February 07, 2022

O grande paradoxo das sociedades




Penso que foi Proust quem disse que não podendo mudar as pessoas entretemo-nos a mudar as instituições. Ele refere-se à natureza das pessoas, nomeadamente no que respeita à sua relação com o poder, mas a verdade é que também é difícil mudar as instituições. É que para mudar as instituições é necessário que as pessoas mudem, pois as mesmas pessoas, com a mesma natureza de apetência de poder, não produzem instituições diferentes. Pelo contrário, trabalham para a manutenção do seu poder. Veja-se como o PS já rasgou a proposta de tornar a nossa democracia mais representativa através da mudança da lei eleitoral. Só porque pode. E esse é o paradoxo. O poder gera mais vontade de poder e não vontade de mudar as instituições no sentido de maior justiça.

Por conseguinte, o que vemos quando olhamos para trás é que as grandes mudanças das instituições que mudam as sociedades são, por norma, precedidas de grandes acontecimentos catastróficos -geralmente guerras- onde quem mais sofre são os inocentes sem poder. É após esses acontecimentos que as pessoas mudam: ganham consciência das consequências das injustiças, da ganância de poder, da pobreza, da acumulação obscena de riqueza de uns à custa de outros, etc. e, durante um tempo agregam esforços e mudam, de facto, as instituições (quando isso acontece, porque também existem os casos de grandes guerras e revoluções produzirem mudanças institucionais piores, mais injustas). Depois, com o tempo, esquecem e deixam as instituições entrar de novo, em decadência. Quase todos querem a paz mas poucos evitam as guerras. E parece que não saímos deste ciclo. A UE é uma grande aventura de tentativa de quebrar o ciclo, mas as forças de entropia são muito grandes: nacionalismos, populismos, intenções hegemónicas. 

Quando olhamos estas imagens do encontro, hoje, entre Putin e Macron, é como se estivéssemos a ver um documentário do Discovery Channel: Putin recebe-o numa enorme sala branca cheia de símbolos históricos russos, com as mãos nos bolsos, ar blasé e fá-lo sentar-se numa ponta de uma mesa enorme para criar teatralidade de distância e poder. Poder é o que ele já não tem. Vendo bem, ontem dizia que a Ucrânia devia declarar-se neutra como a Suíça, mas a verdade é que em 2014, quando Putin a invadiu, a Ucrânia era neutra há muitos anos. Completamente desinteressada da NATO. Putin é que tinha acabado de ser vexado pelo Ocidente e precisava de mostrar aos russos, para conservar o poder internamente, que ainda era o Grande Urso. E agora a razão é a mesma: dentro da Rússia cada vez o querem menos e ele precisa de mostrar que ainda é o Grande Urso para se manter no poder. Mas quem olha este teatro dele vê-o como ele agora é: patético. 

Como se mudam as instituições na Rússia? Houve uma altura, depois da queda aparatosa da URSS, que as pessoas se uniram para mudar as instituições, mas não houve tempo, porque um indivíduo como este chegou ao poder e trabalhou para a acumulação. Agora é difícil. Será precisa uma catástrofe ou uma pessoa extraordinária como Gorbatchov. Às vezes aparecem, mas é muito raro.






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