April 23, 2022

Um livro, no dia do livro - Os últimos dias de Immanuel Kant

 


A propósito de andar a trabalhar a ética kantiana nas aulas fui reler este livrinho de, De Quincey, sobre os últimos dias de Kant.

De Quincey (autor do famoso, Confessions of an English Opium-Eater (1821), o primeiro relato, na primeira pessoa, sobre a dependência de opiáceos, neste caso do láudano) limita-se, praticamente, a traduzir o livro de Wasianski, um grande amigo de longa data de Kant que o acompanhou nos últimos anos de vida e a quem se deve a maioria das histórias que se contam sobre a pessoa de Kant. No entanto, mesmo na Alemanha, é este livro de De Quincey e não o de Wasianski que é apreciado e editado.

Como diz, De Quincey, logo nas primeiras linhas, tem-se por certo que qualquer pessoa medianamente instruída reconhecerá algum interesse na história pessoal de Immanuel Kant, dado ter sido um dos maiores filósofos de sempre, um pensador que influenciou a maioria das áreas do conhecimento humano.

Kant nasceu e viveu em Königsberg, antiga capital da Prussia Oriental, anexada pela URSS após a Segunda Grande Guerra, depois expurgada de alemães e colonizada com russos soviéticos, e que é hoje um enclave russo, chamado Kaliningrado, entalado entre a Lituânia e a Polónia, à borda do Mar Báltico.

Kant foi um filósofo com um intelecto formidável, um homem de hábitos muito rígidos, sistematizados intencionalmente com princípios de racionalidade para servirem à manutenção da saúde e à máxima produtividade filosófica, de maneira que é muito interessante, neste livrinho, vermos o homem por detrás do filósofo.

O livro tem partes cómicas, como a cena de Kant a ler, à noite, com a cabeça demasiado próxima das velas e pegar fogo à touca e tem partes comoventes como o relato das estratégias que adoptou para manter alguma normalidade de vida, quando se apercebeu que estava a ficar senil, uma tragédia para um indivíduo com a sua natureza intelectual. 

Infelizmente, nos dias que correm, Kant é muito criticado mas, a meu ver, pelas razões erradas, quer dizer, criticam-no, não no valor das suas ideias, que se mantêm em tantas áreas (por exemplo, o opúsculo de Kant, «A Paz perpétua», de 1795, defende a possibilidade de paz, a relação necessária entre ética e política por intermédio do Direito Internacional e desenha um projecto de união de todos os povos na defesa dos seus territórios que está na origem do que hoje é a ONU),  mas por ter sido um homem machista (quem não o era no seu tempo? Ainda hoje a maioria, sobretudo de uma certa idade, o é), por ter sido etnocêntrico, não em princípio mas em prática e por aquilo que fizeram, em termos de política europeia, com o seu «criticismo racionalista».

Enfim, o livrinho é pequeno e lê-se muito bem enquanto se bebem duas chávenas de chá.

também publicado no delito de opinião


No comments:

Post a Comment