January 11, 2022

Memórias

 


A ler aquele artigo sobre a Ivy League americana, lembrei-me duma situação que já tinha esquecido. Quando acabei o Liceu, como então se chamava, fui fazer exame oral a História. À minha frente estava um colega da turma, que por acaso morava na mesma rua que eu. Vinha acompanhado do seu explicador pessoal, nem mais nem menos que um assistente do pai dele, um historiador, professor universitário. O explicador apresentou-se. Falou nos seus conhecimentos pessoais, entre os quais Oliveira Marques, o historiador fetiche de então. Os professores do júri cumprimentaram-no. Esse colega passou com uma grande nota. 

Isto foi pouco tempo depois do 25 de Abril, quando a maioria dos alunos no Liceu ainda eram, na esmagadora maioria os filhos de uma classe média e classe alta. Não havia alunos da classe média baixa, que agora são a grande maioria. Na minha turma havia netos de grandes figuras do regime deposto. Mesmo assim, muitos alunos passavam por mérito dos explicadores que os pais contratavam. Isso não mudou, só que agora, essas pessoas põem os filhos em colégios particulares, onde estão os filhos dos outros que pertencem à mesma rede de conhecimentos e se protegem uns aos outros, de maneira a não ser preciso mérito para ter sucesso na vida, embora muito o tenham mesmo, pois vêm sendo embalados e alimentados desde o berço num meio cultural rico, o que faz toda a diferença.

Quando olhamos para a iniciativa privada do país: a banca, as indústrias que declararam falências fraudulentas no tempo da troika, os CTT, que desde que foram privatizados prestam um mau serviço (li que fizeram um contrato com o Estado mas ninguém sabe os termos do contrato, é um segredo... pergunto se mete pedincha de dinheiro), as empresas do retalho, o que vemos são administradores incompetentes sempre a pedinchar ajuda que custam milhares de milhões ao Estado e nunca são responsabilizados; administradores sem escrúpulos que despedem sem escrúpulos os trabalhadores para vender tudo ao desbarato; administradores sem escrúpulos  que pagam um salário miserável aos trabalhadores, despedem-nos, roubam os fornecedores, pagam-lhes com atrasos de seis e mais meses... sempre com o apoio do Estado a quem pedincham por tudo e por nada, a quem os bancos dão créditos de borla a que o comum do cidadão não tem acesso, por muito mérito que tenha. Pode dizer-se, 'ah mas o cidadão não tem garantias para os créditos'. Pois, os outros também não os têm (como se vê pelas dívidas incobráveis - ainda ontem li que foram perdoados em nosso nome, pela Parvalorem, mais de 80 milhões a um desses caloteiros), o que têm são amigos nos governos.

Onde está o mérito e a competência dos privados? Há os que o têm e os que não o têm, nem mesmo com todas as vantagens económicas, sociais e culturais em que nascem... No público também há os que não têm nenhuma vantagem e não consegue ultrapassar esse atraso e há os que o têm, mesmo tendo que competir com os outros que nasceram e cresceram sempre almofadados por papás que compram o seu mérito.

Porque é que a saúde e a educação estão como estão? Porque as nossas 'elites' incompetentes têm dado cabo delas com as suas políticas incompetentes de negócio e lucro.


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