July 31, 2022

Somos um país cheio de médicos mas fogem dos hospitais públicos




O governo diz que é um problema estrutural. Pois é, mas não é de gestão, é um problema estrutural político. Anos e anos de nomeação de curiosos do partido nomeados para as direcções dos hospitais com recomendação de garantirem que as medidas económicas se sobrepõem às médicas. [na educação é igual e chega a ver-se escrito nos documentos a ordem, 'as decisões económicas devem sobrepôr-se às pedagógicas'] Como se vê, nem melhorou a nossa economia, nem a qualidade dos serviços. Estas práticas de delapidar serviços e fazer gestões de corte e de nomear amigos e correligionários do partido, depois pagam-se.

Há quantos anos vimos ouvindo a expressão, 'racionalização dos serviços' quando na prática significa, 'cortes, cortes, cortes'? Fazer mais com menos trabalhadores. Acabar com contratos efectivos e substituir tudo por tarefeiros a ganhar o mínimo? Os trabalhadores fazerem o trabalho dos administrativos. É claro que as pessoas começam a fugir. Quantos hospitais novinhos em folha fechados, como o aeroporto de Beja, alguns equipados e tudo, porque ninguém quer ir trabalhar para o interior? Enquanto outros vão caindo aos pedaços. 

Este país está cheio de padrecos provincianos a querer defender as suas capelinhas: todos os serviços de tudo estão em Lisboa. Todos pensam que sair de Lisboa é uma humilhação, uma grande despromoção. Temos um país deserto e metade da população trabalha em Lisboa. A maioria das pessoas do ministério da Agricultura trabalha em Lisboa.

Se queremos ter serviços públicos de qualidade temos que investir neles. 

A ideia de 'ensinar' as pessoas a não irem às urgências é ridícula. Enquanto não tiverem um médico de família ao qual possam recorrer no espaço de uma semana no máximo e não três ou seis meses, continuarão a ir às urgências. Vivemos numa sociedade que publicita a saúde, incentiva a prevenção e a ida a hospitais, que aliás crescem como cogumelos -nunca o negócio da saúde esteve tão próspero- mas ao mesmo tempo não querem as pessoas nos hospitais.

É preciso ver que os hospitais públicos estão neste caos apesar de cada vez terem menos doentes, pois estes enchem é os privados.

Outro dia tive uma tremenda otite que no espaço de um dia me pôs metade da cara toda inchada. Moro mesmo ao lado do hospital público mas atravessei a cidade para ir ao hospital privado porque sei que se fosse ao público, sendo uma otite algo não grave, me punham uma pulseira verde e deixavam à espera, cheia de dores, sei lá quantas horas ou dias com a inflamação a aumentar até ao ponto de... sei lá, rebentar-me o tímpano? A inflamação ir para a cabeça? Uma pessoa hoje-em-dia tem medo dos hospitais públicos.


55 médicos já recusaram fazer mais de 150 horas extra. Equipas de urgência geral em risco



É a maior unidade de saúde do distrito de Setúbal. E desde junho que as urgências de ginecologia-obstetrícia estão a funcionar com limitações, devido à falta de médicos. Mas esta situação também já está a colocar em risco as escalas da urgência geral. Médicos internistas e cirurgiões do Garcia de Orta, que têm vindo a apresentar escusas de responsabilidade pelas condições em que trabalham, estão a recusar fazer mais do que as 150 horas extras previstas na lei, porque a maioria já as fez. O DN contactou o hospital, mas não obteve resposta.

Na semana que termina houve mais um dia em que o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) foi informado de que tinha de desviar as ambulâncias destinadas ao Hospital Garcia de Orta para as unidades de Lisboa. "Não havia médicos suficientes para garantir cuidados aos doentes graves. E é a única solução, porque senão eram os doentes que ficariam em risco", explicaram ao DN fontes hospitalares.

Dias antes, no final de um turno de urgência geral a equipa de serviço enviou mais um pedido de escusa de responsabilidade aos sindicatos e à Ordem dos Médicos, pelas condições em que esteve a trabalhar e a tentar dar resposta aos utentes. O DN sabe que nesse dia a equipa da urgência funcionou no turno diurno com dois especialistas e quatro internos e à noite com dois especialistas e cinco internos do ano comum (IAC) - os quais "ainda não são médicos, estão a fazer o Ano Comum, ainda não acabaram o curso", sublinharam as mesmas fontes.

Acrescentando: "Sempre que fazemos um banco acabamos por enviar um pedido de escusa de responsabilidade. Nos últimos tempos, há, pelo menos, um todas as semanas. Somos poucos, poucos diferenciados e temos de enfrentar algumas situações graves". Por exemplo, "com o fecho das urgências de pediatria e de ginecologia-obstetrícia já tivemos de receber na urgência de adultos crianças e grávidas. Têm sido situações pontuais, mas são graves, porque se alguma coisa corre mal, podemos não ter preparação para as resolver, do ponto de vista técnico e até emocional. E tudo isto tem vindo a causar um grande desgaste aos profissionais e a degradar o ambiente".

Se não bastavam os pedidos de escusa de responsabilidade pela falta de condições de trabalho, nos últimos dias começaram a ser enviados para o Conselho de Administração e a serem dados a conhecer aos sindicatos pedidos de escusa para mais de 150 horas extraordinárias nas urgências, já que a maioria dos profissionais já as completou e são só estas que a lei define.

Segundo referiram ao DN, só nos últimos dias, o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) recebeu 55 pedidos de médicos especialistas de Medicina Interna e de Cirurgia Geral e de internos de escusa a mais de 150 horas extraordinárias nas urgências. E estes "são as especialidades que asseguram as urgências presencialmente", explicaram-nos. Isto porque, "a maioria dos médicos internistas e cirurgiões dos quadros que asseguram a urgência geral já completaram esse número de horas extras, que são as que a lei prevê que podem ser realizadas ao longo do ano".

Quando questionamos o que poderá acontecer com esta decisão, quando entra o mês de agosto, respondem: "Sinceramente, não sabemos", mas "neste momento, os especialistas já asseguram um banco extra aos que têm de fazer normalmente, mas com este número de pessoas a apresentar recusa a mais horas, provavelmente este vai deixar de ser assegurado". E especificam: "Nos bancos normais já não somos suficientes, com mais pessoas a fazerem menos horas extras alguma coisa tem de ser eliminada".


Além do mais, reforçam, "a escala de urgência interna, que é assegurada por um médico que dá apoio a todos os doentes internados, também está comprometida, porque é totalmente garantida pela medicina interna". Ou seja, com estes pedidos de escusa, e "se mais médicos recusarem fazer horas extras, não haverá escala de urgência interna nem bancos ao domingo, que é o extra".

O DN contactou o gabinete de comunicação do HGO ao início da tarde de sexta-feira para confrontar o Conselho de Administração com tais situações e saber como estas serão resolvidas, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.

Houve situações em que doentes estiveram à espera 20 horas para serem observados.
Recusa de horas extras leva a menos equipas nas urgências

As mesmas fontes hospitalares, que aceitaram falar ao DN sob anonimato, garantem que a situação que agora se vive não tem só a ver com um problema de férias, mas com "o arrastar de situações de há muito tempo. Na altura da pandemia, os profissionais deram tudo. Agora, estão exaustos. As urgências de medicina interna e de cirurgia só são asseguradas com muitas horas extras. Durante a pandemia, todos os médicos aceitaram fazer bancos de 24 horas todas as semanas. Só os internos faziam 12 horas, que é o que está previsto no regulamento do internato, mas este ano quando a situação começou a acalmar a maior parte recusou-se e voltámos às escalas de 12 horas. Isto faz com que haja menos pessoas de cada vez".

Ao que apurámos, habitualmente há dois especialistas por turno, que é o mínimo definido para assegurar os cuidados pela Ordem dos Médicos, mas "as equipas chegam a ter cinco elementos, mas com médicos mais ao menos diferenciados".


Neste momento, por exemplo, o Serviço de Medicina Interna tem 28 especialistas, porque cinco saíram nos últimos tempos e os três internos que se formaram também. E deste total, três têm mais de 60 anos e não fazem urgência, um só faz turnos diurnos, outro só aos fins de semana e três têm horário de amamentação.

Antes da saída dos oito profissionais, "o serviço tinha uma escala para a urgência com sete equipas, agora tem seis e com a recusa de horas extras deve ter de diminuir ainda mais e a partir de agosto não vamos conseguir assegurar as escalas, porque é preciso um número mínimo de especialistas", sublinharam os mesmos, desabafando que "as urgências já são asseguradas sob grande pressão e, às vezes, sob grande risco. Aos doentes mais graves, que são logo detetados, até conseguimos dar resposta, mas o problema são os doentes triados com pulseiras amarelas ou verdes, que já têm queixas há algum tempo, que acabam por esperar 20 horas ou mais, como já aconteceu, e que, se calhar, estão ali a desenvolver alguma coisa grave. Estas são as situações complicadas e que podem passar despercebidas".

A verdade é que, nesta altura, não são os serviços de Medicina Interna e de Cirurgia que estão com dificuldades em assegurar as escalas das urgências. "A escala da Ortopedia é outro grande problema. Saíram quatro especialistas do serviço de uma vez só, muito recentemente, um dos quais assegurava mais de 50% das horas extras na urgência, e isso fez descambar a escala deste serviço. Quando não há o número mínimo de especialistas, o bloco do poli trauma fecha e não podemos receber doentes de acidentes de viação ou com quedas graves. E isto vai sobrecarregar outros hospitais. Imagine que Setúbal e o Barreiro também estão sem capacidade para receber estes doentes ou outros doentes urgentes e que estão a desviá-los também. A certa altura, os doentes não podem ser todos desviados para Lisboa e o que pode acontecer é não conseguirmos dar resposta à população, que não tem a mínima noção deste tipo de crise", sublinharam. "Neste momento, fala-se muito da obstetrícia, mas o problema também afeta outras áreas e o risco é sempre para os doentes. Sobretudo para os que não são abordados em tempo útil".
Internamento de 24 camas, chega a ter 60 e 90 doentes

Estes profissionais do HGO são perentórios ao afirmarem: "Nenhum médico ou hospital quer que as urgências fechem. O objetivo não é esse. O que não se quer é ter lá doentes para os quais não temos resposta. É isso que nos aflige". Ao que o DN soube, a urgência de adultos do HGO tem recebido uma média diária de 200 a 250 episódios.

No espaço para internamento, que só tem 24 camas, chegam a estar 27, e nos corredores o dobro destes doentes em macas. "Nos últimos dias, tem havido entre 60 a 70 internamentos nas urgências, mas já chegámos a ter 90 doentes internados em macas nos corredores, que se misturavam com os outros que entram e saem. São muitos doentes internados, mas não há vagas nos serviços", justificou uma das fontes ouvidas pelo DN.


Outra especifica: "Na zona de internamento, que é como se fosse uma sala de observação, ficam os doentes potencialmente instáveis e os que têm de ser mais vigiados. Os restantes, numa zona considera de balcão, partilham o mesmo espaço com os doentes que estão a entrar da rua para serem observados". Segundo contam, "a situação do espaço também se agravou devido à pandemia, pela necessidade de haver mais vagas para cuidados intensivos. Isto fez com que uma zona do serviço de urgência perdesse espaço", mas "a administração comprometeu-se a fazer obras para aumentar o espaço da urgência. Em outubro, vai ser libertado um espaço que era da esterilização e a urgência vai ficar com ele, mas ainda vai ser sujeito a obras e até lá a urgência continuará naquele espaço pequeno".
Administração deveria apoiar mais equipas da casa

Os profissionais admitem que "a administração do HGO tem noção da falta de médicos e que não tem muita margem de manobra para pagar mais aos profissionais dos quadros - ou pelo menos pagarem como pagam aos tarefeiros".

Dizem mesmo que a administração "está a tentar contratar pessoas de fora diferenciadas, mas ninguém quer fazer bancos. Os internatos da especialidade são muito pesados e os internos não têm tempo para fazer mais bancos fora do seu hospital. Sobram os médicos indiferenciados, alguns com alguma qualidade outros nem por isso. Daí que também haja alguma renitência em pagar mais ou em fazer contratos, porque depois a qualidade deixa muito a desejar".

O que custa a estes profissionais "é a administração não apoiar os médicos dos quadros, não assumirem que têm as equipas desfalcadas e não fazerem mais pressão para quem está acima. Eles sabem que os problemas existem".

Neste momento, as especialidades com mais dificuldades nas escalas das urgências são precisamente aquelas que as têm de assegurar presencialmente e que "têm de dar resposta a tudo, com mais ou menos sofrimento". Especialidades como cardiologia, neurologia e neurocirurgia, estão no hospital, mas nos seus serviços, de prevenção, e dão resposta durante 24 horas à urgência, quando são chamados. Mas também já houve "falhas na neurologia, embora muito pontualmente, e o CODU teve de desviar os doentes da Via Verde AVC para outras unidades", comentaram.

As especialidades como endocrinologia, reumatologia, psiquiatria, pneumologia, infecciologia, gastro e outras, não têm a pressão das urgências. "Dão apoio durante o dia, menos ao fim de semana, mas não estão em presença na urgência. Foram retiradas desta tarefa, o que fez com que os serviços de urgência ficassem na dependência de internistas, cirurgiões e ortopedistas".

Ao DN, estes profissionais do HGO concordaram que é preciso um grande investimento no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente nos cuidados primários, para que estes possam dar resposta aos utentes, evitando que vão às urgências. "É preciso que estes voltem a ser serviços com a função para as quais foram criadas, para casos urgentes, onde devem estar os melhores médicos, que saibam reconhecer que a situação é grave e como se deve agir, e não médicos desgastados ou indiferenciados". Por outro lado, concordaram também ter de ser feito investimento na educação para a saúde, para que os "doentes saibam onde e quando se devem dirigir a uma urgência".

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