July 06, 2021

(e a propósito de pacientes) Duas palavras que se lhes ligam e ainda (estranhamente) uma à outra - Paciência e Paixão

 


Πορφύριος (/porphyreos/), sobre a paixão


   Deixou-se levar pela sua convicção de que os seres
   humanos não nascem de uma vez por todas no dia
   em que as suas mães os dão à luz, mas que a vida os 
   obriga outra vez e muitas vezes a parir-se a si próprios

     — Gabriel Garcia Marquez


   Esta é a coisa que verdadeiramente se necessita
   no mundo: ler levado a sério.

     — Rebecca West


Poderá parecer estranho pôr estas palavras aparentemente tão diferentes ao lado uma da outra, mas «paixão» e «paciência» são quase sinónimas. Pouco importa que a primeira nos faça ofegar e lembra a euforia e o impulso ou que a segunda lembre aborrecimento, sala de espera. A lentidão do tempo que não passa.

As duas palavras têm a mesma raíz: do verbo grego πασχω (/páskho/) que significa, ao mesmo tempo, « sofrer» e «sentir, experimentar», passamos ao latim patior, de cujo particípio passado, passus, descende o substantivo passio (genitivo passionis) de onde vem o termo passione em italiano. Paixão, em português. José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa refere o século XIII como data da referência mais antiga da palavra em português, ainda na forma paixom.

Sem o significado religioso (paixão, sofrimento de Cristo) e o filosófico (o pathos não é a emoção intensa que leva à tragédia mas a irracionalidade que se opõe ao rigor do logos), resta à paixão o seu sentido original, uma perturbação do ânimo, do céu, da natureza, mas sempre algo que passa. Com o tempo. Dito com outras palavras, «com paciência».

Até ao século XIV a palavra «paciência» liga-se à dor que somos obrigados a «padecer» como «pacientes» quando estamos aflitos por uma doença. Na Toscana a «árvore da paciência» é assim chamada porque dos seus frutos se tiram as contas do rosário que deve rezar-se devagar.

Não existe «paixão» sem paciência. Tanto se espera alguém -um amor, um amigo- como uma coisa -um autocarro, o dia de ir abrir os presentes de Natal. A «paciência» está sempre ligada ao «desejo». O poder deste duplo étimo está em recordar que toda a «paixão» requer tempo. Senão, pergunte-se a Ícaro o que aconteceu quando se confundiu com estes dois étimos e se atirou cedo demais para a terra, por não ter sabido ser «paciente» e travar a sua «paixão» pelo sol.

do livro, Etimologías Para Sobreviver Al Caos de Andrea Marcolongo, ed. taurus (com adaptações)

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