July 25, 2021

Oportunidades meio perdidas

 


A revolução não acontece no dia da revolução. No dia do golpe, melhor dizendo. A revolução acontece -ou não- depois de se acalmarem os ânimos e as paixões de desordem e desconstrução que se seguem aos golpes revolucionários. A revolução propriamente dita acontece anos depois. Porém, depende do que as pessoas desses anos de desconstrução (as que conseguem o poder) fazem com o golpe revolucionário. Depende da sua visão, da sua generosidade, do seu espírito de construção pacífica e democrática. Da capacidade de escaparem à tentação da vingança ou do pensamento, 'chegou a nossa vez de nos servirmos'. Ainda, de conseguirem não atrair todos os medíocres chicos-espertos aos cargos de decisão. Desse ponto de vista, o 25 de Abril não foi totalmente bem sucedido. Foi bem sucedida a transição de um poder militarizado para um poder civil -houve pessoas que agiram para impedir que nos transformássemos numa Cuba-, foi mais ou menos bem sucedida na resistência à tentação de vingança: houve saneamentos à toa, ocupações e julgamentos à toa e alguns mortos, mas não foi a tendência maioritária e durou pouco tempo. Não foi bem sucedida na resistência à tentação do pensamento de, 'chegou a nossa vez de nos servirmos' e desde muito cedo os novos políticos e os novos altos-quadros militares criaram para si excepções de benesses e privilégios para se servirem. Começaram logo aí o trabalho de criar uma nova casta de privilegiados -absorvendo muito medíocres chicos-espertos- que hoje é notória e evidente.

Não me parece que fosse possível evitar a revolução. Àqueles que defendem que a revolução era desnecessária porque o Marcelismo aos poucos ia abrindo a sociedade e melhorando a economia -o que é verdade até certo ponto- contraponho que essa abertura de Marcelo Caetano veio tarde e foi pouco. Se não tivéssemos uma guerra em África a comer os filhos da Nação há mais de uma dezena de anos, sem fim à vista, talvez a revolução não tivesse acontecido e o país tivesse deixado que ele o modernizasse aos poucos. Mas tínhamos... e Marcelo Caetano não mostrou, imediatamente após ser nomeado, ter vontade e pulso para defrontar os poderes instituídos da ditadura que queriam muito a manutenção do status quo. Nem mostrou mudança política no sentido de abrir a sociedade a uma democracia que abraçasse as forças divergentes da oposição, nem acabou com a censura e o autoritarismo do Estado e, mais que tudo, não acabou com a guerra e aprofundou discórdias dentro das Forças Armadas que já estavam divididas, em grande parte por causa da guerra e de injustiças internas. Ele não foi inteligente o suficiente para perceber que já estávamos sobre um barril de pólvora e que era preciso ser determinado, rápido e decisivo na mudança. Devia ter mandado regressar ao país os exilados, chamado as forças da oposição, estabelecido diálogo, etc. e, mais que tudo, iniciar um processo de descolonização. Também ele é responsável pelo modo desastroso como foi feita a descolonização, pois esta foi feita em pleno período de desconstrução do país, quando o que reinava era o caos próprio que se segue aos golpes revolucionários. Podia e devia ter sido feita por Caetano dentro de um quadro de ordem institucional. Ele não soube ler a situação e agir em conformidade e portanto, quem no país esperava dele uma Primavera política e o princípio do fim da guerra, ficou rapidamente desiludido e a perceber que, em termos políticos, era mais do mesmo mas com mais suavidade e falinhas mansas. 

Enfim, não sabemos ao certo como as coisas se passariam nesse cenário, mas sabemos que podiam ter sido diferentes, se ele tivesse sido uma pessoa diferente Se tivesse sido uma espécie de Mandela ou de Gorbatchov. Menos preso ao passado. 


1 comment: