Para que servem os debates dos candidatos às legislativas?
Nesta entrevista ao Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses da qual escolhi excertos para publicar, Manuel Soares aborda os principais problemas da Justiça em Portugal, clarifica os seus contornos e aponta alguns caminhos de solução.
Isso mesmo é o que queria ouvir dos candidatos às legislativas: que expliquem o que vão fazer, sendo eleitos, relativamente aos principais problemas do país. Não falo de os ouvir dizer que 'vão incentivar isto ou apostar naquilo ou valorizar aqueloutro tema'. Refiro-me a dizerem, relativamente à justiça, à educação, à saúde, ao emprego, às desigualdades, ao problema da baixa natalidade, da banca, do abandono do interior e outros, quais os nós do problema, como vão desatá-los e com que objectivo. Por exemplo, como lemos nesta entrevista ao Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, um nó do problema da justiça é a sua morosidade e outro é o seu acesso ser restrito a quem tem muito dinheiro ou nenhum dinheiro, deixando de fora a maioria da população. Sendo assim, como vão os candidatos atacar esses dois problemas da justiça. E não interessam respostas vagas de petições de princípio como dizer que vão investir na justiça, melhorar o sistema e outras generalidades afins. Queremos saber em concreto as medidas que vão ser tomadas, as razões dessas escolhas e os objectivos pretendidos.
Só assim é possível diferenciar e escolher candidatos.
É tempo de sermos exigentes com os candidatos políticos porque são as pessoas que vão ter acesso ao orçamento do nosso desenvolvimento e com ele melhorar, ou hipotecar, o nosso futuro, particular e colectivo. Se querem meter a mão no saco do dinheiro têm que dizer-nos, muito concretamente, como vão utilizá-lo para melhorar a nossa vida.
Também temos que ser exigentes com os jornalistas que lhes vão fazer perguntas. Não queremos jornalistas-freteiros que estão ali a fazer de boneco para que os candidatos descarreguem as suas demagogias.
No que me respeita, tenho menos interesse em ver debates entre candidatos, do que em ver entrevistas bem conduzidas, com jornalistas especialistas ou conhecedores dos grandes dossiers do país (justiça, saúde, educação, economia, etc.) que saibam fazer as perguntas certas e não deixem os entrevistados entrar na conversa de generalidades formais, vazias de conteúdo, de tão abrangentes que são. Essa é a estratégia dos políticos para não se comprometerem de maneira que os eleitores não os possam diferenciar e, eventualmente, afastar-se deles. Contudo, o que queremos mesmo é diferenciá-los para podermos fazer escolhas esclarecidas e consequentes.
É preciso que fique claro se os candidatos estão por dentro dos grandes problemas do país, se têm medidas pensadas e quais, ou se não têm nenhuma ideia dos problemas e têm a intenção de ir navegando à vista. Mesmo que não estejam ali apenas para distribuir cadeiras pelos correligionários, não somos um país rico que possa dar-se ao luxo de ter governantes que levam os anos todos da legislatura a perceber como deveriam ter resolvido os problemas.
A ideia de debates entre candidatos, só tem interesse, quanto a mim, porque os adversários trazem à tona assuntos que os jornalistas, por vezes, têm medo -ou nenhum interesse- em abordar e porque vemos a maneira como aguentam a pressão do contraditório. No entanto, na maior parte das vezes esses debates são meros espectáculos de ataques ad hominem que em nada ajudam a diferenciar as políticas específicas de uns candidatos relativamente aos outros.
Gostava que não se pusesse o pé no futuro com os vícos do passado. Vamos ver.
(texto publicado também no blog delito de opinião)
Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses pede aos partidos que vão a eleições que "clarifiquem" o que pretendem fazer com a reforma da justiça e aponta o dedo aos políticos que querem controlar tribunais. E alerta para o perigo dos "democratas descartáveis" DN.
Não houve vontade política para o fazer? Não se abanou a estrutura?
Claramente não houve vontade política. Repare, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, só para lhe dar este exemplo, que é o órgão que tem a responsabilidade de gerir 300 juízes de uma jurisdição muito sensível, não tem edifício, não tem funcionários nem orçamento. Funciona num edifício emprestado pelo Supremo Tribunal de Justiça, com meia dúzia de funcionários emprestados pelo Supremo Tribunal de Justiça. E pergunto: é possível gerir uma jurisdição com um órgão de governo autónomo que não tem uma lei orgânica? E a resposta é que não é possível. Mas vemos que ao longo dos últimos anos esta discussão sobre lei orgânica deste conselho não avançou. Terá batido com certeza nas Finanças ou onde quer que fosse, e pergunto: não me digam que o problema era por mais dois ou três milhões de euros que se ia gastar em apetrechar o Conselho Superior da Magistratura com equipa de funcionários e assessores para aquilo funcionar bem e ser mais eficiente? Cá está, um exemplo de como é uma reforma que, em muitos aspetos, não envolve custos financeiros excessivos.
Num artigo recente, diz que o acesso à justiça é caro e favorece os ricos e os poderosos. Porquê?
Há um exemplo que me parece evidente: um recurso para um Tribunal Constitucional, o corriqueiro que vemos nos processos-crime, sobretudo nos processos de alta criminalidade financeira e económica, custa, em média, à volta de 9 mil euros, fora os honorários do advogado. Basta olhar para isto para se perceber que nem toda a gente que está em tribunal pode recorrer ao Tribunal Constitucional.
Então como se assegura os direitos fundamentais dos cidadãos?
Repare, o sistema está formatado para, com as taxas de justiça que existem que são elevadíssimas, e com os critérios apertadíssimos e, a meu ver, injustos que existem para o apoio judiciário, só tem acesso à isenção de custas dos processos ou a um advogado pago pelo Estado quem é muito rico ou quem quase não tem dinheiro para comer. Quem tiver o ordenado mínimo, ou um pouco mais, e tenha dois filhos a estudar, já não passa essa malha. E, portanto, a resposta à sua pergunta é: não se assegura. Temos de olhar para isto de frente e dizer a verdade: o sistema que temos não assegura o direito fundamental do acesso à justiça de todos os cidadãos. Essas pessoas, naturalmente, não acreditam na justiça, porque quando precisaram da justiça ela não estava lá.
Já disse que a justiça está, cada vez mais, sob o controlo dos políticos. É uma tendência que veio para ficar?
Essa tendência não é portuguesa, é europeia. Começou na Hungria, passou pela Polónia, e já há um conjunto de políticos que são democratas descartáveis que estão na fila à espera de perceber o que vai acontecer.
O que seria pior para a justiça?
Para a justiça o que é pior é ter políticos que não percebam o que é o Estado de direito, e que não percebam que democracia sem independência judicial não existe.
Disse que há democratas descartáveis. Quem são os democratas descartáveis em Portugal?
São aquelas pessoas que acreditam na democracia, desde que a democracia não altere aquilo que são os seus quadros de funcionamento. Porque ser democrata e dizer que acredito na independência desde que a possa controlar é defender uma democracia descartável, não é independência.
A nível de ministros e secretários de Estado ou a outros níveis?
A esses níveis, diria. Acho normal que o Ministério da Justiça tenha assessores juízes, dois ou três, para informar o responsável político sobre as realidades que os juízes conhecem melhor dentro dos tribunais. Mas já não me parece bem que os responsáveis políticos, vinculados a um programa político-partidário, nomeadamente ministros e secretários de Estado, possam ser juízes no ativo e possam regressar à função pela tal porta giratória que tem dois sentidos.
Portugal pontua mal nos índices internacionais de corrupção e a justiça que não sai ilesa. O que é que é preciso fazer para credibilizar a imagem da justiça aos olhos dos portugueses, nessa área?
Conseguimos saber que há uma perceção elevada sobre a corrupção, mas não sabemos, na realidade, se temos um fenómeno de corrupção grave, médio ou pouco grave. Pondo essa questão de lado que é importante, acho que a forma mais eficaz de prevenir a corrupção é termos um sistema repressivo que funcione. Um sistema de investigação e punição rápido, com respeito pelos direitos, que consiga num prazo razoável e aceitável para o cidadão, e que ainda produza algum efeito útil, punir as pessoas responsáveis e absolver rapidamente as pessoas que não são responsáveis.
(...) não me admiro - nesse processo ou noutro - que os arguidos utilizem os mecanismos que a lei concede, que são muitos, e que abusem deles. Por exemplo, se a lei permite que um arguido, através do seu advogado, invoque uma nulidade, que peça a recusa do juiz, peça que a decisão seja aclarada porque não percebeu bem a decisão, a lei permite tudo isto, mas isto foi pensado para um uso legítimo. Se uma pessoa utilizar estes mecanismos todos apenas para atrasar uma decisão, então com certeza que é ilegítimo. Se um dia formos ver todos estes processos grandes, estes processos para que estamos agora a olhar, era importante ir olhar para eles no fim, fazer a análise retrospetiva, e tentar perceber onde é que houve o abuso. E tenho a certeza de que íamos descobrir muitos abusos de mecanismos processuais que não eram necessários para cuja finalidade estão previstos.
Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses pede aos partidos que vão a eleições que "clarifiquem" o que pretendem fazer com a reforma da justiça e aponta o dedo aos políticos que querem controlar tribunais. E alerta para o perigo dos "democratas descartáveis" DN.
Não houve vontade política para o fazer? Não se abanou a estrutura?
Claramente não houve vontade política. Repare, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, só para lhe dar este exemplo, que é o órgão que tem a responsabilidade de gerir 300 juízes de uma jurisdição muito sensível, não tem edifício, não tem funcionários nem orçamento. Funciona num edifício emprestado pelo Supremo Tribunal de Justiça, com meia dúzia de funcionários emprestados pelo Supremo Tribunal de Justiça. E pergunto: é possível gerir uma jurisdição com um órgão de governo autónomo que não tem uma lei orgânica? E a resposta é que não é possível. Mas vemos que ao longo dos últimos anos esta discussão sobre lei orgânica deste conselho não avançou. Terá batido com certeza nas Finanças ou onde quer que fosse, e pergunto: não me digam que o problema era por mais dois ou três milhões de euros que se ia gastar em apetrechar o Conselho Superior da Magistratura com equipa de funcionários e assessores para aquilo funcionar bem e ser mais eficiente? Cá está, um exemplo de como é uma reforma que, em muitos aspetos, não envolve custos financeiros excessivos.
Num artigo recente, diz que o acesso à justiça é caro e favorece os ricos e os poderosos. Porquê?
Há um exemplo que me parece evidente: um recurso para um Tribunal Constitucional, o corriqueiro que vemos nos processos-crime, sobretudo nos processos de alta criminalidade financeira e económica, custa, em média, à volta de 9 mil euros, fora os honorários do advogado. Basta olhar para isto para se perceber que nem toda a gente que está em tribunal pode recorrer ao Tribunal Constitucional.
Então como se assegura os direitos fundamentais dos cidadãos?
Repare, o sistema está formatado para, com as taxas de justiça que existem que são elevadíssimas, e com os critérios apertadíssimos e, a meu ver, injustos que existem para o apoio judiciário, só tem acesso à isenção de custas dos processos ou a um advogado pago pelo Estado quem é muito rico ou quem quase não tem dinheiro para comer. Quem tiver o ordenado mínimo, ou um pouco mais, e tenha dois filhos a estudar, já não passa essa malha. E, portanto, a resposta à sua pergunta é: não se assegura. Temos de olhar para isto de frente e dizer a verdade: o sistema que temos não assegura o direito fundamental do acesso à justiça de todos os cidadãos. Essas pessoas, naturalmente, não acreditam na justiça, porque quando precisaram da justiça ela não estava lá.
Essa tendência não é portuguesa, é europeia. Começou na Hungria, passou pela Polónia, e já há um conjunto de políticos que são democratas descartáveis que estão na fila à espera de perceber o que vai acontecer.
O que seria pior para a justiça?
Para a justiça o que é pior é ter políticos que não percebam o que é o Estado de direito, e que não percebam que democracia sem independência judicial não existe.
Disse que há democratas descartáveis. Quem são os democratas descartáveis em Portugal?
São aquelas pessoas que acreditam na democracia, desde que a democracia não altere aquilo que são os seus quadros de funcionamento. Porque ser democrata e dizer que acredito na independência desde que a possa controlar é defender uma democracia descartável, não é independência.
A esses níveis, diria. Acho normal que o Ministério da Justiça tenha assessores juízes, dois ou três, para informar o responsável político sobre as realidades que os juízes conhecem melhor dentro dos tribunais. Mas já não me parece bem que os responsáveis políticos, vinculados a um programa político-partidário, nomeadamente ministros e secretários de Estado, possam ser juízes no ativo e possam regressar à função pela tal porta giratória que tem dois sentidos.
Conseguimos saber que há uma perceção elevada sobre a corrupção, mas não sabemos, na realidade, se temos um fenómeno de corrupção grave, médio ou pouco grave. Pondo essa questão de lado que é importante, acho que a forma mais eficaz de prevenir a corrupção é termos um sistema repressivo que funcione. Um sistema de investigação e punição rápido, com respeito pelos direitos, que consiga num prazo razoável e aceitável para o cidadão, e que ainda produza algum efeito útil, punir as pessoas responsáveis e absolver rapidamente as pessoas que não são responsáveis.
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