June 12, 2021

duas palavras - 2ª beijo

 


'Diz-me tudo o que eu queria', isto, é, beija-me. O mais belo dos paradoxos, pois lábios sobre lábios é silêncio. O étimo que diz tudo sem necessidade de dizer nada. Nenhum gesto no mundo fala mais que um beijo: canta, grita, murmura, encanta, recorda, sabe dizer qualquer palavra não pronunciada precisamente porque não faz nenhuma falta dizê-la. Basta senti-la.

O italiano bacio, deriva do latim basium. Um étimo em aparência, simples. No entanto, os estudiosos não estão de acordo na altura de explicar como chegou ao latim.

Uns dizem que deriva do grego antigo, βάζω (bádso), significando, 'eu digo-te' ou então, βασκαινω (baskáino), sinificando, 'eu seduzo-te'. Enquanto, 'beijo-te', provavelmente, φασκω (phásko), 'prometo-te' e, ao mesmo tempo, 'creio-te', pois no fundo, a raíz desse gesto em que uma boca cala a outra descende do verbo, φημί (phémí), 'dizer'.

Nenhum destas possibilidades está desprovida de romantismo, pouco concordante com o rigor das etimologias.

O Dictionnaire etymologique de la langue latine, de Alfred Ernaut y Antoine Meillet não tem dúvida alguma: a aparição tardia do vocábulo latino basium, leva a pensar num empréstimo linguístico, talvez celta.

A lingua literária evita este dilema. Plauto, por exemplo, sabe apenas o verbo depoente, osculari, 'beijar', e o substantivo, savium, beijo.

 Catulo porá nisto um ponto final. Não só o poeta é de Verona estando mais perto das contaminações linguisticas com os povos do Norte como foi o primeiro que importou para a língua latina escrita as palavras, basium e basiari, típicas da oralidade (a tal transmissão culta) - a partir desse momento os dois vocábulos estendem-se às línguas romanas sem mudança de significado. É dele:


da mi basia mille, deinde centum
dein mille altera, dein secunda centum,
deinde usque altera mille, deinde centum.
dein, cum milia multa fecerimus,
conturbabimus illa, ne sciamus,
aut ne quis malus inuidere possit,
cum tantum sciat esse basior
um.

na tradução de Maria Helena da Rocha Pereira:

Dá-me mil beijos, depois um cento,
e mais mil, depois outro cento,
depois outros mil, e mais cem.
Em seguida, quando juntarmos muitos milhares,
misturamo-los, para que não saibamos
ou nenhum malvado possa invejar-nos,
quando souber que tantos foram os beijos.


Continua a falar enquanto guardas silêncio. Beija-me e entretanto perdemos a conta das palavras ditas com os lábios, sem necessidade de voz.

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do livro, Etimologías Para Sobreviver Al Caos de Andrea Marcolongo, ed. taurus (com adaptações)

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