Não sei se isto é verdade. Não me admirava, conhecendo o MO dos nosso políticos e, se é verdade, acho mal. No entanto, também li esse artigo. E li este editorial, porque o artigo só fala na questão dos fundamentos do acordão e este editorial completa-o com a questão dos instrumentos. Esse jornal, nesse dia, estava cheio de artigos acerca desta questão.
Este editorial refere parte do acordão, bem como o artigo referido por Ribeiro e Castro. Ficamos a saber que no acordão do TC se diz que a pessoa tem o direito à vida e a não ser morto pelo Estado, mas também que isso não implica que seja obrigada a viver em toda e qualquer circunstância, nomeadamente quando se fala de sofrimento intolerável. Portanto, a pessoa pode pedir ajuda para acabar com o sofrimento intolerável, já que a lei não a obriga a viver nessa condição, sendo que o problema maior é que isso colide com o dever do Estado não matar e, na lei, diz-se que a vida é um valor absoluto. Um outro problema subsidiário, mas que pode sabotar este projecto de lei está na dificuldade em tipificar o 'sofrimento intolerável.'
Não li o acordão, só as frases citadas no jornal, nem sei o suficiente das leis em questão, mas no que respeita ao fundamento da eutanásia, que é filosófico (tem que ver com a liberdade, a auto-determinação e com os deveres para connosco próprios e para com os outros) todos o podemos pensar e discutir. Diz-nos respeito a nós todos e todos podemos um dia estar nessa situação de querer ajuda para morrer e ser-nos vedada a ajuda. Se não fosse assim, nem a questão da possibilidade de referendo faria sentido.
Parece-me que faltam considerações naquele acordão. Onde está o dever do Estado não torturar? O valor da vida é absoluto, mesmo que o estar vivo, por obrigação do Estado, seja uma tortura para a pessoa? Portanto, admite-se como lícito que o Estado obrigue a manter as pessoas presas a uma situação de tortura física e/ou mental?
Quando o Estado manda soldados para guerras, portanto, para perigo iminente de morte, não está a violar aquele dever de proteger a vida como valor absoluto? O valor da vida deixa aí de ser absoluto ou isso não conta só por não ser o Estado a disparar o tiro?
Diz-se num dos artigos contra a Eutanásia, que esta é um 'remédio' de pobres porque os ricos, quando estão em depressão, vão a um psiquiatra e curam-se. Estão são afirmações ignorantes em vários sentidos. Na Roma antiga as pessoas que praticavam a eutanásia eram os ricos. Depois, as doenças mentais não se curam como se cura uma constipação ou uma perna partida. Muitas vezes não têm cura. Têm algum controlo que passa por ter as pessoas completamente drogadas e muitas vezes, incapazes de funcionar como deve ser. A quantidade de alunos que vemos nessa condição... O que me parece pior é o autor não admitir a possibilidade da pessoa ter princípios e valores de autonomia incompatíveis com o estar vivo em certas maneiras e condições que considera desintegradoras da sua identidade e requerer a liberdade de os exercer.
Os opositores da eutanásia surpreendem-me pela contradição com que se negam, sendo a maioria religiosos. Defendem que o ser humano tem uma dimensão espiritual, filosófica, religiosa e não é apenas matéria, para depois considerarem, simultaneamente, que a pessoa que se põe no plano dos princípios filosóficos e pede que a deixem decidir livremente da sua vida, deve estar doente e em depressão o que se cura com drogas, ou seja, que a pessoa é apenas matéria e que os seus valores e decisões de princípio não passam de químicos no cérebro a pô-la mal disposta, o que significa que negam à pessoa a sua dimensão filosófica e espiritual. Sendo assim, se todas as nossas disposições são químicos em equilíbrio ou desequilíbrio, como sustentam a crença religiosa? Um delírio químico que faz imaginar seres alados e demónios?
Conheço muita gente que, para conseguirem estar vivos enquanto se matam aos poucos, todos os dias um bocadinho, entendem e vivem a vida como uma doença. Tudo o que é plenamente vida é uma doença que é preciso curar. Se estão tristes, é depressão; se estão esfuziantes de alegria é transtorno bipolar ou histrionismo; se amam, é transtorno de obsessão ou de adição; se pensam que a vida não tem sentido é transtorno de baixa auto-estima, se se revoltam é transtorno de descontrolo de raiva... enfim, estar vivo é uma doença e cura-se com drogas até estarem todos normalizados.
Dizer que é preciso apostar nos cuidados paliativos, o que é verdade, não tem a ver com esta questão, pois a pessoa pode não querer estar amarrada a uma cama, toda drogada, embora sem dores. O sofrimento espiritual e mental existe e nem tudo é doença. Quando se diz que temos o direito à vida, esse direito não é um abstracto universal. Refere-se a indivíduos particulares. Temos direito à nossa vida e não a uma vida em abstracto. É nossa, pertence-nos. E é um direito, não uma obrigação a qualquer preço, imposto de fora, mas a ser pago pelo próprio.
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