Pega-se no resultado de testes, não se interpretam os resultados para se saber da causa das coisas e encontra-se como solução, 'os professores das escolas que resolvam o assunto'. Esta senhora faz pior e diz que devemos transformar as aulas numa espécie de conversas de pseudo-psicologia. Ela não sabe, mas nós professores falamos muito com os alunos e eles dizem-nos o que querem e do que têm medo - de não ter emprego, de ter um emprego que não dê para comer, de o planeta se tornar inabitável, de fazerem escolhas de que possam arrepender-se. Não têm falta de formação emocional -isso é o que mais têm- e o exagero de querer transformar os professores numa espécie de conselheiros, tipo revista Maria, como é do gosto do nosso ME, não os ajuda. Os alunos estão muito infantilizados.
Este problema tem que começar com os pais. Muitos pais demitiram-se da educação dos filhos. Em todo o lado vemos que os pais, em companhia dos filhos, estão agarrados aos telemóveis e não falam com os filhos, mesmo quando os filhos são muito pequenos, com 3 ou 4 anos de idade. Põem-lhes telemóveis e PSPs e outros jogos nas mãos para não terem que lidar com eles e os seus problemas. Dantes punham-nos em frente da TV, mas a TV sempre era um dispositivo comum que controlavam, agora a internet é muito diferente porque os canais que os filhos vêem, as pessoas a que estão expostas e o tipo conversa e entretenimento que consomem estão completamente fora de controlo e são, quase todos, muito anti-pedagógicos. Dado que as crianças e adolescentes não são autónomos e precisam de orientação, irem buscá-la às redes sociais, aos trolls e aos narcisistas que lá andam, é uma perversão.
Os pais atiram os miúdos para a escola e dizem aos professores: 'resolvam o meu filho'. Não dizem, resolvam este problema ou aquele do meu filho, mas resolvam a pessoa, como se os professores tivessem varinhas mágicas para contrariar a educação que vem inculcada de casa. É o que faz esta articulista: diz para as escolas resolverem os alunos enquanto pessoas. É de tal maneira que muitos ministros de educação querem que as crianças e jovens passem 8 horas por dia na escola, para que os filhos tenham acompanhamento pedagógico e não fiquem sujeitos à educação negligente dos pais, o que é, no mínimo, ofensivo... Este quadro parece radical? Talvez, mas é assim que as coisas se passam. Pais mentirem aos professores pelos filhos, incentivarem os filhos a mentir aos professores para ganharem vantagem são agora realidades comuns. Pais que pensam, por serem pais, que podem autorizar os filhos a faltar às aulas quando querem e depois mandarem os professores passar os filhos (é o exemplo do ME a fazer escola). Agora é comum os pais pedirem-nos para sermos mães para os seus filhos, assim mesmo com estas palavras. Há turmas em qua a grande maioria vem à escola na primeira reunião de pais para nos medirem e depois, como a turma 'não dá problemas' e acham que temos as coisas controladas, nunca mais lá voltam ou telefonam a saber dos filhos. Dá muito trabalho e de qualquer maneira, estão entregues. Em casa estão entregues às redes sociais e aos jogos, mas como dizia a Alexandra do outro artigo, 'porque é que não se distorcem os saberes para estarem de acordo com as técnicas que os miúdos gostam, como jogos e vídeos do TikTok?' Bem, já se fez, porque ideias estúpidas têm sempre sucesso desde que sejam fáceis. É a gamificação do ensino, o novo deus que vai transformar os alunos nos novos escravos, mas como estão felizes, que é o que interessa... Mas que sei eu de educação escolar? Nada, segundo estas pessoas. Daí que nos queiram fora do ensino e substituídos por outros que também já só saibam aprender a partir de imagens e vídeos do TikTok.
Na quarta-feira tive a última aula do período com uma das turmas. Entreguei uma fichazinha de trabalho que tinham feito na aula anterior, falámos da avaliação e do trabalho do segundo período, disse-lhes o que penso que têm que fazer para melhorar (muitos estão abaixo das suas possibilidades) e depois perguntei-lhes o que pensam que posso eu fazer para melhorar as aulas? O que resulta mais e o que resulta menos na maneira como trabalho com eles. Os alunos não têm falta de educação emocional, nem falta de ideias ou criatividade. Têm é uma falta aflitiva de recursos intelectuais e têm falta de ministros e responsáveis à altura, pessoas que todos os dias os atraiçoam por desinteresse, vaidade e desejo de poder.
Estou muito pessimista quanto ao futuro da educação? Sim. Pelos caminhos que estão a ser seguidos, tenho a certeza que ainda vai piorar muito.
Um estudo da Organização Mundial de Saúde ("Health Behaviour in School-Aged Children") sobre a adolescência, envolvendo Portugal, documenta que os nossos jovens se sentem infelizes.
A recolha destes dados é feita desde 1998 por períodos de quatro anos. Nunca como agora o agravamento da perceção de mal-estar individual foi tão significativo.
Confrontados em 2014 com a pergunta "como se sente face à vida?", 14,6 por cento dos adolescentes responderam "infeliz". Este ano, essa percentagem subiu para 27,7 por cento. Os comportamentos autolesivos do próprio corpo também afetam agora maior número de jovens. E a perceção em relação à saúde como sendo má regista igualmente uma subida. Os mais novos não estão bem. Consigo próprios e com os outros.
Relativamente à família, os resultados divulgados suscitam de igual modo grande preocupação. Verifica-se aí uma degradação significativa das relações interpessoais. Podemos viver na mesma casa, mas estamos cada vez mais longe uns dos outros.
Ora, é nesta conjuntura de falta de tempo que os atores políticos poderão, na verdade, fazer a diferença. Precisamos com urgência de políticas públicas que reforcem (ainda mais) a saúde mental e que atendam de forma prioritária a um curriculum alternativo que privilegie a formação emocional dos mais novos. Tão importante como as disciplinas nucleares, é vital encontrar na escola tempos para falar daquilo que consome os estudantes: as redes sociais, os medos, os sonhos... Há uma geração em agonia e isso tem de nos fazer parar, não para refletir, mas para agir. Antes que seja tarde.
- Felisbela Lopes
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