January 30, 2021

Pôr a nu



Este post não é propriamente sobre o nu artístico no sentido tradicional do termo. É sobre a insuficiência da IA e dos seus programadores que não entendem o propósito da arte.

O título do artigo anuncia que 'artistas' mostram como os imperadores eram 'na vida real' usando técnicas de reconstrução facial. Nem eles são artistas a não ser naquele sentido clássico grego de techne, nem mostram os imperadores como eram na vida real: fazem estas reconstruções a partir de esculturas de bustos e não dos próprios modelos. Aliás, basta ver as tais imagens reconstruídas. São todos unidimensionais e parecidas umas com as outras, como as pessoas que injectam botox nos lábios.

Já os escultores puseram a nu, estampados na cara dos imperadores, traços do seu carácter, linhas vincadas no rosto. Na realidade eles estão nus, nesse sentido em que a sua interioridade é, exteriormente, visível.


Artist Shows How Roman Emperors Looked In Real Life By Using Facial Reconstruction, AI, And Photoshop



Este é Filipe, o Árabe. A diferença entre a escultura e a imagem de IA é impressionante. Se pusermos a mão à frente da cara deles, deixando visível só a parte superior -olhos e cabeça- vemos claramente que na imagem da IA os olhos são baços, sem expressão. Já na pedra (pedra!!) o olhar é impiedoso, de um certo desprezo rancoroso e claramente inclinado para a violência.
Depois descobrimos o resto da cara e ainda temos mais essa impressão de desprezo cruel e violento: a maneira como franze a testa, as linhas vincadas na cara, e a boca fechada daquela maneira. Veja-se a tensão no pescoço dele. 
Até a barba mal feita não tem nada a ver com a barba da imagem de IA que é uma barba bem cuidada e elegante num rosto bem proporcionado mas sem alma, tipo modelo. A barba da escultura de pedra está descuidada, como a de alguém cujo poder lhe permite ignorar e desprezar o que os outros pensam, sabendo nós a importância que os romanos davam a uma barba bem escanhoada.

Mesmo se não soubéssemos nada da vida de Filipe, o Árabe, percebíamos imediatamente que era um indivíduo impiedoso, violento e dominador. A cara dele, a de pedra, ao mesmo tempo que atrai o nosso olhar, é repulsiva e não bonitinha como o retrato da direita: bonitinha e sem alma. Não, a de pedra está viva e até somos capazes de 'ver' o que corre no seu pensamento, enquanto fixa alguém desta maneira impiedosa, 'deixa estar que não perdes pela demora, filho disto e daquilo, vou dar cabo de ti...' .. é algo assim do género. 
É absolutamente fabulosa a escultura. Põe o homem nu no seu carácter. Já a outra imagem é irrelevante.

Por conseguinte, assim se vê como a IA está a milénios de distância de perceber o que é a arte e o belo artístico, pois das duas, a que é bela é a escultura de pedra. De uma brutalidade bela, na sua verdade nua.



Portrait of the Roman emperor, "Philip the Arab," (Marcus Julius Philippus; reign 244-249 A.D.) Vatican Museums, inv. 2216 (From Castel Porziano: 1776).


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