Carlos Pimenta: 'A ocupação do litoral era um regabofe e as decisões políticas continuam totalmente irresponsáveis'
O mais firme governante ambientalista que o País já conheceu, partilha a sua relação com Setúbal. Recorda os momentos quentes de há três décadas
Esteve ligado ao GEOTA, e foi eleito pelo PSD, no círculo de Setúbal, como deputado à Assembleia da República em duas legislaturas (de 1985 a 1991), e secretário de Estado em três governos: do Ambiente (1983 e 1986) e das Pescas em 1985 (IX e X Governos). Passou ao lado de uma maior carreira política em Portugal por ter sido enviado prematuramente para Bruxelas. Foi deputado ao Parlamento Europeu durante uma dúzia de anos (1987-1999) e acabou por não voltar à política caseira. Nesta viagem ao passado, aos 66 anos, recorda histórias que muitos desconhecem desses tempos conturbados em que a ecologia começava a despertar.
Tem uma ligação muito grande à cidade e ao distrito de Setúbal. Quer explicar-nos?
Nasci em Lisboa, mas o meu pai trabalhava na CUF, de maneira que, uns meses depois, vim para o Barreiro, onde vivi até aos 17 anos. A ligação era total. Terminámos o 7.º ano no Liceu, em Setúbal, em 1972, e no meu primeiro emprego, a empresa, embora tivesse sede em Lisboa, tinha o estaleiro naval na Baía do Seixal. Acompanhei a construção desse estaleiro, como jovem engenheiro.
Era quase ‘engenheiro infantil’.
Exactamente. Sob a tutela, simpática, do encarregado, já velho, que dizia “pronto lá vêm estes jovens engenheiros cheios de coisas”. A primeira coisa que tive lá, e foi preciso muita pedagogia foi a segurança e a formação profissional, porque ninguém queria saber de capacetes, óculos para a soldadura, botas de biqueira de aço, aquelas coisas elementares. E não havia formação profissional. Então fiz um acordo com o Centro de Formação Profissional, que fica na Amora, e toda a gente, a começar por mim, frequentou a formação profissional adequada às profissões. Isso são boas memórias. E depois também fui deputado por Setúbal e tive as grandes guerras do ambiente na Arrábida e na península de Tróia.
Em 1995, quando foi cabeça-de-lista por Setúbal, veio a um debate na rádio do Pinhal Novo. Fui eu [Francisco Rito] que moderei. Nesse ano, os cabeças-de-lista eram de topo, António Vitorino (PS), Kruz Abecasis (CDS) e Otávio Teixeira (PCP). Lembra-se?
Então não me lembro. Nessa noite tinha uma espinha de robalo espetada na garganta e fiz o debate com o António Vitorino e saí dali para o Hospital de Setúbal para me tirarem a espinha. E ainda me lembro do António Vitorino me dizer assim: “no governo só se nomeiam pessoas do mesmo partido”. E eu disse, “António Vitorino, comigo está enganado. Olhe que eu nomeei quatro a cinco pessoas do governo do Guterres para directores-gerais e altas funções”. A Elisa Ferreira, Mariano Gago – não nomeei, mas atravessei-me -, que foi um homem extraordinário, o Marcelo Vasconcelos, que foi secretário de Estado das Pescas e nomeei director-geral. O António Vitorino, com quem depois tive belíssimas relações no Parlamento Europeu, reconheceu isso. Foi um grande comissário, em Bruxelas.
Sobre a mudança do mapa das NUTS, para permitir o acesso da Península de Setúbal aos fundos estruturais. Qual é a sua visão?
Sobre as NUTS, estou 100% de acordo. A Península de Setúbal tem que ter um tratamento autónomo. Aliás, já teve, no passado, por más razões, na altura da grande crise económica e social, e houve o plano de emergência da Península de Setúbal. Eu estava em Bruxelas. Isso é, sem dúvida, uma boa medida. Em relação ao resto, tenho alguma amargura, que começou com a Ponte Vasco da Gama. Houve um trabalho muito bem feito pelo [geógrafo] Jorge Gaspar e por uma grande equipa sobre o ordenamento do território e uma visão estratégica e tudo isso foi ignorado. Na véspera da decisão da Ponte Vasco da Gama tive uma reunião de três horas com o então ministro das Obras Públicas em que ele reconheceu, mas disse que “só esta ponte é que está pronta a horas da Expo”. Esta história de programar infra-estruturas essenciais desta maneira, deu o que deu. Agora o aeroporto do Montijo, é uma ausência completa de capacidade da comunidade de reflectir, de ter uma ideia sobre o seu território. A ANA quer o Montijo porque é mais barato.
Já têm os clientes.
Resulta num processo de reflexão enviesado, atropelos às metodologias, relatórios de avaliação de impacto ambiental piores que coxos, falsificados, porque as decisões já estão tomadas. Apenas para cumprir a lei, e o que Bruxelas obriga. Vivemos de exportar pessoas há 500 anos, e continuamos, com a diferença de que hoje exportamos pessoas mais qualificadas, depois de termos investido 20 e poucos anos na sua formação, sejam enfermeiros, sejam doutorados. Portugal é um país pequeno, nunca vai produzir, em quantidade, mais vinho ou mais automóveis do que outros países do mundo. Os baixos salários também não são solução, porque, na corrida para o fundo, há sempre quem vá mais longe – nem é preciso ir muito longe, Marrocos está mais abaixo. Portanto, a única possibilidade é apostar em valor acrescentado. Por exemplo, há uns anos, sobre a Autoeuropa e a electrificação dos automóveis, falei com vários membros do governo de então, defendi que era altura de chamar a Volkswagen e ter a fábrica de Palmela como uma das primeiras fábricas do grupo, se não a primeira, a fazer os primeiros protótipos de carros eléctricos e desenvolver essa fileira. Isto foi no início da Tesla, que ainda não tinha as mega-fábricas nos Estados Unidos. Não se fez isso. A Volkswagen atrasou-se, tal como toda a indústria alemã, e agora estão a tentar recuperar e a Autoeuropa não tem nada de carro eléctrico, o que significa que, eventualmente, será reconvertida no tempo próprio, ou será fechada, porque não vai haver lugar para os carros que são feitos em Palmela. No turismo e na agricultura é o mesmo. Ou se aposta em conseguir actividades com mais qualidade e mais valências, o que implica uma dimensão cultural, de know-how científico, de qualidade estética, urbanística, de respeito pela natureza, etc., ou então, pela massificação, não vamos lá.
Sobre as decisões para Setúbal.
A Ponte Vasco da Gama é muito bonita, mas é uma má ponte, no sítio errado. Não devia estar ali, e nem devia ser aquela. Tinha que ser uma rodoferroviária, porque o ferroviário fazia mais falta. Quando eu era jovem e vivia no Barreiro, em 1972, não havia um caminho-de-ferro para o Seixal. O canal ainda lá está. Uma ponte no Barreiro, para além de ter feito um caminho-de-ferro para o Sul, tinha resolvido de vez o caminho de mercadorias pesadas e alta-velocidade, tinha permitido fechar o nó ferroviário na margem sul, entre o Barreiro-Seixal-Almada. O Metro Sul Tejo ficava com muito mais clientes, com muito mais viabilidade económica. Outro mau exemplo foi a renovação das licenças das pedreiras na Arrábida para o cimento, quando a concessão estava a terminar. E se vier o Aeroporto do Montijo, é outro imbróglio que não tem solução. É um aeroporto numa zona que nem sequer tem condições, com fragilidades enormes face às mudanças climáticas, sem possibilidade de fazer transporte ferroviário na Ponte Vasco da Gama, que é uma montanha russa. Implica uma terceira ponte, que tem de ser mais afastada porque puseram esta no sítio errado, etc. Provavelmente é o maior investimento público que vai acontecer, porque não sei se ainda haverá alteração, até porque, no estudo estratégico que está a decorrer, as opções não são as certas, porque limitam o canal. Quando o aeroporto no país que está em ruptura maior é o de Faro. E no meio, em Beja, temos um aeroporto vazio. E há logo uma polémica sobre a electrificação completa da linha que devia ligar Sines e a Linha do Sul à Europa, que resolvia muito. Estas coisas têm de ser pensadas em conjunto., senão temos um país com investimentos assim.
O Aeroporto de Alcochete também não é alternativa?
Não sou especialista em aeroportos, mas há uma coisa que sei, de ter participado em processos de planeamento estratégico: O planeamento estratégico dos transportes ferroviários e aeroportuários tem que ser visto em conjunto. No primeiro ano do liceu, andavam comigo gémeos filhos de uma pessoa que trabalhava na Quinta de Rio Frio, dos Lupi, que tinha sido requisitada por Salazar para fazer o futuro Aeroporto de Lisboa. Isso foi há 50 anos, mas nunca se fez um estudo integrado – tirando o trabalho do Jorge Gaspar, que conclui pela Ota, mas era sobretudo virado para a questão do território e da geografia. Isto não é uma questão partidária. O homem que conheço que mais sabe de aeroportos está na prateleira, reformado, fundador do PS, o engenheiro José Queirós, que foi regulador do transporte aéreo em Portugal e número dois do transporte aéreo europeu. Nunca foi ouvido, ninguém o ouve.
Acha que tem mesmo que se encarar a construção de uma nova ponte, no Tejo, para o comboio?
A ligação Norte-Sul é essencial, assim como a ligação Lisboa-Madrid. Não faz sentido voos de 600 quilómetros, são duas horas de TGV. Morei em Bruxelas, várias vezes fui a reuniões a Paris, tomava o comboio das 7h00 e chegava a Paris às 8h30. E a distância é a mesma de Lisboa-Porto. Chegava a haver comboios de 20 em 20 minutos.
Em Portugal, consolidou-se a ideia de que o TGV era uma megalomania do Sócrates.
Não sou capaz de discutir nessa base, é impossível. A única coisa que sei é que, entre grandes cidades, com as tecnologias actuais, a ferrovia é imbatível e, provavelmente, continuará a ser nos próximos 30 anos. As distâncias Lisboa-Porto, Lisboa-Madrid ou Lisboa-Faro, não são nada para a ferrovia. Nas mercadorias também, de Setúbal e Sines, que são os portos mais importantes do País.
As dragagens aqui em Setúbal causaram uma grande polémica. Acha que é tema para este drama?
Com base naqueles estudos, se eu estivesse na secretaria de Estado do Ambiente, não tinha autorizado. Porque o estudo que foi feito não me dava confiança nenhuma que não tivesse consequências ambientais graves. Eu tinha mandado voltar à estaca zero.
Quando olha para as áreas protegidas, em Portugal, que principais diferenças nota entre o Parque Natural da Arrábida e os demais? Vimos muito investimento em equipamentos e condições para as pessoas usufruírem dos parques noutros sítios, como passadiços e outras atracções, e aqui no PNA não se vê isso. Quem é que está correcto?
Neste momento, estou mais angustiado com a destruição da biodiversidade e com os oceanos. A biodiversidade e os oceanos têm convenções internacionais, mas que não são implementadas, porque mexem com conceitos de soberania. A biodiversidade está a pagar de uma forma irreversível a factura das actividades humanas, e não é só na Amazónia, é também nas nossas zonas. O investimento é uma visão antropocêntrica, levada às últimas consequências ao olhar para a natureza como um parque de diversões, não vendo a riqueza intrínseca, para o ecossistema vivo que aguenta a sustentabilidade do planeta. Para não falar dos aspectos estético, de saúde mental e de alegria de viver. O pior de tudo o que se fez no Ministério do Ambiente, nos últimos 20 anos, é a degradação das áreas de paisagem protegida.
Como é possível termos um governo que continua a tomar decisões completamente irresponsáveis?
Totalmente irresponsáveis. Vamos aos serviços do Ministério do Ambiente; lembro-me, que, em 1986, entrou-me o Ascenso Pires, que na altura era Director-Geral do Ambiente, pelo gabinete a dizer “a fábrica do papel de Setúbal está a fazer a manutenção dos transformadores, com a Somague, e estão a deitar o óleo dos transformadores para o rio, com substâncias super-cancerígenas”. Perguntei-lhe: “já mandou a inspecção?”. “Mandei, só que eram duas engenheiras do Ambiente, de Setúbal também, da Universidade Nova de Lisboa, Monte da Caparica, e eles puseram-nas fora”, respondeu-me. Era uma segunda-feira, de sol, vi tudo encarnado, subiu-me de dentro do estômago. Às três da tarde estava, na altura por fax, uma ordem para a Portucel, que era do Estado e cuja administração eram tudo pessoas importantes, em que a Secretaria de Estado do Ambiente, com os meios que tinha, dizia: “Parem imediatamente, coloquem bóias com flutuadores e barreiras para impedir a continuação da expansão dos óleos no Estuário, a administração e direcção da fábrica são civil e criminalmente responsáveis pelo que está a acontecer e vai ser interditada a pesca e o uso de praias preventivamente, já hoje, e os custos serão imputados à empresa”. Além disso, participei da administração e da direcção da Portucel à Procuradoria-Geral da República (PGR) por atentado a vidas humanas, porque aquilo era cancerígeno. Bom, eles tiveram medo, pararam, e às três e meia da tarde telefona-me o Ministro da Indústria a dizer: “Ó Pimenta, você quer prender a administração da Portucel?”. Disse-lhe que a coima estava passada e que os serviços do Ambiente estavam à porta para entrar na fábrica e, se fossem impedidos, “garanto-lhe, que o director da fábrica, hoje, vai dormir na cadeia, porque vai para lá a GNR”. A empresa tinha, na altura, uma poluição de esgotos equivalente a quatro milhões de habitantes.
Mais de 40. E não se sentavam à mesa para negociar, porque havia derrogações das directivas. Sentei-os à mesa, com o Ascenso Pires, e disse-lhe que as celuloses tinham de reduzir a poluição e rapidamente, ou o processo-crime prosseguia. Três meses depois estava fechado o acordo com calendário, fábrica por fábrica. Em quatro anos passou a um milhão, e depois reduziu bastante mais. Foi aí que começou a haver a agenda das celuloses. Se o Ambiente não assume esta defesa dos bens comuns, entre os quais a saúde pública, é óbvio que isto não tem solução.
Há pouco disse que António Vitorino foi um grande Comissário Europeu. E da Comissária, Elisa Ferreira, que avaliação faz?
É positiva. Conheço a Elisa desde o tempo em que a nomeei para a gestão do projecto integrado do Douro. Foi o primeiro lugar que ela teve. Fui eu que a escolhi, fui eu que lhe dei posse. Acho que é uma mulher competente, trabalhadora, e que tem um sentido do bem público. É uma boa Comissária, respeitada em Bruxelas, e puxou bastante pela parte ambiental, nos programas europeus.
“A situação da Arrábida era horrível e o processo foi violento”
Carlos Pimenta recorda o período quente do Verão de 1986, quando a encosta da serra estava ocupada por quase 700 casas clandestinas e a demolição avançou à força
Na sua acção como membro do primeiro governo do bloco central, de Mário Soares e Mota Pinto, cruzámo-nos, eu [Soromenho-Marques] como presidente do Projecto Setúbal Verde e você como secretário de Estado, quando se conseguiu resolver o problema dos clandestinos na Arrábida. Quer falar sobre isso?
Um dia há-de fazer-se justiça a esse governo. Acho que foi dos mais importantes que Portugal teve nos 50 anos de democracia. Em Setúbal tínhamos 65 mil pessoas com salários em atraso. Entre 1983 e 1985, fui duas vezes secretário de Estado nesse governo, do Ambiente e das Pescas. Estava cá o FMI e estávamos numa crise terrível. Só no Distrito de Setúbal havia 25 mil crianças que a única comida que tinham, praticamente, era aquela que se dava nas escolas, numa operação que se montou com várias entidades. No Ambiente, a grande guerra foi o nuclear, impedir as quatro centrais nucleares que estavam previstas no Plano Energético Nacional, com o país falido. A questão do litoral era um regabofe completo. Eram milhares de casas que se faziam todos os anos. A Arrábida era um caso paradigmático. Foi uma guerra e não seria possível sem a sociedade civil, nomeadamente o Setúbal Verde, e depois todos aqueles jovens que tu organizaste [referindo-se a Viriato] que andaram na Serra – porque eles ameaçaram pegar fogo à Serra. E os militares também deram uma ajuda enorme, porque fizeram o exercício de Verão na Serra da Arrábida para impedir o fogo posto. E a Marinha, o Almirante Cartaxo. A GNR também, a Polícia Marítima, o chefe do Estado-Maior da Armada. Lembro-me de, enquanto estávamos em reunião aberta na Câmara de Setúbal, fez-se um engarrafamento de carrinhas de caixa-aberta, carregadas de tijolos, sacos de cimento. “Que chatice, a malta quer construir e estão estes gajos a fazer aqui uma reunião e bloqueiam a estrada.” No Verão de 1984 mandei fazer um levantamento aéreo, e, só na Ria Formosa e na Arrábida, de Junho para Setembro, foram construídas 300 casas em domínio público marítimo. O domínio público florestal, que também há na Arrábida, é muito pouco em Portugal, infelizmente, não chega a 2 ou 3%. O Estado não tem quase nada.
Foi perdendo, chegou a ter 15% agora só tem 2%.
Naquela altura já só tinha 2% e o domínio público marítimo. Chamei os dois directores-gerais, marítimo e das florestas, e disse “os senhores têm à vossa guarda este território, porque é que permitem isto?” E eles disseram, coitados, que “é gente muito importante e nós não temos autorização política para deitar abaixo”. Peguei no telefone, e disse aos dois secretários de Estado, das tutelas, “tenho aqui os vossos directores gerais. Eu assumo a responsabilidade política, isto não vai custar dinheiro às vossas secretarias, mas preciso da vossa autorização para os directores-gerais assinarem o despacho”. Então, chamou-se o jurista do gabinete e fez ali o despacho. E depois, o Setúbal Verde, com o apoio de uma instituição universitária, fez o levantamento casa por casa.
Isso foi combinado na reunião de Março de 86. O Francisco Ferreira, que tinha 18 anos, foi o coordenador do estudo. Tinha várias componentes, incluindo uma sociológica e outra jurídica.
Tinha tudo. E consegui, do secretário de Estado da Habitação, que o Instituto da Habitação oferecesse de graça… Havia 3% de casas que eram primeira habitação, os outros 97% eram casas de férias, e eram as maiores. E alugou-se uns armazéns em Setúbal, e ofereceu-se a mudança.
Qual era a situação na Arrábida?
Estavam quase 700 casas naquela encosta, com esgotos abertos, uma coisa horrível. Os acessos eram trilhos, abertos em zona protegida, com vegetação extremamente valiosa, porque alguma sobreviveu à época glaciar. E em cima de vestígios arqueológicos romanos! Tudo isto em domínio público. Na praia era a orla toda, em cima do areal. Na Lagoa de Albufeira, estavam 700 casas a despejar o esgoto na Lagoa Pequena, com casos de cólera, coliformes fecais. Aquilo era um bidé ou uma sanita, não era uma lagoa. Devo dizer que, na Arrábida, foi violento, mas na Lagoa não foi. As pessoas compreenderam.
Porque diz que na Arrábida foi violento?
Sobretudo porque havia gente com muito dinheiro. Havia um comandante militar muito conhecido, que já faleceu, que me ameaçou com os Comandos. As pessoas vieram para Lisboa e cercaram-me na Rua do Século. Tenho pena que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas hoje não tenha a mesma pujança. E começa logo quando acabaram com os directores dos parques.
Foi uma reforma deliberada de tornar a responsabilidade difusa.
É tirar o rosto do homem ou mulher que assumia a responsabilidade. Na Serra dos Candeeiros era uma mulher. Foi no meu tempo que o Gerês passou do, então, Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente, foi uma negociação casa por casa. O ano passado fui mostrar o Gerês à minha mulher, que não é portuguesa, e fiquei com um misto de sentimentos porque vi o melhor e o pior do que aconteceu em Portugal nos últimos anos. O melhor é a Educação. Viriato, vocês, na universidade, formaram… Quando andei no Liceu de Setúbal, eramos uma dúzia de turmas do sétimo ano, num distrito com meio milhão de pessoas, com a indústria pesada toda do país (CUF, Siderurgia, a Setenave, o papel, os adubos etc.). Havia realmente um filtro enorme em termos do acesso à formação, à educação de nível superior. Isso explodiu em Portugal e hoje encontras jovens formados na universidade com todas as profissões. Nos parques agora não há uma cara. Provavelmente, se houvesse um director do parque da área da Costa Vicentina, Odemira não tinha chegado ao estado a que chegou.
*Com Viriato Soromenho-Marques – Director convidado da edição de aniversário d’O SETUBALENSE
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