Um dos aspectos que faz de Lisboa uma cidade com tanto encanto é ter conseguido manter a sua traça e a sua atmosfera doce. Tem mantido essas duas características com a prudência de não deixar que a arquitectura agrida o espírito da cidade e retire a luz que a envolve.
Tenho pena que não se reconheça ainda a arquitectura como uma das vertentes mais importantes no bem-estar e qualidade de vida das pessoas.
Vem isto a propósito de uma intervenção num monumento onde estive na semana passada e um edifício relativamente recente, ambos em Lisboa, que me parecem ir contra a prudência, sendo que um deles me choca mesmo. Falo da intervenção no Torreão do Palácio da Ajuda e do novo Museu dos Coches.
Eu bem sei que os arquitectos gostam de dizer que o povo não percebe nada de arquitectura e que por isso não têm que levar em conta a posição do povo, mas isso, não só é incorrecto como anti-democrático. Seria o mesmo que dizer que como o povo não percebe nada de leis não deve ser ouvido acerca delas.
A arquitectura modifica a cidade e a cidade é de todos e não apenas dos arquitectos.
No que me diz respeito, julgo a arquitectura com alguns critérios:
1. A obra apela-me, faz-me sentir viva, por assim dizer, interpela-me, faz-me olhar para ela, provoca-me, puxa-me? Ou, pelo contrário, repele-me, agride-me, faz-me sentir opressão, fechamento ou ainda, é monótona, indiferente, não cativa?
2. A obra é coerente com o espaço que ocupa?
3. A obra não é coerente com o espaço envolvente mas brinca com ele e o contraste torna ambos mais vivos?
4. A obra é coerente com o conteúdo?
Pois nestes dois casos referidos, as respostas àquelas perguntas são todas negativas.
No que respeita à intervenção no Torreão do Palácio da Ajuda:
Este H que puseram em frente da fachada do Palácio não tem continuidade com o resto do edifício. É monótono, desinteressante e incoerente com o conteúdo - na verdade parece ser uma placa de um dos edifícios da Caixa Geral de Depósitos 'colada' aqui).- espigueiro do Norte
O novo museu é um bloco, um paralelepípedo fechado como se uma pedra brutal e de tamanho gigantesco tivesse aterrado na cidade e, por azar, tivesse ido cair numa zona de construção baixa, em declive a descer suavemente para o rio e ficasse ali a tapar a vista.
Isso ao certo não sei porque de cada vez que passo ali sinto agressão e o edifício repele-me como um tumor, uma coisa que está ali viva mas a invadir malignamente e, por isso, ainda não consegui obrigar-me a ir ver.
O edifício retirou o encanto rosado e a luz doce de toda aquela zona e enfia ali uma coisa bruta.
E que coerência tem com o seu conteúdo?
A democracia não se vê apenas na hora de ir colectar votos às urnas para poder ocupar cargos e ir gastar o dinheiro do povo. Vê-se no respeito pelas pessoas, pelas suas vidas quotidianas. Os edifícios ocupam espaços públicos e o público não pode ser completamente ignorado como se não tivesse que viver nos espaços.
Tenho pena que não se reconheça ainda a arquitectura como uma das vertentes mais importantes no bem-estar e qualidade de vida das pessoas. Vi, aqui nesta cidade que não é a minha, mas onde moro, como se feriu o espaço público em vinte anos. Uma cidade naturalmente tão bem disposta junto a uma serra linda e um rio com uma baía tão bonita, toda construída com brutalidade de costas voltadas para o rio e a cortar-lhe a luz. A arquitectura, sendo uma arte, pode fazer-nos sentir bem e vivos, na cidade, como pode, sendo má, fazer-nos sentir apertados, oprimidos e deprimidos. Viver numa cidade onde dá gosto viver e onde há beleza envolvente, torna as pessoas mais alegres e produtivas.
Isso e não apenas a opinião dos arquitectos que querem fazer experiências e deixar o seu nome, tem que ser levado em conta. Este edifício do no Museu dos Coches, de cada vez que passo por ele, fico negativamente incomodada com a brutalidade daquilo naquele espaço outrora aprazível.
(nenhuma das imagens é minha)
No comments:
Post a Comment