Aliás, se não o soubesse não estava a pedir o que sabe ser impossível dar: a garantia de que o Ocidente e em particular a Europa, abandone a Ucrânia como quem abandona uma presa às garras do urso para ser mantida num estado permanente de submissão da mesma maneira que os outros satélites russos, a Geórgia, a Arménia e os '...zequistões todos', para que a Rússia possa retomar uma grandeza de Império, que Putin quer.
Neste momento estão cheios de dinheiro do petróleo e do gás mas como é todo comido pela corte dele, isso não vai durar sempre e ter esses países como satélites é como regressar ao tempo dos Impérios com as suas colónias a manter a riqueza da capital. Putin vê Moscovo com a mãe de todas as Rússias.
A situação tornou-se demasiado complexa e Putin tem a vantagem em todas as frentes. Menos uma, talvez.
1º Putin é um indivíduo com uma personalidade contraditória. Por um lado é um estratega e tem uma noção das grandes linhas do mundo e da posição da Rússia nele. Tem grandes conhecimentos da História, pensa muito nessa questão de ser ele a reordenar e reorientar a História da Rússia pós-soviética. Putin publica livros de História. Penso que os europeus não entendem isso nele porque ao contrário da Rússia os europeus estão numa fase de obliterar a História dos seus países na esperança que isso ajude à unidade dos europeus. Um disparate, quanto a mim. Mas enfim, Putin está a construir uma Rússia que seja uma continuidade histórica do passado. Está sempre a dizer que a Ucrânia sempre foi russa (já o ouvi dizer várias vezes que os povos desse Leste são todos 'rus' e que a sua cabeça é a Rússia), o que não é verdade. O tempo em que a Ucrânia foi russa foi muito menor que o tempo em que não foi. Por outro lado, à medida que acumulou poder, Putin é, internamente, uma espécie de padrinho da máfia que trata o povo com paternalismo, se lhe obedecem e com descarte violento, se o desafiam. Essas duas características dão-lhe, visão e desplante.
2º Putin tem noção dos custos de uma guerra mas também sabe que os europeus e os americanos falam mas não fazem nada. Quando foi a guerra da Bósnia, falaram mas nada fizeram. Quando foi a guerra da Chechénia, falaram mas nada fizeram. Quando foi a guerra na Geórgia, falaram mas nada fizeram. Quando interferiu no conflito entre o Azerbaijão e a Arménia, falaram mas nada fizeram. Quando foi a invasão da Crimeia, falaram, ameaçaram, mas não fizeram nada.
Os EUA ameaçaram com sanções económicas mas pouco fizeram e ao mesmo tempo, os franceses vendiam 1.5 mil milhões de euros de armas à Rússia com o argumento de que tinham muitos trabalhadores dependentes do posto de trabalho. Putin riu-se. Os alemães falaram mas tinham o Nord Stream 1 para salvaguardar. Depois de muito dizerem que iam ajudar a Ucrânia, nem um capacete lhes enviaram e depois de muitas ameaças à Rússia, encolheram os braços e foram à sua vida. E Putin ficou livre para assediar militarmente a Ucrânia. Putin ganhou todas essas guerras de fronteira em que se meteu. Ainda não perdeu uma. Tem a moral em alta, ele e os comparsas militares, e pensa que a razão está do seu lado porque é um defensor do equilíbrio de poder e acha que os EUA desequilibram tudo. O que não é mentira.
3º No entretanto, Putin tem arregimentado aliados, o último foi a China, um aliado de peso. Enquanto isso tem instabilizado a Europa, com sucesso. Por azar, os europeus estão numa fase da sua história muito complexa de tentar conjugar muitos países com interesses muito diferentes e uma História muito diferente. Por essa razão, não têm uma política externa comum e cada um mercadeja para o seu lado.
Aqueles que têm mais peso na UE, já mostraram que são mercadores acima de tudo, nomeadamente o chanceler alemão que quer muito o Nord Stream 1I e não sabe fazer poker face. Já abriu o jogo todo.
Os EUA, como não se querem meter numa guerra na Europa, estão a apoiar o alemão e tratam os europeus como um caniche, como ouvi mesmo agora uma comentadora portuguesa dizer na France 24: andam a pedir ao Qatar para fornecer gás aos alemães e outros europeus, como se estes fossem crianças e precisassem do papá a falar por eles. A Inglaterra que está num momento grave, governada por um indivíduo sem sentido de Estado, a braços com uma enorme crise, não se pode dar ao luxo de ostracizar os bilionários russos que lá enfiam dinheiro.
Em suma, Putin e os amigos, que estão a viver do dinheiro do petróleo e do gás, não têm nada a perder: se os europeus e os americanos forem loucos ao ponto de dizer, 'ok, reconhecemos que a Ucrânia é um país sem direito à auto-determinação e abandonamo-la', ele ganha sem levantar um dedo. Se os os europeus e os americanos disserem 'não' e lançarem umas sanções económicas, ele entra na Ucrânia até Poltava e fica às portas de Kiev.
Poltava é uma cidade com um tremendo peso histórico, tanto para os russos como para os ucranianos e é aí que ele vai parar. Vai ficar a instabilizar permanentemente a Ucrânia, mantendo-a numa pobreza de guerra permanente, sem nunca avançar para Kiev, pois ele sabe que, se avançar demasiado como quem quer tomar todo o país, obriga os europeus a sair em socorro da Ucrânia. Ele não se pode dar ao luxo de provocar uma guerra total porque não tem maneira de a ganhar.
Putin está com uma oposição interna muito forte. Os presidentes das maiores e mais prestigiadas universidades de S. Petersburgo e Moscovo demitiram-se, uns em protesto e solidariedade com os alunos presos por falarem contra o regime, outros fugiram para o Ociedente e foram substituídos por puppets. Os russos estão a empobrecer e a emigrar em massa. Passa-se lá a mesma fuga de cérebros que se passa cá. Ora, ele quer ficar no poder até poder, o que é em 2034 ou coisa assim, e para o conseguir precisa de outra vitória sobre o Ocidente. Algo que o faça parecer gigante entre os russos como aconteceu com a Crimeia. Ele adora o Pedro I e compara-se muito com ele.
Em suma, Putin já ganhou isto de uma maneira ou de outra porque os europeus viraram uns comerciantes e os americanos sempre o foram. Caso contrário impunham sanções económicas aos amigos de Putin que têm os biliões fora da Rússia (nos dias de hoje só não tira de lá o dinheiro quem não pode) e deixavam de vender-lhe armas e de comprar petróleo e gás.
Por isso, Putin só perde este confronto se os ucranianos, que se uniram todos contra Putin fizerem um volte-face, como muitas vezes acontece quando países mais pequenos e com menos poder militar se enchem de coragem e força e se unem contra um inimigo. Como nós portugueses já fizemos algumas vezes na nossa História. Portanto Putin já ganhou esta guerra a menos que os ucranianos sejam mais unidos e fortes que loucura imperialista de Putin.
Esta é a minha visão da situação.
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