Ontem li este artigo com perplexidade. A perplexidade veio de confirmar o que é a normalidade nos meios políticos e como as pessoas racionalizam os seus comportamentos para parecerem aceitáveis e até meritórios.
Este indivíduo, Magalhães e Silva, que eu não conhecia mas que é um exemplo dos milhares de indivíduos que abundam nos meios políticos, era amigo de juventude de Jorge Sampaio. Sampaio, assim que foi para a presidência convidou-o logo para seu conselheiro e ofereceu-lhe salário, carro e motorista. Ele não aceitou o salário nem o carro mas aceitou o motorista, 'porque afinal o transito é infernal'.
Portanto, isto é o comum: um político assim que é eleito começa a distribuir cargos e presentes pelos amigos à conta do Estado. Não digo que este senhor não tenha feito um bom trabalho -na verdade, não sei-, mas não foi convidado por isso. Foi convidado por ser um amigo. Um conselheiro do Presidente penso que devia ser alguém com experiência nos assuntos de Estado e com uma especialidade útil para o discernimento do presidente em certas questões de Estado e não um amigo, por ser amigo. Um político tem de pensar no país e não nos amigos. Ninguém o elegeu para promover amigos.
É claro, como elegem os amigos, depois o trabalho reveste-se de uma falta de compostura que não dignifica as instituições. Magalhães e Silva conta como Sampaio sofreu em dar posse a Santana Lopes porque assim que Durão Barroso lhe disse que ia abandonar o país à sua sorte, toda a casa civil (amigos do PS) mais o partido inteiro pressionaram-no ao ponto de alguns serem mesmo ordinários e deixarem de lhe falar. Sampaio confessa logo o seu nervosismo por não dissolver ali o parlamento, dado que ia ser dramático "para os nossos amigos".
Portanto, ninguém, excepto ele mesmo, pelo que conta, pensou no país. Apenas nos amigos e no partido: era hora de roubar o governo «à direita». Entretanto ele conta como foram as reuniões. Ele e os outros do PS tratam o presidente por, 'É pá, Jorge' e o presidente trata todos os políticos por alcunhas nas suas conversas com os conselheiros, os amigos: é o 'Plot', o 'flopes', o 'bodero', o 'baronia'. Que desprimor... tudo uma mediocridade de gente vulgar...
Uma pessoa quando se dirige ao Presidente, por muito amiga que seja, tem de ter noção de que está a dirigir-se ao representante do cargo e não ao, 'camarada, pá' e o facto de não fazer essa distinção diminui a dignidade do cargo e a noção que o Presidente tem dos seus deveres. o cargo de presidente da República é um orgão de soberania. Que respeito podem ter as pessoas que rodeiam o presidente pelos outros políticos depois de o ouvirem tratá-los por alcunhas, algumas depreciativas? E os do partido que o tratavam por, 'ó Jorge, pá', que respeito têm pelo cargo, se não diferenciam o amigo do presidente?
Não sou a favor de se tratar toda a gente por excesso de títulos ou de obrigar todos os deputados a ir de gravata para o parlamento, mas há um mínimo que deve ser observado para dignificar os cargos. Porém, em Portugal os políticos só percebem o poder e não as responsabilidades do cargo: é o carro de 100 mil euros, o cartão de crédito à conta do Estado, as reformas ao fim de 12 anos, a lagosta no restaurante do parlamento...
Bem, Sampaio acaba por dissolver o parlamento: os amigos do PS que o tratam por, 'ó Jorge, pá' deixaram de lhe falar e ele fez o favor aos amigos, digo eu, porque este senhor acha que ele fez grandes sacrifícios éticos em atirar o país para as mão de Sócrates. Estão preocupados com o que dizer ao país para que as pessoas engulam isto tudo. Entretanto, antes de dissolver o parlamento, liga ao Vítor Constâncio, num laivo de Pilatos e pergunta-lhe se a dissolução do parlamento vai ter repercussões económicas no país. Resposta desse passarão do PS que prejudicou imenso o país nos cargos todos em que esteve: '´Jorge, até se economiza dinheiro. Não tem importância nenhuma'. Que leviandade...
Depois foi ter com António Costa e pediu-lhe gente para ajudar no cargo que Sampaio lhe arranjou em Macau; Costa indicou-lhe um amigo de juventude -Cabrita...-, mais outros. Ele reúne-se com eles e destrata logo os funcionários públicos dizendo que são mangas-de-alpaca desprezíveis.
Bem, vai para Macau e o que fez, pergunta o jornalista. "Nada", responde. Aquilo era ingovernável (a maneira como as pessoas se desresponsabilizam da sua incompetência...) Então o que fez lá: de intermediário ou facilitador (não se percebe bem) de malas de dinheiro do crime de Macau, bem como do jogo e da prostituição, que são os negócios de Macau. Malas de dinheiro? Ah, sim, todos os partidos com excepção do PCP recebiam às malas cheias de dinheiro de Macau. Era normal, diz ele, a corrupção em Macau era normal. Em Macau? E em Portugal, que recebe às malas cheias de dinheiro, isso é o quê? Dinheiro limpo? Financiamento legal de partidos? Todos os partidos excepto o PCP recebiam malas de dinheiro... ele era o secretário adjunto de justiça e via as malas passarem.
A minha perplexidade cresce à medida que leio a entrevista. Ele, sendo secretário adjunto de justiça do território, recebe imensos presentes, entre eles um jarrão antigo de 800 contos (quase 8 mil euros, uma fortuna à época) de Stanley Ho. Não estamos a falar de uma lembrança de amizade, não. Fica com o jarrão e racionaliza este suborno dizendo que na China todos dão presentes 'por respeito ao poder' e que recusar era ofensivo. A maneira como falam da recondução de Rocha Vieira no cargo... Magalhães e Silva queria o cargo para si...
Enfim, lê-se a entrevista e percebe-se a vulgaridade com que os nosso governantes ocupam os cargos, a ganância de dinheiro e poder, os amigos e o partido acima de qualquer consideração pelos interesses do país.
Não é possível desligar este modo de fazer política no país da situação em que estão os serviços públicos: são dirigidos por amigos dos amigos, gente impreparada que quer poder e quer mostrar poder, que espera que o partido pague favores à conta do Estado, gente que tem ambição de fazer um pezinho-de-meia de 3 milhõeszinhos à conta de passarem pelos cargos do Estado. Gente que trafica influências e que vulgariza os cargos por onde passam. Não falamos de jovens de vinte e tal anos sem noção dos problemas do país, falamos de adultos...
Lê-se este artigo num horizonte de desesperança pois os mesmos que aqui são referidos do passado, são os que nos governam no presente e não parecem ter aprendido nada.
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