Lemos aqui na notícia que as questões obrigatórias triplicam em alguns casos, relativamente ao ano anterior. Onde tinha que responder a 4 questões de modo obrigatório, agora responde a 12, por exemplo. O IAVE diz que isso não torna o exame mais difícil. É evidente que torna, a não ser que as questões obrigatórias sejam: em que país estás a fazer este exame? Escolhe um dos 4 que se seguem....
No entanto, a questão não é essa de o exame ter mais ou menos questões obrigatórias. A questão está no tipo de exames que se fazem e, em relação a isso, há vários equívocos:
Os exames não têm como objectivo avaliar os alunos, mas impedir os professores de avaliarem. Passo a explicar. À medida que os exames se tornavam mais importantes no percurso dos alunos e que havia mais alunos a fazerem exames para ingresso na faculdade, houve pressão para que a avaliação fosse mais objectiva, dada a afluência dos alunos a certos cursos e a competitividade que gerava resultar em ficarem uns dentro e outros fora dos cursos, por diferença de uma décima. Havia muitas queixas. Ora, a educação e a avaliação não são ciências exactas e os professores não têm os mesmo critérios de exigência e de qualidade. Acontecia haver grandes diferenças entre cotações de questões que resultavam em um aluno poder ter 10 ou 14 consoante o professor que classificasse a questão.
Se na Matemática ou na Física o desvio é mais pequeno -calcula-se que seriam precisos meia dúzia de professores, grosso modo, para cotar uma questão com um valor médio, no português seriam precisos uns 80 e na filosofia, o cálculo anda pelos 120 professores, porque as questões são muito abertas e as respostas também. Um aluno desenvolve uma resposta de mil e uma maneira diferentes, com uma argumentação mais ou menos refinada, uma escrita mais ou menos coerente, com mais ou menos domínio dos conceitos, mais ou menos originalidade, etc.
Num primeiro momento, começou-se por fazer reuniões. Nós, correctores (todos os professores eram correctores se davam anos de exame a às vezes mesmo que não dessem) reuníamos no dia de ir levantar as provas e discutíamos o acerto da classificação, questão a questão se fosse preciso, tento em conta aquelas que sabíamos irem levantar mais diferença de critérios. Em algumas disciplinas começou a fazer-se, nessas reuniões, ensaios cegos de classificação de questões para ver se as diferenças entre professores eram significativas.
Apesar desses cuidados por parte dos professores, em algumas disciplinas as questões eram tão abertas (porque é da natureza da disciplina e está certo) que não eram possível esse acerto, pois se as questões são muito abertas as respostas também.
Os testes de exame começaram a ser cada vez mais de resposta fechada para não dar azo a interpretação por parte do professor com a consequente disparidade de cotações que daí pode advir. O passo seguinte foi escolher professores para se especializarem em corrigir exames. Éramos chamados para uma formação que durava dois anos em que se estudava a debatia o assunto e se fazia classificações cegas. A interpretação avaliativa da resposta passou a ser feita por uma comissão do IAVE e nós professores, servimos para escrever cotações de acordo com um guia completamente fechado, mais nada.
Isso foi um grande erro que prejudicou todos os alunos cujos professores não eram correctores e não estavam por dentro do que era e não era valorizado na classificação da prova de exame. Também prejudicou os professores não correctores porque privou-os dessa experiência profissional e pô-los em situação de desvantagem com os colegas. (mas isto são coisas que começam com a Rodrigues que é formada em estatística, é intelectualmente simples e não quer saber de prejudicar seja uns seja outros, só queria que tudo ficasse bonito na folha excel)
Enfim, os exames, para impedir que os professores pudessem interpretar respostas, tornaram-se cada vez mais fechados: a escolha múltipla ocupa o teste quase todo de maneira que um aluno, em várias disciplinas, pode tirar 16, à sorte. Só a escrever as letras das alternativas.
Em algumas disciplinas há mais facilidade em ter respostas fechadas: na matemática, na física, na química, na biologia. Em alguns temas de outras disciplinas: a lógica na filosofia, a gramática, nas línguas. Mas nestas disciplinas de humanidades, onde é essencial os alunos desenvolverem linguagem (sem ela não há pensamento), reduzir a avaliação a escolhas múltiplas desvirtua todo o processo de aprendizagem e torna-o incoerente. Os alunos são chamados a produzir textos analíticos ou descritivos ou argumentativos sobre temas e depois chegam a exame e não podem usar nem mostrar o que aprenderam, não podem mostrar a sua perícia, a originalidade, a complexidade de pensamento. Nada, porque os exames são medíocres e feitos para que qualquer medíocre possa ter, pelo menos nota positiva.
Se os exames são medíocres, exigem um ensino adequado. O passo seguinte foi retirar autonomia ao professor. Os alunos aprendem com manuais todos iguais, onde vem escrito o que o professor deve dizer em cada tema, como deve dizer, que materiais deve usar -vêm com cadernos para os professores usarem, já com os materiais construídos, de maneira que todos sigam a mesma cartilha - que exemplos deve dar, etc. Alguns vêm com os apontamentos que os alunos devem tirar para si, não vá os alunos aprenderem a fazer as suas próprias notas das aulas e depois terem algum desvio de originalidade... Há manuais que chegam ao ponto de dizerem, mais ou menos nestes termos, 'se o teu professor não interpretar assim este argumento, entra em contacto com autores do manual que nós explicamos'. Outros não vão tão longe mas todos têm um contacto com a indicação do aluno poder entrar em contacto com os autores do manual se precisar. Porque é que um aluno havia de precisar de contactar autores de manuais se tem um professor?
Portanto, há currículos completamente desvirtuados para obedecer a esta visão miserabilista que quer todos os alunos iguais e todos os professores iguais, para evitar queixas.
Como ouvi alguém dizer ontem ou assim, numa estação de TV estrangeira, hoje em dia damos aos miúdos e aos adolescentes muita autonomia e dizemos-lhes que devem ter liberdade de escolha das matérias que dão e que a opinião deles conta e dizemos às escolas que devem ter em atenção a formação total do aluno, o espírito crítico, etc. mas a realidade obriga-os a uns e outros a serem cada vez mais uniformes e obedientes, sem nenhuma escolha possível para poderem aprender currículos gigantescos e fazer este tipo de exames. Estes exames obrigam a que os alunos, durante o ano, produzam imediatamente resultados em testes, assim que acabam de abordar um tema e, regra geral, em testes com o modelo do do exame, para se treinarem para o absurdo e não terem surpresas.
Tudo isto tem vindo a piorar e este SE está a dar a machadada final na educação.
Dito isto, percebe-se, penso, que o problema dos exames não está em os alunos terem notas altas, ou os exames terem mais respostas obrigatórias, mas em os exames serem absurdos, contraditórios com o que é e deve ser o ensino e a evolução e maturação do aluno, prejudicarem os bons alunos e serem, em grande parte, uma espécie de Totoloto que dispensa o estudo. Depois o IAVE e a tutela queixam-se que os alunos falham as respostas nas questões de escolha múltipla onde é preciso pensar. Mas o que esperam? Constroem um ensino cujo objectivo é ninguém pensar: nem alunos, nem professores e depois ficam à espera que sejam exímios a pensar...
E tudo isto para quê?: para evitarem que o professor seja um avaliador e garantirem que é um mero apontador de classificações já decididas por alguém à maneira de um fato de tamanho único que cabe a todos, mas não serve a ninguém. À conta disso estragaram-se os currículos e o ensino também, pois sem autonomia que raio ensina um professor?
O passo seguinte é retirar os professores das salas de aula e substitui-los por uma máquina, uma IA. O que nos EUA já acontece: é uma máquina que corrige os exames que são integralmente de escolha múltipla e resposta fechada.
No comments:
Post a Comment