Esta, 'comunicadora de ciência' reduz todos os que não estão de acordo com as vacinas e com a comunidade científica e médica a estúpidos a quem é preciso repetir muitas vezes a mesma mensagem até que entre na cabeça e a gente ignorante da 'verdade', dominados que estão pela ansiedade. Farta-se de falar na verdade: a verdade da ciência, a verdade da comunidade científica. As pessoas são todas gente ignorante com um filtro de crenças e sistemas de valor -como se ela não fosse também uma pessoa com o seu filtro de crenças e sistemas de valor- que não lhes permite ver o óbvio. Para ela a ciência é obviamente verdadeira e se os outros não vêem essa verdade são todos idiotas.
Esta é uma postura dogmática, simplista e, por essa razão, com poucas probabilidades de mudar a visão que os anti-vacinas têm da ciência. Ela queixa-se que as pessoas ao dizer as suas opiniões dizem «achismos», mas o que é a opinião dela sobre os que rejeitam vacinas senão um «achismo»? Ela é licenciada em farmácias com doutoramento em química. Que sabe ela acerca dos sistemas dos condicionalismos valorativos e de crença dos diversos sistemas sociais e políticos? O mesmo que a maioria dos outros todos que dizem opiniões. Ao mesmo tempo que argumenta contra as opiniões pseudo-científicas de não-especialistas vai aduzindo argumentos contra os sistemas de crenças e valores sociais com opinião pseudo-científica, pois que não tem nenhum formação nessa área.
Thomas Kuhn, aquele que cunhou o termo, «paradigma» aplicado à ciência e às revoluções científicas dizia que, "a ciência não pensa, o cientista não sabe pensar". Logo no início da pandemia vi uma entrevista com o virologista que agora está sempre na TV em que ele dizia mais o menos o seguinte, "as pessoas confiem em mim porque a ciência pode ter opiniões contraditórias mas a certa altura chegamos à verdade." Nunca mais liguei um átomo ao que ele diz porque a idea de um cientista vir, como um padre, pedir fé e clamar que tem a verdade consigo é tão pouco científica que caiu logo ao chão, no meu sistema de avaliação de credibilidade.
Li um artigo com dados sobre a percentagem de pessoas que não querem vacinar-se e porquê: na Rússia, quase um quarto da população não quer vacinar-se; nos EUA, 20%; na Alemanha, 10%; na África do Sul, pediram para deixarem de mandar vacinas porque têm stock para 150 dias, que não conseguem gastar, à beira de passar o prazo de validade - nos países de Leste que viveram em ditadura comunista a desconfiança nas instituições científicas e médicas é muito superior aos da UE. Talvez porque durante muito tempo a ciência foi usada para pseudo-legitimar a ideologia comunista e as malfeitorias que fizeram aos povos.
A hesitação de vacinar-se parece ser um aspecto de uma quebra mais vasta de confiança entre alguns sectores da população, por um lado, e as elites e especialistas, por outro. Essa quebra de confiança é que é explorada nas redes sociais e não o oposto, quer dizer, não são as redes sociais que criam a hesitação, ela existe, é um problema complexo que e é anterior à pandemia. Portanto, vir dizer que é um problema de as pessoas serem ignorantes e não verem o óbvio por estarem dominadas pelas redes sociais, é uma visão, ela mesma, ignorante e simplista.
A literatura médica mostra que há um forte relação entre a desconfiança na indústria farmacêutica e a desconfiança nas vacinas. Entre os sul-africanos negros, por exemplo, o cepticismo em relação aos médicos pode surgir do facto de os argumentos pró-apartheid, até há pouco tempo, terem estado frequentemente enraizados em crenças e propaganda, pseudo-científicas, sobre as diferenças entre as raças.
Jonathan Kennedy, um sociólogo da Queen Mary University of London, destaca um factor para a erosão da confiança no governo e na ciência: a narrativa do otimismo e do progresso do pós-guerra não se ter concretizado para muitos, "Há grandes quantidades da população que não beneficiaram economicamente da globalização. Muitas pessoas sentem-se cada vez mais marginalizadas pela política; sentem-se como se os políticos não estivessem interessados neles". Populismo e sentimento anti-vacinas "parecem ser uma espécie de rejeição desta narrativa de progresso civilizacional ... um grito de impotência".
A Rússia, e a Europa de Leste em geral, têm um nível de confiança extremamente baixo nas instituições relativamente à Europa Ocidental - a Roména e a Bulgária vacinaram pouquíssimas pessoas. Os russos têm tentado espalhar o caos com desinformação profissional relativamente à eficácia produzidas pela BioNTech-Pfizer, Moderna, e AstraZeneca e compararam os confinamentos com a ocupação nazi e o apartheid.
Também estamos a pagar caro o desinvestimento, em termos globais, nos sistemas de saúde e na desvalorização da profissão, para poupar dinheiro, desde que os hospitais viraram empresas geridas por investidores sem interesse nenhum na medicina. Existe agora uma desconfiança nos médicos que não havia. São tratados como se fossem mercenários.
As farmacêuticas recusam investir em medicamentos se o retorno em lucros for abaixo de não sei quantos milhões de dividendos para os acionistas. Isto não ajuda à confiança.
Em cima disto temos que a ciência hoje em dia já não é praticada como antigamente. Dantes um artigo científico sobre inovações só era publicado depois de muitos estudos feitos e era lido apenas por especialistas, que eram poucos. Quando chegava ao público já vinha depurado de todas as imprecisões e erros grosseiros. Porém, hoje em dia, os cientistas são na ordem dos milhões. Um doutoramento hoje em dia é algo frequente entre a comunidade universitária das ciências. As universidades obrigam os doutorandos a publicar artigos científicos em catadupa sob pena de serem postos de lado, de maneira que muitos milhares de cientistas publicam papers a torto e a direitos, sobre tudo e o seu contrário que chegam aos jornais, nesses termos contraditórios. A maioria do público, hoje-em-dia, já não aceita petições de princípio baseadas em apelos à autoridade: querem argumentos. Vivemos em sociedades de comunicação. A comunicação científica não pode ser constantemente contraditória.
Acresce a tudo isto que os comunicadores científicos, ou são como Graça Freitas e Fauci nos EUA que mentem e distorcem os factos porque têm uma ideia de gestão de informação baseada na crença de que as pessoas são estúpidas e têm de ser manipuladas ou são como esta comunicadora de ciência nesta entrevista que diz que a solução, dado as pessoas serem idiotas e não verem a verdade óbvia é repetir muitas vezes a informação, até que lhes entre na cabeça, calculo que seja o que quer dizer. Só que os anti-vacinas são uma larga comunidade que vai desde os próprios médicos e cientistas ao homem vulgar. Não são uma massa informe de analfabetos e são aos milhões. Não se pode querer mudar a visão das pessoas chamando-lhes, dogmaticamente, estúpidas.
Vai ser difícil restaurar a confiança nas instituições universitárias, médicas e científicas, dados que estão politizadas e algumas capturadas por grandes empresas multinacionais (o que reforça a desconfiança), mas de certeza que isso não se faz chamando estúpidas às pessoas. O problema é um bocadinho mais complexo, não? Esta comunicadora de ciência fala como se a ciência, os laboratórios dos cientistas e a comunidade médica fosse tudo gente nobre do lado da verdade, desligados do dinheiro e da política. Isto é ingenuidade, não? Quer dizer, eu não sou especialista em comunicação de ciência e aqui em um quarto de hora encontrei artigos e dados para perceber um poucochinho a complexidade do problema.
“A EVIDÊNCIA A FAVOR DAS VACINAS É TÃO AVASSALADORA QUE A COMUNIDADE CIENTÍFICA ACHOU QUE OS ANTIVACINAS ACABARIAM POR SE CALAR. O QUE NÃO SE PREVIU É QUE A VERDADE NÃO INTERESSA NADA”
A comunicadora de Ciência Joana Lobo Antunes, em entrevista à VISÃO
Como se deve comunicar a incerteza inerente à Ciência sem causar demasiada ansiedade nas pessoas?
Quando comunicamos a incerteza ao nível da saúde é impossível não causarmos alguma ansiedade. As pessoas têm de aprender a viver com uma certa dúvida, um certo risco, também é isso que nós vivemos na investigação científica. E é exatamente essa adrenalina de entrar num terreno inexplorado que é entusiasmante na Ciência. Consigo perceber que, para as outras pessoas, essa ansiedade seja má, mas a única maneira de ajudá-las a lidar com isso é repetindo, muitas vezes, que enfrentar o desconhecido para procurar respostas faz parte do processo científico.
A pandemia parece ter exacerbado o discurso contra a Ciência. Qual a origem desse fenómeno?
O discurso anticiência já existia, e vai continuar a existir, não tenho a veleidade de achar que vamos acabar com ele. O que aconteceu foi que, de repente, teve mais espaço. O movimento antivacinas não apareceu com a Covid-19. O seu grande impulsionador foi um artigo falso, hoje completamente desacreditado, que tentou provar uma relação de causa e efeito entre as vacinas e o aparecimento de autismo nalgumas crianças. Isso era tão absurdo que os cientistas nem se deram ao trabalho de desmentir. A evidência científica a favor das vacinas é tão avassaladora que a maior parte da comunidade científica achou que, mesmo que não fizesse nada, os antivacinas acabariam por se calar. O que não se previu é que a verdade não interessa nada, o que importa é o que tem melhor marketing e vai ao encontro das ansiedades das pessoas.
Que ansiedades são essas?
Os cientistas dizem: “a ansiedade não vai deixar de existir e temos de aprender a viver com ela”; enquanto os anticiência afirmam: “nós podemos tirar-vos a ansiedade”. Além disso, usam palavras e conceitos que as pessoas conhecem e que estão de acordo com o seu sistema de crenças e de valores. Por isso, emocionalmente, é muito mais fácil acreditar neles, sem perceber que se está a cair num logro. A única maneira de ajudarmos as pessoas a lidar com a ansiedade é fazendo muita divulgação de Ciência e obrigando a comunidade científica a ajudar a desmontar a desinformação.
Como devemos dialogar com alguém que nega factos científicos?
É preciso muita paciência. Alguém que nega a evidência científica, obviamente, não vai lá por os factos falarem por si. É preciso conhecer o contexto emocional, social e cultural dessas pessoas para perceber onde está o problema. Por que razão alguém tem um filtro que não lhe permite acreditar numa coisa óbvia? Temos de andar à volta para entender qual o conjunto de valores e de crenças que leva aquela pessoa a acreditar em coisas que não fazem sentido.
O risco de não conseguir dialogar com essas pessoas é grande?
Na comunicação de Ciência, usamos a expressão “pregar aos convertidos”, ou seja, o público das nossas iniciativas, habitualmente, já está interessado. Mas é fundamental irmos além dos convertidos. Temos de ser atraentes o suficiente para que mais gente queira dialogar connosco. Os cientistas não devem ser vistos apenas como pessoas que dão aulas mas também como bons ouvintes. Não conseguimos mudar a mentalidade das pessoas se não as ouvirmos. E essa parte ainda é difícil de se fazer.
É recorrente o argumento da censura, quando não se dá voz a quem nega a Ciência. Como responde a isso?
É preciso distinguir opiniões fundamentadas de opiniões pessoais. Durante a pandemia, houve pessoas que fizeram serviço público ao explicarem o melhor conhecimento científico até à data, mas outras limitaram-se a dar a sua opinião, um achismo que não era baseado na melhor evidência disponível. Os órgãos de comunicação social têm de ser capazes de avaliar se alguém está só a dizer asneiras. Dar palco só porque no dia seguinte vai dar que falar… Não pode valer tudo.
Mas é fundamental manter o espírito crítico. A Ciência já errou. Como se mantém esse equilíbrio entre confiança e ceticismo?
A Ciência, de facto, não é perfeita. E, sim, já errou, mas uma das grandes qualidades da Ciência é admitir correção. Se fosse escrita na pedra, nós nunca evoluiríamos, e a evolução da Ciência é o que a torna maravilhosa. Quando as pessoas se queixam de que num dia os cientistas dizem uma coisa e no seguinte dizem outra, a minha única resposta é: ainda bem que assim é, senão éramos fundamentalistas. Claro que depois há aquelas coisas parvas, às vezes a cafeína faz bem, outras faz mal, mas isso são fait-divers científicos. Às vezes, dá-se voz a artigos que não têm impacto na comunidade científica apenas porque são engraçados. Quem me dera que o chocolate emagrecesse, essas são as minhas notícias preferidas.
Como podem as pessoas proteger-se da desinformação que circula na internet?
Primeiro, é preciso saber de onde veio a informação, se uma fonte fidedigna verificou a sua veracidade ou se é uma coisa que uma pessoa qualquer pôs na internet. As fontes devem estar identificadas; se é alguém com nome, instituição, credibilidade, posso estar mais tranquila. Um dos fenómenos da pandemia foram mensagens a dizer “a minha tia trabalha num hospital e…”, que eram reencaminhadas por não sei quantas pessoas, sabia-se lá quem era a tia que, provavelmente, nem sequer existia. Contudo, como era um boato que ia ao encontro dos medos e das ansiedades das pessoas, ele era partilhado.
É inevitável perder a batalha contra a desinformação?
Não, mas temos de ser mais rápidos a pôr informação de qualidade e em massa cá fora, numa linguagem que as pessoas entendam. As autoridades de saúde foram muito cautelosas até decidirem dar informações fidedignas [sobre a pandemia], e isso deu imenso espaço para que houvesse milhares de informações paralelas não verdadeiras a circular. Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. E dá muito mais trabalho desmentir. Quando Graça Freitas vem dizer que, se calhar, se acaba com os boletins diários porque criam muita ansiedade, esse é o primeiro passo para começar a haver pseudoinformação sobre os números reais. Não acabem com a informação; não é ela que causa ansiedade às pessoas, é a ausência de informação fidedigna, verdadeira e transparente.
Os raros efeitos secundários das vacinas deviam ter sido esclarecidos mais rapidamente?
Acho que as autoridades de saúde não se chegaram à frente porque, para elas, essa questão era muito óbvia, mas a população esquece-se de que até um medicamento tão básico quanto o paracetamol tem efeitos adversos. As pessoas sabem, mas apagam essa informação da sua memória, porque é uma chatice viver com essa ansiedade. Ninguém tomava medicamentos se estivesse sempre a pensar em todos os efeitos secundários que podem acontecer. Na verdade, os efeitos secundários esperados com estas vacinas são muito mais improváveis do que os de outros medicamentos, como a pílula. Os benefícios de tomar a vacina são largamente superiores aos eventuais efeitos secundários que elas possam ter numa percentagem ínfima de pessoas.
Quais foram os principais erros de comunicação da Direção-Geral da Saúde (DGS)?
Não quero dizer mal porque tenho a certeza de que a DGS fez o melhor que conseguia. Um organismo do Estado tem muita dificuldade em criar rapidamente equipas; o problema não é apenas da DGS. É preciso perceber que condições podem ser criadas para termos estruturas mais ágeis, que possam lidar com estas situações de forma mais célere e com mais qualidade. A grande lição que tiramos daqui é a necessidade de a comunicação ser mais ágil e mais transparente para não dar espaço à desinformação.
Os cientistas estão mais conscientes da importância de comunicarem com a população?
Já temos muitos cientistas disponíveis para falar, mas temos de continuar a trabalhar a sua capacidade de ouvir. É absolutamente fundamental haver diálogo. A comunidade científica tem de perceber quais são as dúvidas e as inquietações das pessoas porque, se calhar, está a dar-lhes respostas que não são aquelas que elas precisam de ouvir. Temos de ouvir, senão vamos falhar.
A falta de financiamento é o principal problema da Ciência nacional?
Sim, sem dúvida. A percentagem do PIB atribuído à Ciência tem vindo a crescer, mas precisa de crescer mais. É ainda necessário que as carreiras científicas sejam valorizadas. Estamos a formar pessoas com doutoramentos, e nem todas vão ficar a trabalhar na academia. São profissionais com competências que devem ser valorizadas no mercado de trabalho. Os privados têm de perceber que existe uma mais-valia ao investir em parcerias com a Ciência. A vantagem de pôr os cientistas a dialogar não é apenas ensinar às crianças o que é a Ciência; é também influenciar decisores políticos, as empresas e todos os outros setores da sociedade.
Ainda é um desafio trazer as mulheres para a Ciência?
Portugal é o país da OCDE com mais mulheres na Ciência, mas os lugares de topo são maioritariamente ocupados por homens. Estamos a falhar às raparigas de alguma forma, porque a partir de certa altura passamos a mensagem de que há determinadas coisas a que só os rapazes podem aceder e de que há determinadas capacidades cognitivas que elas não têm. Isto é transmitido de um modo muito subtil, mas muito eficaz, e faz com que, em muitas áreas do conhecimento, as raparigas se excluam, enquanto os rapazes nunca consideram que determinada coisa não é para eles. Também está relacionado com os modelos de representatividade. Temos de criar um ambiente propício para termos mais exemplos femininos.
Tem uma grande paixão pelo teatro. É uma herança de família esta conjugação entre a Ciência e as Artes? O seu pai, António Lobo Antunes, é médico e escritor…
O teatro apareceu mais ou menos por acaso, mas foi um casamento que resultou muito bem, e também cantei num coro. Além de me dar prazer, passei a incorporar as ferramentas do teatro nas minhas formações para ajudar os cientistas a comunicar melhor. Cientificamente, a pessoa que mais me marcou foi o meu avô [paterno]; era médico, investigador, professor e um amante de tudo o que é belo, seja arte, pintura, escultura, música… Foi a pessoa a quem dediquei a minha tese de doutoramento e que deu nome ao meu primeiro filho [João]. O meu avô conseguia conjugar a paixão e o interesse pela Ciência com toda esta vertente humanista. Na nossa casa, não era possível alguém ser só técnico; esta vontade de olhar para o belo era muito natural para nós. Uma coisa muito curiosa é que ninguém fala de trabalho em família, falamos do resto.
De literatura?
Por acaso, sim.
“A EVIDÊNCIA A FAVOR DAS VACINAS É TÃO AVASSALADORA QUE A COMUNIDADE CIENTÍFICA ACHOU QUE OS ANTIVACINAS ACABARIAM POR SE CALAR. O QUE NÃO SE PREVIU É QUE A VERDADE NÃO INTERESSA NADA”
Quando comunicamos a incerteza ao nível da saúde é impossível não causarmos alguma ansiedade. As pessoas têm de aprender a viver com uma certa dúvida, um certo risco, também é isso que nós vivemos na investigação científica. E é exatamente essa adrenalina de entrar num terreno inexplorado que é entusiasmante na Ciência. Consigo perceber que, para as outras pessoas, essa ansiedade seja má, mas a única maneira de ajudá-las a lidar com isso é repetindo, muitas vezes, que enfrentar o desconhecido para procurar respostas faz parte do processo científico.
A pandemia parece ter exacerbado o discurso contra a Ciência. Qual a origem desse fenómeno?
O discurso anticiência já existia, e vai continuar a existir, não tenho a veleidade de achar que vamos acabar com ele. O que aconteceu foi que, de repente, teve mais espaço. O movimento antivacinas não apareceu com a Covid-19. O seu grande impulsionador foi um artigo falso, hoje completamente desacreditado, que tentou provar uma relação de causa e efeito entre as vacinas e o aparecimento de autismo nalgumas crianças. Isso era tão absurdo que os cientistas nem se deram ao trabalho de desmentir. A evidência científica a favor das vacinas é tão avassaladora que a maior parte da comunidade científica achou que, mesmo que não fizesse nada, os antivacinas acabariam por se calar. O que não se previu é que a verdade não interessa nada, o que importa é o que tem melhor marketing e vai ao encontro das ansiedades das pessoas.
Que ansiedades são essas?
Os cientistas dizem: “a ansiedade não vai deixar de existir e temos de aprender a viver com ela”; enquanto os anticiência afirmam: “nós podemos tirar-vos a ansiedade”. Além disso, usam palavras e conceitos que as pessoas conhecem e que estão de acordo com o seu sistema de crenças e de valores. Por isso, emocionalmente, é muito mais fácil acreditar neles, sem perceber que se está a cair num logro. A única maneira de ajudarmos as pessoas a lidar com a ansiedade é fazendo muita divulgação de Ciência e obrigando a comunidade científica a ajudar a desmontar a desinformação.
Como devemos dialogar com alguém que nega factos científicos?
É preciso muita paciência. Alguém que nega a evidência científica, obviamente, não vai lá por os factos falarem por si. É preciso conhecer o contexto emocional, social e cultural dessas pessoas para perceber onde está o problema. Por que razão alguém tem um filtro que não lhe permite acreditar numa coisa óbvia? Temos de andar à volta para entender qual o conjunto de valores e de crenças que leva aquela pessoa a acreditar em coisas que não fazem sentido.
O risco de não conseguir dialogar com essas pessoas é grande?
Na comunicação de Ciência, usamos a expressão “pregar aos convertidos”, ou seja, o público das nossas iniciativas, habitualmente, já está interessado. Mas é fundamental irmos além dos convertidos. Temos de ser atraentes o suficiente para que mais gente queira dialogar connosco. Os cientistas não devem ser vistos apenas como pessoas que dão aulas mas também como bons ouvintes. Não conseguimos mudar a mentalidade das pessoas se não as ouvirmos. E essa parte ainda é difícil de se fazer.
É recorrente o argumento da censura, quando não se dá voz a quem nega a Ciência. Como responde a isso?
É preciso distinguir opiniões fundamentadas de opiniões pessoais. Durante a pandemia, houve pessoas que fizeram serviço público ao explicarem o melhor conhecimento científico até à data, mas outras limitaram-se a dar a sua opinião, um achismo que não era baseado na melhor evidência disponível. Os órgãos de comunicação social têm de ser capazes de avaliar se alguém está só a dizer asneiras. Dar palco só porque no dia seguinte vai dar que falar… Não pode valer tudo.
Mas é fundamental manter o espírito crítico. A Ciência já errou. Como se mantém esse equilíbrio entre confiança e ceticismo?
A Ciência, de facto, não é perfeita. E, sim, já errou, mas uma das grandes qualidades da Ciência é admitir correção. Se fosse escrita na pedra, nós nunca evoluiríamos, e a evolução da Ciência é o que a torna maravilhosa. Quando as pessoas se queixam de que num dia os cientistas dizem uma coisa e no seguinte dizem outra, a minha única resposta é: ainda bem que assim é, senão éramos fundamentalistas. Claro que depois há aquelas coisas parvas, às vezes a cafeína faz bem, outras faz mal, mas isso são fait-divers científicos. Às vezes, dá-se voz a artigos que não têm impacto na comunidade científica apenas porque são engraçados. Quem me dera que o chocolate emagrecesse, essas são as minhas notícias preferidas.
Como podem as pessoas proteger-se da desinformação que circula na internet?
Primeiro, é preciso saber de onde veio a informação, se uma fonte fidedigna verificou a sua veracidade ou se é uma coisa que uma pessoa qualquer pôs na internet. As fontes devem estar identificadas; se é alguém com nome, instituição, credibilidade, posso estar mais tranquila. Um dos fenómenos da pandemia foram mensagens a dizer “a minha tia trabalha num hospital e…”, que eram reencaminhadas por não sei quantas pessoas, sabia-se lá quem era a tia que, provavelmente, nem sequer existia. Contudo, como era um boato que ia ao encontro dos medos e das ansiedades das pessoas, ele era partilhado.
É inevitável perder a batalha contra a desinformação?
Não, mas temos de ser mais rápidos a pôr informação de qualidade e em massa cá fora, numa linguagem que as pessoas entendam. As autoridades de saúde foram muito cautelosas até decidirem dar informações fidedignas [sobre a pandemia], e isso deu imenso espaço para que houvesse milhares de informações paralelas não verdadeiras a circular. Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. E dá muito mais trabalho desmentir. Quando Graça Freitas vem dizer que, se calhar, se acaba com os boletins diários porque criam muita ansiedade, esse é o primeiro passo para começar a haver pseudoinformação sobre os números reais. Não acabem com a informação; não é ela que causa ansiedade às pessoas, é a ausência de informação fidedigna, verdadeira e transparente.
Os raros efeitos secundários das vacinas deviam ter sido esclarecidos mais rapidamente?
Acho que as autoridades de saúde não se chegaram à frente porque, para elas, essa questão era muito óbvia, mas a população esquece-se de que até um medicamento tão básico quanto o paracetamol tem efeitos adversos. As pessoas sabem, mas apagam essa informação da sua memória, porque é uma chatice viver com essa ansiedade. Ninguém tomava medicamentos se estivesse sempre a pensar em todos os efeitos secundários que podem acontecer. Na verdade, os efeitos secundários esperados com estas vacinas são muito mais improváveis do que os de outros medicamentos, como a pílula. Os benefícios de tomar a vacina são largamente superiores aos eventuais efeitos secundários que elas possam ter numa percentagem ínfima de pessoas.
Quais foram os principais erros de comunicação da Direção-Geral da Saúde (DGS)?
Não quero dizer mal porque tenho a certeza de que a DGS fez o melhor que conseguia. Um organismo do Estado tem muita dificuldade em criar rapidamente equipas; o problema não é apenas da DGS. É preciso perceber que condições podem ser criadas para termos estruturas mais ágeis, que possam lidar com estas situações de forma mais célere e com mais qualidade. A grande lição que tiramos daqui é a necessidade de a comunicação ser mais ágil e mais transparente para não dar espaço à desinformação.
Os cientistas estão mais conscientes da importância de comunicarem com a população?
Já temos muitos cientistas disponíveis para falar, mas temos de continuar a trabalhar a sua capacidade de ouvir. É absolutamente fundamental haver diálogo. A comunidade científica tem de perceber quais são as dúvidas e as inquietações das pessoas porque, se calhar, está a dar-lhes respostas que não são aquelas que elas precisam de ouvir. Temos de ouvir, senão vamos falhar.
A falta de financiamento é o principal problema da Ciência nacional?
Sim, sem dúvida. A percentagem do PIB atribuído à Ciência tem vindo a crescer, mas precisa de crescer mais. É ainda necessário que as carreiras científicas sejam valorizadas. Estamos a formar pessoas com doutoramentos, e nem todas vão ficar a trabalhar na academia. São profissionais com competências que devem ser valorizadas no mercado de trabalho. Os privados têm de perceber que existe uma mais-valia ao investir em parcerias com a Ciência. A vantagem de pôr os cientistas a dialogar não é apenas ensinar às crianças o que é a Ciência; é também influenciar decisores políticos, as empresas e todos os outros setores da sociedade.
Ainda é um desafio trazer as mulheres para a Ciência?
Portugal é o país da OCDE com mais mulheres na Ciência, mas os lugares de topo são maioritariamente ocupados por homens. Estamos a falhar às raparigas de alguma forma, porque a partir de certa altura passamos a mensagem de que há determinadas coisas a que só os rapazes podem aceder e de que há determinadas capacidades cognitivas que elas não têm. Isto é transmitido de um modo muito subtil, mas muito eficaz, e faz com que, em muitas áreas do conhecimento, as raparigas se excluam, enquanto os rapazes nunca consideram que determinada coisa não é para eles. Também está relacionado com os modelos de representatividade. Temos de criar um ambiente propício para termos mais exemplos femininos.
Tem uma grande paixão pelo teatro. É uma herança de família esta conjugação entre a Ciência e as Artes? O seu pai, António Lobo Antunes, é médico e escritor…
O teatro apareceu mais ou menos por acaso, mas foi um casamento que resultou muito bem, e também cantei num coro. Além de me dar prazer, passei a incorporar as ferramentas do teatro nas minhas formações para ajudar os cientistas a comunicar melhor. Cientificamente, a pessoa que mais me marcou foi o meu avô [paterno]; era médico, investigador, professor e um amante de tudo o que é belo, seja arte, pintura, escultura, música… Foi a pessoa a quem dediquei a minha tese de doutoramento e que deu nome ao meu primeiro filho [João]. O meu avô conseguia conjugar a paixão e o interesse pela Ciência com toda esta vertente humanista. Na nossa casa, não era possível alguém ser só técnico; esta vontade de olhar para o belo era muito natural para nós. Uma coisa muito curiosa é que ninguém fala de trabalho em família, falamos do resto.
De literatura?
Por acaso, sim.
No comments:
Post a Comment