September 12, 2021

Acerca das pedagogias milagreiras

 


1. Sou a favor de se experimentar pedagogias diferentes sempre que é pertinente. Eu própria o faço. Tenho uma maneira de trabalhar adequada para o início do 10º ano, outra lá para meio do ano, outra no 11º ano e outra ainda no 12º ano. Tenho um modo de trabalho para dar a Lógica que é diferente do que uso para dar a Ética ou a Estética. No entanto, não assumo que qualquer dos métodos pedagógicos que uso seja o melhor de todos e vou mudando consoante avalio as necessidades dos alunos. Porém, não trabalho contra as minhas convicções. Não uso métodos que penso serem erros que prejudicam mais do que ajudam.

2. A pedagogia enquanto método de formar um ser humano é um assunto demasiado complexo para ter soluções milagrosas e desconfio, por isso mesmo, daqueles que se anunciam como 'salvadores milagreiros', sobretudo quando os seus métodos necessitam de dizer mal de todos os professores -que são mais de uma centena de milhar- para se imporem, ignorando a evidência das dezenas de milhar que formam bem os seus alunos sem a pedagogia do 'salvador'. Na maioria das vezes, soluções que servem numa circunstância não podem alargar-se a todos os casos. 

3. A educação e a pedagogia não são ciências exactas nem as pessoas são robots. Quantas vezes já vi um aluno entrar no 10º ano a dizer que quer seguir engenharia para no ano a seguir querer ir para biologia marítima, por exemplo? As pessoas evoluem com a idade e se num ano têm certos interesses, no ano a seguir podem ter outros diferentes. Lembro-me de uma rapariga, muito boa aluna de ciências que no início do 12º ano resolver ir para direito. E foi. Agora é advogada, com muito gosto. Portanto, assumir que os alunos sabem desde cedo o que querem, como se a vida e as pessoas fossem estáticas e imunes à experiência de vida, é castrador.

4. A motivação não é o gosto instintivo ou assimilado na cultura. Até uma certa idade os adolescentes, salvos raras excepções, gostam e valorizam o que todos os outros gostam e valorizam. Vivemos, nos dias que correm, numa cultura do prazer e do entretenimento de modo que é isso, acima de tudo, que gostam e com que se motivam. Entretenimento. Coisas 'giras', divertidas, excitantes. Só que o conhecimento, nomeadamente o especializado, exige muito trabalho 'não divertido' e a educação também tem que formar pessoas capazes de investir em trabalho, 'não divertido'. 

Gostamos de ter nos laboratórios investigadores capazes de desenvolver uma vacina, de preferência em pouco tempo. Ora, isso exige um enorme esforço, trabalho e dedicação que só se conseguem se houver a capacidade de se motivarem para um esforço que não causa prazer nem fornece entretenimento.

Assim como apanhamos muitos alunos no 10º ano que falham porque o seu conhecimento da língua e da matemática estão ao nível da 4ª classe, logo, o seu pensamento nessas áreas também o está e vêm com uma atitude e cultura de prazer sem esforço, o que frusta as hipóteses de se recuperarem; também sei que nas universidades muitos alunos falham porque vêm das escolas exactamente da mesma maneira: um conhecimento demasiado rudimentar seja da língua, seja da matemática e, como consequência, um pensamento também rudimentar. 

Se queremos ter especialistas temos que ter uma educação que forme as pessoas numa cultura que ultrapasse o mero entretenimento. A maioria dos alunos que tive que são investigadores em laboratórios e que são enfermeiros, queriam ser médicos. Alguns não tinham uma cultura de trabalho mas não o percebiam porque estão habituados a ter grandes notas por qualquer coisinha que façam. No entanto, serão hoje em dia investigadores ou enfermeiros dedicados e competentes. Uma pessoa pode ter ambições para uma área e acabar noutra como trabalhador muito competente e realizado profissionalmente. Muitos alunos, mas muitos mesmo, têm grandes ambições, mas não compreendem (porque lhe disseram o oposto) que a cultura do entretenimento e do prazer só leva as pessoas até um certo nível. Salvo raríssimas excepções. Os rapazes querem ser o Cristiano Ronaldo mas sem o talento, o trabalho e o sacrifício dele. Querem ser o Elon Musk ou o Bill Gates, mas sem o trabalho ou o risco de desenvolver talento. Os alunos educados nas pedagogia do prazer e entretenimento são os que no futuro vêm a ser mais explorados, a não ser que sejam filhos do ministro e do banqueiro e tenham cunhas para tudo em mais alguma coisa sem mérito. 

É certo que a maioria dos alunos não quer prosseguir estudos universitários, mas queremos, na área em que acabem a trabalhar, que o façam bem e com brio, o que implica investimento, esforço e trabalho. A minha taxista tem o 12º ano e estudou sem saber o que queria fazer. Trabalhou em várias áreas, dentro e fora do país. É excelente no trabalho. Muito dedicada, inteligente, tem um conhecimento e instinto de mecânica apurados. Foi desenvolver o inglês para trabalhar com turistas o que faz muito bem. Vem de uma cultura de trabalho. Aprendeu a gostar do que faz e fá-lo bem e com gosto.

Em suma: a motivação não é o 'gosto' mais ou menos infantil por isto ou aquilo e podemos motivar-nos por assuntos que pensamos não gostar. Na maior parte das vezes o gosto vem depois do trabalho e do esforço, não antes. Mas não é isso que dizem aos alunos e aos pais. Um aluno pode estudar biologia porque gosta do assunto ou pode ir estudar direito não porque goste desse estudo, mas porque gosta de ser advogado. A escola não deve ser um lugar de infelicidade, mas o seu objectivo não é a felicidade. A felicidade de cada um é com cada um.

4. Os alunos não são iguais. Um aluno introvertido e muito estruturado trabalha mal com métodos pouco definidos e com muitos trabalhos em grupo onde não tem controlo sobre o resultado do trabalho. Já um aluno extrovertido e pouco estruturado, trabalha bem assim.

5. Podemos escolher métodos de ensino com disciplinas separadas umas das outras ou o contrário. A questão é que o ensino não apenas leva em conta os alunos como também as matérias e os professores. Um professor pode ser excelente a ensinar alunos de uma maneira e obrigado a ensinar de outra já não o ser. E é bom para a sua experiência, os alunos trabalharem com pessoas e métodos diferentes. Mesmo dentro de uma disciplina podemos ter métodos diferentes, já o disse. Quem entrasse dentro da minha sala de aula enquanto dou a estética, o mais certo era achar uma barafunda e não perceber porque é que os alunos estão em circulação de um lado para o outro, vão buscar livros, sentam-se aos molhos, riem-se à gargalhada com algumas imagens, outros desenham, etc. 

A mim ninguém me obriga a trabalhar a filosofia como agora é moda e se tenta impor, desde logo pelos manuais que se aprovam, onde a voz dos filósofos, numa série deles, está quase ausente: um receituário de técnicas de argumentação que os alunos decoram e usam, como se a filosofia se reduzisse a técnicas. No entanto, muitos a ensinam agora assim.

Desconfio muitos dos 'milagreiros' da educação que aparecem como profetas da salvação com receitas milagrosas como se fossemos todos iguais: alunos e professores.


No comments:

Post a Comment