O grito de revolta dos estudantes por um ensino público "de qualidade"
Semana foi de luta estudantil por todo o país, com concentrações e manifestações de alunos do Ensino Secundário público. Pedem mais professores, funcionários, psicólogos e obras nas escolas degradadas. E temem pelas desigualdades no acesso ao Ensino Superior.
Sabemos que é possível termos uma escola com os professores, funcionários e psicólogos suficientes, em que somos avaliados de uma forma justa, onde a comida é de qualidade, onde não temos de passar frio no inverno." O desejo, em tom de desabafo crente de quem recusa abdicar de uma causa, é dos alunos do Movimento Voz aos Estudantes, que esta semana organizaram várias ações de protesto de norte a sul do país, com "apitões" e concentrações, bem como "fotoprotestos" (fotografias em que os estudantes expõem as condições degradadas de algumas escolas) em defesa da escola pública no Secundário.
Ao Diário de Notícias, Marta Vasco, aluna da Escola Secundária Sebastião e Silva, Oeiras, explica que o movimento nasceu no ano passado e deu "frutos". "O movimento surgiu da necessidade de lutar pelos nossos direitos e de sabermos que tínhamos de fazer algo. Este movimento é uma forma de chegarmos a mais estudantes. No ano passado conseguimos, por exemplo, o fim da semestralidade em algumas escolas e também que fossem feitas algumas obras", explica. A aluna acredita que estas "vitórias" têm levado a que cada vez mais alunos se juntem ao movimento e destaca as ações da passada segunda-feira, em Oeiras e Cascais, que juntaram mais de duas centenas de jovens.
"Estamos todos a lutar por uma escola pública de qualidade e para resolver questões que diferem de escola para escola. Em algumas são necessárias obras, noutras são professores, funcionários ou psicólogos", sublinha.
Marta Vasco lamenta a falta de professores em disciplinas sujeitas a exame nacional e entende que este problema causa injustiças no acesso ao Ensino Superior. "Na minha escola não há essa questão, mas ainda há alunos que não têm professores para certas disciplinas e isso mostra a necessidade que há de contratação de mais professores. Estamos preocupados porque os estudantes que não têm professor vão fazer o mesmo exame dos colegas que não tiveram essa dificuldade. Há um sentido de urgência ainda maior para resolver este problema. É injusto irem a exame sem terem tido iguais condições."
A aluna conta ainda que o Movimento Voz aos Estudantes pretende uma maior aposta na Educação Sexual, que vá para além dos alertas sobre doenças sexualmente transmissíveis e se centre também "em temas mais abrangentes, como a violência no namoro, a educação emocional e as problemáticas da adolescência". "É essa Educação Sexual que não nos é dada e que reivindicamos."
A "falta de psicólogos nas escolas" é outra das principais preocupações dos alunos do Ensino Secundário. Marta Vasco entende que "a escola não está lá para os estudantes, quando há estabelecimentos com uma psicóloga para mil alunos". "Não é possível oferecer apoio a quem precisa com tão poucos psicólogos", conclui.
A estudante acredita que as ações de protesto do Movimento Voz aos Estudantes mobilizam "milhares de alunos a nível nacional". As ações de protesto terminam hoje com uma concentração na Escola Secundária Pedro Alexandrino, na Póvoa de Santo Adrião (às 10.10) e um Fotoprotesto, na Escola Secundária de Casquilhos, no Barreiro.
Sindicato solidário com os estudantes
O Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P.) está "solidário com estes estudantes". "Penso que o que estes alunos reivindicam vai ao encontro do que temos feito, por exemplo, na luta pelo fim do amianto nas escolas. Em 2019, as comunidades de estudantes também fizeram protestos e o S.T.O.P., sempre que pôde, esteve presente. De facto, é fundamental não só que os profissionais de educação lutem pelos seus diretos, mas também os alunos", sublinha André Pestana, coordenador nacional do S.T.O.P.
O sindicalista salienta a importância da resolução de alguns dos problemas indicados pelo Movimento Voz aos Estudantes. "Temos denunciado as condições degradadas de algumas escolas. Há escolas em que, no inverno, os alunos continuam a ter de levar mantas. Há escolas sem aquecimento e, nas que não têm isolamento, o calor é dissipado. Para haver educação, é preciso condições para a aprendizagem. É uma situação que nos preocupa. E a questão do amianto continua a ser uma preocupação. Hoje soube que houve uma escola que tirou amianto no fim de semana e voltou a abrir na segunda sem fazer testes", conta.
Já no que se refere à falta de professores, André Pestana destaca não só a escassez de profissionais, mas também as condições salariais que se refletem em "professores cansados, a precisarem de ter um segundo emprego para fazer face às despesas". "Há docentes que trabalham noutras áreas, em empregos pós-laborais. Já vão para as escolas esgotados, o que acaba por se refletir na sua prestação", diz. Quanto à falta de professores em disciplinas sujeitas a exame, o coordenador nacional do S.T.O.P partilha o receio de desigualdades apontadas pelos estudantes. "Quando há alunos meses e meses sem professores em disciplinas de exame, essa questão torna-se muito pertinente", sustenta.
André Pestana também entende que faltam psicólogos nas escolas, onde, por vezes, "os rácios são de um psicólogo para 600 ou mais alunos". "O tempo efetivo que tem para poder acompanhar os alunos fica muito aquém do necessário. É preciso contratar mais psicólogos e que entrem para o quadro das escolas."
Para o sindicalista, a contenda dos jovens do Movimento Voz aos Estudantes "é uma luta justa e é esse o caminho: um caminho de união entre alunos e professores para um ensino de qualidade".
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