May 22, 2021

Rankings - mesmo os bem intencionados têm discursos infantis

 


Podemos e devemos debater os rankings – Raquel Varela

Podemos e devemos debater os rankings – a escola pública continua a ter bolsas de excelência. Mas não podemos continuar a mentir – o declínio cresce e a desigualdade dispara. Estar numa destas 47 escolas privadas ou na pública fará a diferença sobre o futuro destes alunos. As excepções de um lado e de outro não contam. Conta a média. 

O que tem de diferente a escola pública destas privadas do topo?
– Os professores, todos, sem exceção, adoram dar aulas e a sua voz transmite permanente entusiasmo, os olhos brilham quando são aulas – isso pega-se, como se pega a falta de entusiasmo. O contraste com os cenários de burnout e desmotivação na maioria das escolas privadas e públicas é evidente. “Ele está desatento”, carta para os pais, assim é na pública; ele está desatento, “oh João está a meditar? Anda aqui meditar comigo” – tenho que agarrar este miúdo. Na pública é “qual o melhor curso profissional para me livrar dele rapidamente que só faz barulho”.

[Toda esta frase é infantil. Mas a Raquel Varela, acredita que há locais de trabalho idílicos onde todos os professores são excepcionais e 'adoram' dar aulas e todos os alunos são ávidos de saber e de entusiasmo e outros locais 'à Dickens', onde todos os professores são péssimos e estão em burnout? Isto é de alguém que não entende o mais básico da natureza humana, nem no que se refere aos professores, nem aos alunos e muito menos do que se passa numa sala de aula, do que são as relações humanas e do que é a adolescência. Nem do trabalho do professor que não começa na sala de aula nem acaba nela]

– A situação é de tal forma na escola pública que é comum ouvir-se dizer da parte de professores “a culpa é dos pais”. Como? Os pais dão aulas? A culpa é nossa, professores. Se os pais não dão educação em casa ou regras, ou ensinam a ler literatura e bons filmes, a escola pública tem obrigação de o fazer. Foi para isso que a escola foi inventada – porque se chegou à conclusão que a educação familiar não chegava.
– Não existe “a escola ensina e os pais educam”. Todos educamos, em todo o lado. Educar e ensinar são dois lados da mesma moeda. A escola pública em grande parte, salvo excepções, demitiu-se da sua função. É o “pobrezinho mas feliz” salazarento, contentem-se com pouco que já é bom.

[aqui não é infantilidade mas cegueira e erro - o erro está em pensar que não há fronteiras entre a casa e a escola e que todos ensinam e educam em termos formais, escolares.. A cegueira está em não ver a realidade. A Raquel Varela pensa que um filho seu e um filho de um pedreiro com o 9º ano ou um filho de uma cozinheira com o 12º ano são igualmente ensináveis da mesma maneira? Que chegam à escola com as mesmas possibilidades? Que ensinar um e outro é igual? Isso é o mesmo que dizer que governar Portugal e governar os EUA é a mesma coisa, que os governantes portugueses, quando se queixam que não há dinheiro estão a querer desresponsabilizar-se. Evidentemente que não é mesma coisa governar um país com o tamanho e recursos naturais dos EUA ou da Alemanha e governar um pequeno país sem recursos de monta e cheio de iletrados. Não significa que deixemos de responsabilizar os nossos políticos, mas sabemos que não é, de facto, a mesma coisa. Não se inventam recursos ou portugueses letrados de repente por um ministro ser entusiasmado ou brilhante, mesmo. A Raquel Varela entende os alunos como seres passivos a quem nós transformamos do exterior se tivermos entusiasmo. Que infantilidade e desconhecimento do que são os processo de aprendizagem. Sim há muita coisa que podemos fazer, se forem dados à escola pública, dinheiro e condições.Mas não transformamos as pessoas como alquimistas porque a transformação tem que ter a vontade, o esforço e o trabalho do próprio]

– Em 75 os professores gritavam que a escola não servia para as classes trabalhadoras, tinha que mudar, tinha que ser excelente para os trabalhadores que as pagavam. Agora explicam corporativamente que a escola “é excelente” os rankings é que estão mal. Os rankings são um erro, mas eles mostram uma catástrofe, o que tem o Ministério, a quem pagamos impostos para ter boas escolas públicas a dizer deste cenário em que 47 privadas estão entre as primeiras 50?

– Nas privadas de excelência os professores têm uma formação cientifica de fazer brilhar os olhos. Escutá-los e vê-los dominar os assuntos é encantador.

[ela divide as escolas, os professores e os alunos entre, 'os de excelência e os maus.' Como é possível ser tão desligada da realidade?   

– Os alunos são chamados a fazer parte das aulas, a dar aulas para colegas, apresentar temas, debater, fazer trabalhos de grupo, não são máquinas permanentes de fazer testes.

[a Raquel Varela parece pensar que um aluno pode dar aulas e apresentar trabalhos a colegas, sem saber desenvolver uma ideia, sintetizar outra, ser capaz de reunir conhecimentos pertinentes em texto e imagem, etc., sem imenso trabalho de sistematização de conhecimentos, sem arquitectura conceptual? E como pensa ela que isso se constrói senão com leituras, treino e estudo?]

– Não há algazarra nem normalização desta, que é na realidade um enorme desrespeito colectivo. Há silêncio nas aulas – pode-se questionar, intervir, participar mas não é o recreio. Nem silêncio conseguimos ter na escola pública onde, dizem os estudos, os professores levam em média 15 a 20 minutos de uma hora a mandar calar, berrar, chamar atenção?

[ao contrário do que a Raquel pensa, uma aula em que os alunos estão silêncio nem sempre é uma boa aula. Pessoalmente, as aulas em que os meus alunos estão, em voz baixa, a discutir com o colega de carteira o que estamos a discutir nessa aula, apesar de causar algum burburinho, são um excelente indicador do interesse deles que muitas vezes querem discutir e antes de serem capazes de o fazer com toda a turma começam por fazê-lo com o colega do lado.]

– Cumprem nestas privadas parte do programa e preparam para os exames, mas uma boa parte da vezes não cumprem, dão outras matérias, muito mais interessantes e densas. Sim, para manter a disciplina numa sala de aula é preciso dar matérias interessantes. 

[mas a Raquel Varela pensa que podemos ignorar os programas para dar matérias 'interessantes'? E também não percebe que o que interessa a um não interessa a outro, como se os alunos fossem folhas em branco permeáveis a todos os interesses? Se não dermos os programas temos um processo disciplinar ou então é o coitado do colega do ano a seguir que vai ter que dar o que não demos - já me calhou várias vezes ter que dar unidades inteiras que outros não deram, o que me prejudicou bastante o trabalho]

Trazer para as crianças e jovens a paixão do conhecimento e não só o que é é útil ao mercado de trabalho das “competências” de um país sem estratégia produtiva. A filosofia por exemplo, em muitas destas privadas, dão obras completas que se deixaram de ler nas metas e “competências” da pública.

[termos com 'a paixão do conhecimento' -faz lembrar Guterres- aplicam-se a poucas pessoas. As pessoas podem ter paixão pelo futebol, pela moda ou outra coisa qualquer, mas pelo conhecimento em geral? Ao contrário do que pensa a Raquel, a maioria das pessoas não tem nenhuma paixão por conhecimentos e sim, muitas vezes os pais, estragam o que podia ser alguma curiosidade natural pelo conhecimento à custa de limitarem os interesses dos filhos desde que nascem a telemóveis, novelas, conversas sobre pessoas -em vez de ideias- e pouco mais]

– Têm autoridade – aliás, não há reuniões trimestrais de período com pais, a não ser em casos extremos, tudo o resto a escola resolve com autoridade sem infernizar a vida aos pais (conheço casos de pais que recebem cartas da escola pública por tudo e por nada, ele fala muito nas aulas, eles destrai-se, ele não fez os trabalhos de casa) – no privado zero. A escola resolve, não chama os pais para resolver. Os pais não são professores.
– Não há telemóveis na escola, mesmo no intervalo.

[cá está ela a falar como se o sucesso fossem uns ingredientes mais ou menos secretos do pastel de nata]

– Todos os professores, há anos ali na mesma escola, conhecem todos os alunos, o ambiente é de família, cuidado e protecção. isso cria confiança e confiança cria respeito.
– Os porteiros e afins, todos trabalhadores fixos, conhecem o nome de cada aluno, mesmo quando são 1000 ou 2000.
– Há segurança no emprego em professores e funcionários, e permanecem décadas na mesma escola, em vez de andarem de um lado para outro a tapar “buracos”, longe da família.
– Os salários são decentes.

[os salários são indecentes, tanto no privado como no público. Ela está completamente às escuras...]

– Não se tolera má educação. As regras são claras porque só assim há democracia, e são para todos, e são exigentes, quem está mal, pode sair. Um aluno não trata mal um professor ou um funcionário. E não é preciso um frio processo disciplinar e um psicólogo. Os adultos têm autoridade (autoridade conquistada com qualidade do que se lhes dá e afecto, e não à pancada) sobre as crianças e jovens.

[completamente às escuras do que se passa]

– Há papel higiénico nas casas de banho! Imaginem ter que escrever isto – sim, em muitas escolas pública é um bem que precisa ser requisitado na hora. É simbólico. Como tratar bem um espaço que nem consegue deixar o papel higiénico em acesso livre?
– Há visitas de estudo, conferências, debates, encontros colectivos de toda a escola.
– Quando os pais refilam muito com inutilidades, estilo “o meu filho príncipe de Habsburgos não pode comer sopa de alho francês ao meio dia e meia” recebem uma carta a dizer “aqui quem manda somos nós, a sopa é para comer”.

[completamente às escuras do que se passa! Isto até é constrangedor de ler...]

– Por outro lado, não se enviam cartas para pais a toda a hora para assumirem os problemas que são para ser resolvidos na escola.
Como se explica esta desigualdade? A explicação é que nestas escolas privadas de excelência formam-se camadas dirigentes. Nas outras forma-se trabalho barato para um país barato.

[isto é verdade, mas não pelas razões que ela aduz - mal, diga-se de passagem.]

Uma parte da esquerda, defensivamente, insiste em defender a escola pública que existe, mas esta não nos serve. É preciso defender qualidade e excelência para a escola pública, que as melhores práticas educativas e pedagógicas não podem ser só para uma elite, da qual se desdenha dizendo que é de “betos”.
– Vem o argumento final. A culpa é da massificação, “não é possível sermos muito bons para muitos”. Desculpem, não só é possível como é urgente e necessário. 

Como se faz isso? Tornando a profissão de professor na escola pública muito bem paga, com alta formação científica, condições de trabalho excelentes e carreiras atractivas.
É só pensar que o turismo e o futebol não fazem um país.

["professores com alta formação científica2... os professores das escolas têm formação científica: licenciaturas, mestrados (desde o acordo de Bolonha, praticamente todos) e já se vêem bastantes professores com doutoramentos, para não falar de formações anuais, cursos de especialização vários.

Ao contrário do que a Raquel Varela pensa, os professores são pessoas bastante qualificadas. O que ela desconhece é que as escolas públicas estão cheias de professores bons e muito bons, muito dedicados aos alunos, a fazer um trabalho no limite das suas forças. Ela pensará que é uma desculpa, mas é diferente ter uma turma ou duas, como acontece no privado, com 20 alunos cada, pessoas que vêm do contexto cultural da Raquel, do que ter sete turmas a 30 alunos: 210 alunos, que vêm de um contexto cultural e económico pobre ou remediado, que são a esmagadora maioria. Todos os indicadores nacionais e internacionais mostram que o factor que mais pesa no sucesso é a educação académica da mãe... em seguida, a condição económica-social. Isto são os factos.

A grande tragédia da escola pública é estar cheia de bons professores (não são os que estão nos lugares de chefia, que hoje em dia são vitalícios e completamente desvirtuados) completamente mal-tratados e desaproveitados, em grande parte por pessoas como ela que têm uma visão infantil do ser humano e da educação e um discurso infantil de bons e maus acerca dos professores que advém dos estereótipos que circulam sobre professores das escolas.

É por isto que não tenho esperança que as coisas mudem para melhor. Mesmo os bem-intencionados como a Raquel Varela têm um discurso completamente ignorante da realidade das escolas e dos alunos enquanto pessoas.

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