August 07, 2021

Uma entrevista muito interessante

 


Sobretudo pelas memórias do passado. O que ele conta eu não o sabia. Já as considerações acerca de todas as forças de mudança serem apenas económicas -os outros factores aparecem como minudências- não estou de acordo. Fala no fim da escravatura nos EUA como se fosse uma mera questão económica de se libertarem consumidores quando sabemos que houve uma guerra para o impedir e um movimento de defensores dos direitos humanos a lutar contra os poderes instituídos e ricos para o conseguir.

Estou de acordo em que Portugal devia dizer, publicamente, que a colonização foi um mal, mesmo tendo em conta a época em que foi feita e o espírito em que foi feita, que não foi o de escravizar mas o de explorar e comerciar - a escravatura foi um negócio de oportunidade. No entanto, a verdade é que andámos no negócio de explorar, de escravizar e vender pessoas durante séculos e enquanto isso não for dito publicamente parece que o mal feito é um assunto de pouca importância o que impede os povos, vítimas, de verem validados os seus sofrimentos. Nós fomos colonizados pelos espanhóis durante umas dezenas de anos mas não fomos escravizados. Há uma grande diferença. A nossa colonização africana teve um grande investimento na escravatura, até finais do século XIX. Aliás, fomos nós quem iniciou o comércio de escravos africanos a nível global. Isso tem que ser reconhecido.

Sempre que ouço dizer, 'não faz sentido reconhecer o erro da escravatura e pedir desculpa porque já estamos noutro tempo e muito povos tinham escravos, inclusive os africanos', penso em Willy Brandt, na Polónia, no Muro do Gueto de Varsóvia, em 1970. Willy Brandt não era responsável pelo nazismo, fugiu da Alemanha nazi (Willy Brandt é um pseudónimo que adoptou para não ser apanhado pelos nazis) e lutou contra a ideologia nazi.

No entanto, é ele quem aqui está de joelhos em frente do monumento das vítimas. Não é uma posição de fraqueza. É uma posição de superioridade moral. 

Não estou a comparar a colonização portuguesa com o nazismo, mas o comércio de escravos foi um negócio de grande degradação moral a nível global, iniciado por nós e, por isso, deve ser reconhecido como tal, mesmo tendo em conta a época em que se iniciou.

Enquanto não há reconhecimento a reconciliação nunca é verdadeira. Veja-se que a Alemanha tem uma reserva de confiança por parte dos países a quem fez guerra como não tem a Rússia apesar desta nunca ter iniciado duas guerra globais, uma delas nos limites do dizível. Porquê? Porque até hoje não foi capaz de reconhecer a colonização que fez dos países de Leste e o sofrimento incalculável que infligiu a povos inteiros. Age como se isso não tivesse nenhum significado e importância. É uma falta de respeito pela dignidade das pessoas. Mesmos os EUA só há pouco tempo, com Obama, reconheceram o erro de Hiroshima e Nagasaki. Isso faz mais pela confiança e paz entre os povos que mil acordos comerciais. O ressentimento e a desconfiança são minas prontas a explodir e que perduram por séculos e séculos.

Quanto à guerra que Portugal moveu contra os países colonizados que queriam a liberdade, é tempo de reconhecermos esse erro, mesmo se tivermos em conta a época, os interesses que os dois blocos da guerra fria tinham em África e a influenciaram, pois já estávamos na segunda metade do século XX, a Segunda Grande Guerra tinha acontecido há pouco tempo, no resto do mundo as potências começavam a deixar os países colonizados, havia um grande movimento de libertação só contrariado pela Rússia (URSS), portanto, aqui já não há um contexto de época, uma certa mentalidade como no tempo das descobertas, que explique a guerra. 
Foi uma decisão consciente, contra a corrente do tempo e das mentalidades, essa de infligimos uma guerra a povos que queriam ser donos dos seus próprios países e destinos, durante quase uma dezena e meia de anos com grande sofrimento das populações e isso deve ser dito oficial e publicamente. Não o dizer é uma posição implícita de não reconhecimento do erro e do mal que se fez ao outro, ou seja, é uma posição implícita de desprezo pela importância do outro. É desprezar o mal que se fez como coisa pouco importante, como se os outros fossem menos importantes que a nossa importância.

Reconhecer esse erro não deve envergonhar-nos, pois também nós fomos vítimas da ditadura que impôs a guerra, como bem diz este senhor. Não reconhecê-lo inquina a relação de confiança entre os países que, no meu entender, não é só económica, como ele diz. Se fosse, a questão do reconhecimento dos erros não tinha importância desde que pingássemos para lá negócios de lucro. Há milhares e milhares de pessoas vivas que sofreram nessa guerra e que ainda sofrem as consequências da guerra. Acho que é tempo de fechar essa ferida ainda aberta e andar em frente. 






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