February 14, 2021

About love II

 


Aquela frase de Einstein, 
The eternal mystery of the world is its comprehensibility … The fact that it is comprehensible is a miracle (in a 1936 article in the Journal of the Franklin Institute)

tem implícita a ideia de que a natureza tem uma ordem intrínseca que nós, humanos, somos capazes de compreender. A natureza parece ter uma negentropia intrínseca: o caos transforma-se em cosmos em conjuntos cada vez mais diversos e complexos - átomos → moléculas → organismos tipo vírus → organismos unicelulares → organismos multicelulares → sociedades de organismos multicelulares. Ordens cada vez mais complexas e intrinsecamente diversas (o termo 'uni-verso', literalmente).

A questão é: como é que esses conjuntos tão interiormente diversos, não só se mantêm coesos durante muito tempo como evoluem para totalidades ainda mais complexas e diversas sem se desintegrarem, constituindo totalidades integrativas?

Nós próprios, seres multicelulares conscientes, de sociedades complexas, tendemos para a explicação do mundo em termos de ordenação dos fenómenos, para lhes descobrir regularidades e prever comportamentos/movimentos, finalidades. Daí a frase de Einstein: as coisas parecem ter, senão um telos, pelo menos, um princípio organizador que confere sentido e que buscamos.

Uma resposta tem que ver com cooperação. Um organismo constituído por partes muito diversas, para se manter íntegro, tem que ter partes desinteressadas, abnegadas, altruístas, de maneira que considere o bem estar do todo como mais importante que o seu desenvolvimento monopolista, por assim dizer. Tomemos como exemplo o corpo humano, constituído de tantas partes e orgãos diferentes, cada um com a sua 'personalidade', poderíamos dizer - a sua funcionalidade, diferenciação, necessidade, identidade, parceria, aparência, forma, etc. Se cada orgão ou parte do corpo prosseguisse, egoisticamente, o seu interesse particular, destruía a totalidade e auto-destruía-se. Na verdade, todas as partes concorrem para o equilíbrio do todo, que chamamos homeostático. 

O Covid-19 ou o cancro que tenho são exemplos de uma parte do corpo agir de modo egoísta, interesseiro e monopolista e com isso ameaçarem o equilíbrio e vitalidade da totalidade integrativa. Portanto, o egoísmo é desintegrativo e o altruísmo ou acção desinteressada são integrativos. Podemos dizer que a existência de um organismo e de todos os organismos depende dessa ausência de egoísmo, dessa generosidade em contemplar o interesse do outro, até antes do seu, se necessário, para a sobrevivência do todo. A competição agressiva, egoísta, é destrutiva e, como fazemos parte de totalidades, não é apenas destrutiva do outro, mas de nós mesmos também. A competição desinteressada é integrativa. Isto é válido para as relações humanas, as relações de amor.

O ser humano não é apenas um corpo material mas uma unidade ou totalidade psíquica: instintos e consciência têm que integrar-se numa totalidade bio-psíquica onde os princípios, de um e outro, nem sempre concordam e por vezes destroem-se. Porque o que os nossos instintos nos 'mandam' fazer e o que a nossa consciência diz que quer ou deve fazer nem sempre coincidem, muito pelo contrário. 

O ser humano é uma experiência de e para si próprio: vai-se experimentando à medida que vive e comete muitos erros e por vezes concorre para a desintegração, nessas tentativas de explorar o mundo e a si mesmo, sem saber ao certo que princípios são os seus e como segui-los de uma maneira equilibrada. 

A idade, se não somos desprovidos de um intelecto capaz de compreender todas essas contradições e erros como tentativas de negentropia, ajuda a tornar a totalidade mais integrativa, o que compensa o desgaste natural do corpo. 

Jung dizia que a capacidade do ser humano de se sentir completo dependia da sua capacidade de abraçar ou dominar a sua sombra, querendo ele dizer com isto que a vida do ser humano é cheia de contradições, erros, desvios, enfim, forças destrutivas e que para podermos ser positivos e aceitarmo-nos como pessoas capazes de amor desinteressado, era necessário que primeiro aceitássemos e dominássemos esse nosso lado obscuro, feito de negatividade e forças destrutivas. A negação da nossa sombra ou a sua má interpretação leva à negação de nós mesmos como seres capazes de amor desinteressado, que é o único que nos interessa, por paradoxal que isto possa parecer.

É que o amor interessado, aquele em que a pessoa ama alguém porque pensa que a pessoa vai contribuir para a sua ideia particular de felicidade ou porque vai contribuir para o seu prazer ou sucesso ou auto-estima ou o que for, é um amor desintegrativo e auto-desintegrativo: tu dás-me isto e aquilo e eu dou-te isto e aquilo e têm ambos um cardápio de características prévias como se as pessoas fossem fósseis. O que não tem mal em si mesmo a não ser que destrói lentamente, pois nenhuma transação nos completa e faz crescer enquanto seres humanos.

É por isso que dantes ninguém confundia o casamento com o amor. O casamento era uma transação para o qual cada um trazia valores: o homem trazia o património e a mulher trazia o matrimónio (que só na Idade Moderna veio a significar o próprio casamento, como uma maior anulação das mulheres - até então significava os bens que a mulher trazia para a união, de maneira que a família do marido não esquecesse, apesar do papel passivo social das mulheres, o valor que ela tinha trazido para a família) e a união era calculada com base no valor acrescentado que cada parte trazia à outra. O amor era deixado para os amantes, não para os maridos e mulheres. O casamento era, geralmente, desintegrativo e destruidor das pessoas. Geralmente das mulheres, totalmente impedidas de ser e crescer. Apesar da lei obrigar a manter as aparências.

Hoje em dia fala-se muito em amor, mas as coisas não mudaram muito. Um filósofo disse que não podemos amar o que não conhecemos e isso vale para nós próprios e para os outros. E que nome damos a essa ausência de egoísmo, a esse conhecimento e cuidado desinteressado pelo outro, senão amor?

Nenhum ser humano vive sem amor e todos tendemos para a totalidade integrativa; no entanto, o assunto é considerado demasiado superficial para a ciência ou a filosofia se ocuparem dele e, o mais que fazem é, na ciência, descrever características químicas dos cérebros das pessoas que num determinado momento dizem estar apaixonadas, mas o amor é muito mais que isso.

(inspirado e começado, com um texto do biólogo, Jeremy Griffith, de 2011)

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