June 02, 2022

É urgente uma campanha de esclarecimento aos pais

 


Só acredita nas palavras do nosso ministro da educação quem anda mesmo a leste do que se passa na educação e só a conhece dos títulos dos jornais.

Tenho notado que, apesar dos triunfalismos do ministro quando diz que agora todos pensam criticamente, os alunos, em geral, têm cada vez menos capacidade de concentração continuada. Se têm de ler um texto de uma página para fazer um trabalho qualquer, desanimam antes mesmo de começar porque não conseguem concentrar-se tanto tempo. 

Estão habituados a ler na internet frases curtas e a saltar de assunto em assunto, não completando nunca um raciocínio complexo, uma argumentação com fundamentação, um discurso de dissertação sobre um tema, uma descrição pormenorizada. A maior parte das avaliações escolares são de preenchimento de espaços e identificação de palavras ou construção de definições curtas, decoradas. Não têm nenhuma experiência de terem que discorrer sobre um tema de modo coerente, objectivo, fundamentado e completo, tendo de relacionar conceitos, encadeá-los numa arquitectura, já nem digo elegante, mas pelo menos robusta.

Como consequência, quando chegam às aulas e ao trabalho escolar, não sabem pensar porque nem sequer são capazes de seguir um raciocínio complexo e isto advém de não terem hábitos de concentração continuada.

Reparo que a esmagadora maioria não consegue sequer concentrar-se para ver um filme, o que até há uma meia-dúzia de anos lhes era muito fácil. Pois agora não é, talvez por estarem habituados a consumir exclusivamente vídeos do YouTube que não requerem mais do que dez ou quinze minutos de atenção continuada. Ao fim de vinte minutos de filme já estão cansados de tomar atenção.

Há pouco tempo comentava isto com uma turma e explicava-lhes -mais uma vez- os benefícios de aumentarem o seu poder de concentração e os prejuízos de não o fazerem - para ver se conseguia convencê-los a ler um livro. A certa altura disse, 'qualquer dia também deixam de ser capazes de ver um jogo de futebol inteiro e só vêem os resumos'. Diz uma aluna, 'Não é qualquer dia. Eu não consigo ver um jogo inteiro. É muito tempo. Às vezes vejo a primeira parte e depois espero que o resumo caia no YouTube e vou ver os golos e as jogadas mais importantes'. Confesso que fiquei estupefacta porque tinha dito aquilo meio a brincar. 

Era preciso haver uma campanha de esclarecimento aos pais (e ao ministro da educação que tem um pensamento infantil, do tipo mágico) que, calculo, não fazem ideia de como deixarem os miúdos nos telemóveis e internet logo desde muito novos lhes estragam as capacidades de concentração, de aprendizagem da complexidade da língua e portanto, de raciocinar e pensar.

Depois saem relatórios do IAVE a dizer que os alunos não sabem pensar. Isso de saber pensar, ponderar e criticar é um processo longo que leva tempo a aprender e interiorizar e que se alcança através de outros processos que o ministro tirou da aprendizagem escolar para que todos possam passar mesmo sem saber nada, para ele ficar bem no cozido à portuguesa das estatísticas nacionais.

texto também publicado no delito de opinião


3 comments:

  1. E os comentários na net são sempre muito curtos e, às vezes, abreviados!
    Assim não vamos lá!

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  2. Já sabes que os ministros e outros da tutela não falam do que não lhes interessa e isto claramente não lhes interessa... só interessa a aparência de sucesso, não o real sucesso.

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  3. Manipular a opinião pública e ficar bem nas estatísticas. Como aquela frase que se tornou modelo: "a geração mais bem preparada de sempre!"

    João Moreira

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