementar mesmo antes da chegada do ChatGPT: fazer os estudantes escreverem os ensaios à mão.
O regresso aos ensaios manuscritos poderia beneficiar os estudantes de forma significativa.
O próprio Nietzsche sentiu a mudança e disse, "As nossas ferramentas de escrita agem sobre os nossos pensamentos".
Assegurar que os estudantes de hoje têm mais do que uma ferramenta de escrita à sua disposição pode valer a pena de uma forma que os especialistas só agora começam a compreender. O ChatGPT e outras tecnologias alimentadas por IA só vencerão se concordarmos em jogar o seu jogo apenas no seu campo.
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