Afligido, pesaroso por algo que dói por dentro. Quando chega, a tristeza faz o mesmo ruído que as nuvens, capazes de obscurecer rapidamente um dia de sol: ou seja, nenhum.
Quem já, alguma vez, ouviu o ruído de uma nuvem a passar? Não se ouve, porém, imediatamente faz sombra.
Quando se está triste, é o animo que se põe turvo, obscuro.
Luz que de repente se apaga como o filamento de uma lâmpada quando já não pode mais e se rompe.
Há um montão de coisas que o étimo de 'tristeza' nos sabe contar, palavra de 'origem imprecisa' mas, sem dúvida, procedente do latim, tristis (tardio, tristus) que deu depois lugar a todas as 'tristezas' na formação medieval, tristo.
Melancolia pan-românica na sua etimologia, embora cada língua diga, ou melhor, cale, o seu modo de obscuridade interior.
O francês, triste, embora igual ao espanhol, é uma palavra que percorreu outro caminho, o de uma 'transmissão culta' - é nome que se dá, em linguística, ao termo que não entra no vocabulário por necessidade, mas por um poeta o ter utilizado pela primeira vez. Quase nunca se sabe quem foi, só se sabia que, em questão de palavras, sabia mais que nós.
Não há maneira de dissipar as nuvens. Se existisse, brilharia sempre o sol nos nossos dias tristes. A única coisa que podemos fazer é aceitá-las e abrir o guarda-chuva dos étimos para não nos molharmos demasiado.
No sanscrito, encontramos trsta, que equivale a 'áspero' e que sobrevive hoje no lituano, tirsztas, 'cascavéis', no sentido de 'intratáveis' como ficamos para os outros quando estamos 'tristes'.
No latim, tristitia, significava, na realidade, um dia de chuva: tristis, era o céu quando se punha escuro. Também se dizia do fruto arrancado da árvore demasiado cedo, 'amargo', 'ácido'. Um alperce que parece delicioso mas que faz mal assim que o mordemos devido a estar acre. Daí o termo 'áspero' também ser usado para exprimir o nosso estado de ânimo quando nos sentimos tristes.
No Appendix Probi, códice escrito no mosteiro de Bobbio no ano 700 (sem dúvida copiado de um 'antígrafo', um documento mais antigo que dataria do séc. V) e atribuído a um tal Probo, inclui-se uma lista de 227 palavras que não corresponderiam às boas normas do latim clássico. Neste Appendix, a variante 'tristus' é censurada devido à sua formação analógica a partir de maestus laetus; segundo o autor, seria preferível o termo, tristis.
Acontece irmos buscar as nossas palavras, não ao dicionário de falar mas ao de calar. Está nublado, porém, 'fingimos que' está sol, como se estivéssemos felizes, em latim, laeti, contente. E quando sofremos, se nos ocorresse dizê-lo, estaríamos maesti, adjectivo que remete ao verbo latino, 'lamento-me'.
a vida escapa e não está quieta, uma hora, dizia Petrarca no seu Cancioneiro.
Pessoa, para quem 'todo o estado de alma era uma paisagem*, dizia:
Sofremos? Os versos pecam
Mentimos? Os versos falham
E tudo é chuvas que orvalham
Folhas caídas que secam.****
**Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.
**** Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'
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do livro, Etimologías Para Sobreviver Al Caos de Andrea Marcolongo, ed. taurus (com adaptações)
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