February 18, 2021

Há muito por fazer no conhecimento da nossa História

 


Andava pela net à procura de uma entrevista de Marcelino da Mata e de testemunhos de quem o conheceu (fiquei com curiosidade de saber mais sobre personagem,. praticamente desconhecido, apesar de tão condecorado) quando fui dar com este blog de ex-combatentes da guiné https://blogueforanadaevaotres.

É um blogue criado por Luís Graça, como ele explica: 

Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os ex-combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial, na Guiné. Iniciado em 23 de Abril de 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo


Há la várias  referências a Marcelino da Mata e fui dar com este post de José Saúde, Marcelino da Mata, um homem que deu o corpo às balas, que fiquei a ler mais os comentários. Numa dezena de comentários, apenas, percebemos o quanto desconhecemos do que foi a experiência dos que combateram na Guiné (dos dois lados) e, por extensão, dos que combateram também nos outros países com quem estivémos em guerra e a quantidade de pessoas que andam aí com informações, vividas em primeira mão, a esboroarem-se com o tempo, até que desapareçam com elas.

Uma parte tão importante da nossa história - 13 anos de guerra com meia dúzia de países que envolveram praticamente todas as famílias portuguesas- e está quase toda por contar. Isto diz muito da decadência das nossas Humanidades nas universidades. 
Quer dizer, há por aí milhares de ex-combatentes com a 'sua história' por contar (e quantos já se foram, entretanto) e ninguém se interessa pela razão de os historiadores deste país entenderem que a ideologia é mais importante que a investigação dos acontecimentos e que se constituem como donos da nossa memória colectiva. 

Nós que não estivemos lá, nem física nem temporalmente (isto para quem nasceu depois de tudo findado) é com os olhos desses que lá estiveram que podemos ver. Nem sequer o próprio Marcelino da Mata foi 'pesquisado'. Um homem que sabia tanto do que lá se passou -ficamos a saber neste post que foi o fundador das tropas especiais e participou em 2412 operações! Há duas ou três entrevistas com ele, mas nada mais.

Como é que ninguém se interessou por aquilo que este homem tinha a dizer? Numa das entrevistas ele diz que o que o levou a lutar contra o PAIGC foi que eles mataram a sua família sem mais nem ontem e ele tinha-lhes ódio e também que se via como português, desde sempre.

Não sei se ele fez crimes de guerra. Com tanta gente que combateu com ele em tantas operações, se isso é verdade há-de haver testemunhas. A mim o que me interessa aqui é a constatação de que um grupo de pessoas no país, que domina há muito tempo os meios universitários e intelectuais, meteram uma rolha em cima do passado directo, quer dizer, dos próprios que o viveram e com isso impedem que conheçamos a nossa própria história.

Percebo isso no pós 25 de Abril -embora, a ler os que conheceram ficamos com a ideia de que o desprezo a que o votaram nos pós-25 de Abril tem muito de inveja e despeito: afinal tantos generais de galinheiro não hão-de ter ficados incomodados que um guineense, mais a mais de pele negra, tivesse sido mais que eles todos juntos, em termos de coragem e eficácia no terreno e aura, pois ficamos a saber neste post que havia uma aura quase mítica à volta de Marcelino da Mata à conta das suas façanhas e que também, grande parte das operações determinantes do exército português na Guiné, eram planeadas por altas patentes das forças armadas, mas eram dele que dependiam, como uma 'arma secreta', para o sucesso. Isto há-de ter causado muita inveja e despeito, sabendo nós de como estas características mesquinhas estão muito presentes no nosso povo. Portanto, percebo que no pós 25 de Abril o tivessem querido afastar, mas agora que passaram tantos anos, porque razão não se investiga objectivamente, e a partir de documentos da época e de testemunhos dos ainda vivos quem foi ele, ao certo, e o que foi a guerra portuguesa em África? 

Enquanto não se investiga, felizmente existem estes blogues de ex-combatentes (há vários) onde alguns vão deixando o seu testemunho: tantos os que combateram do nosso lado como os que combateram do outro lado.

2 comments:

  1. E, sobretudo, a História tem de ser preservada. Quer gostemos ou não!

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  2. exacto: seja que o que se descobre é bom ou mau, temos que saber.

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