July 17, 2021

“What bird has the heart to sing in a thicket of thorns?” — J. M. Coetzee

 



Waiting for the Barbarians é um livro de J. M. Coetzee, prémio Nobel de 2003. O filme segue o livro. Uma história perturbadora sobre o ser humano e as sociedades. 

Passa-se numa imaginária cidade fronteiriça de um império europeu, algures na Ásia, à borda de um vasto deserto (como o da Mongólia) onde o povo indígena é chamado de 'bárbaro'. O império tem muitas cidades fronteiriças e, ficamos a saber pelo administrador/magistrado da cidade onde se situa o forte e está destacado um pequeno corpo armado, que de tantos em tantos anos os governantes da capital do império imaginam uma ameaça dos 'bárbaros' e aparecem a fazer guerra aos indígenas. E é exactamente o que se passa. 
De repente recebem a notícia que há uma instabilidade na fronteira (o que eles ali sabem ser falso), que vêem aí os bárbaros e aparece um coronel na cidade que tortura e mata indígenas para lhes arrancar uma suposta verdade sobre a invasão dos bárbaros. Outros militares se seguem. Quando finalmente fizeram a guerra, enfureceram os indígenas, violaram as mulheres, roubaram os bens e destruíram tudo, vão-se embora com a maior cara de pau...

Mas a história é sobre o magistrado que administra a economia e a justiça local com sabedoria, bondade e paz. Mantém a ordem com muita prudência e racionalidade. Pouco se passa ali em termos de crime: alguém roubou um porco a alguém, outro tem uma dívida que não quer pagar e pouco mais. Não tem as prisões a funcionar porque tudo se resolve a bem. Respeitam-no porque ele os respeita. A cidade prospera. Não há desempregados, não há pobres. Ele sabe que os indígenas são nómadas e por isso não o incomodam. Ele tem interesse na história e arqueologia locais. Promove a educação. Também sabe que os povos que vivem nas montanhas do deserto esperam pacientemente que os invasores um dia se vão embora e que por isso, não têm intenção de os atacar, a não ser que sejam provocados. Como ele é um administrador moderado, não serve aos tropas que aparecem cheias de arrogância, crueldade gratuita e vontade de poder de modo que acaba preso e torturado. Nunca viola a lei. Nunca perde a dignidade, a civilidade, a racionalidade e o sentido das proporções, o que só lhe acrescenta dissabores.

O pecado do magistrado, se assim o pudemos chamar é ver muito bem o que acontecerá -ele vê imediatamente o sadismo do coronel e do seu ajudante e percebe que tudo será destruído- e sentir-se impotente para alterar o rumo dos acontecimentos. Ilude-se a pensar que tudo correrá pelo melhor, que as tropas hão-de ir embora e tudo voltará ao normal com tempo. Ajuda os indígenas. Ajuda uma rapariga a quem partiram os pés e os tornozelos e cegaram - lava-lhe os pés como o Cristo aos apóstolos, numa tentativa de redenção. Não serve de nada. Nem a rapariga quer a bondade dos opressores, nem o império é redimido. O império é um vazio colonizador sem alma. O magistrado aguenta tudo o que lhe fazem: prisão, tortura, humilhação. Contra a violência dos sádicos que não têm alma, a racionalidade nada pode. Quando a guerra entra em cena com os seus loucos, os seus assassinos, os seus sádicos, a razão nada pode.

O filme tem algo da atmosfera do Dr. Strangelove


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