November 26, 2020

Trump e o sentimento de vergonha

 


Todos somos movidos psicologicamente, pela vergonha, aquele sentimento de medo de exposição incómoda das nossas (sentidas) 'fraquezas' que queremos evitar a todo o custo, mas algumas pessoas levam isso ao paroxismo, porque toda a sua pessoa é calculada para aparecer como um certo tipo muito rígido. Quanto mais rígido o tipo que se encarna, maior é o sentimento de vergonha de se ser 'des-mascarado'.

No caso de Trump, o tipo é: o vencedor, o inteligente, o sedutor, o génio único. É por isso que Trump recusava usar máscara: a máscara retira-lhe a invencibilidade e transforma-o em humano, como os outros, indistinguível dos outros. Também é por isso, penso, que ele se recusa a reconhecer a derrota eleitoral. 

A derrota inflige-lhe, mais do que tudo, um grande sentimento de vergonha. Ele está embaraçado, envergonhado, por ter perdido e ter de aparecer, publicamente, despido da sua máscara: se não venceu, não é um vencedor da vida, não tem glória associada, não é um sedutor - não seduziu gloriosamente o eleitorado, até seduziu menos que o adversário; foi menos inteligente que o adversário e não é nenhum génio. É um vulgar perdedor. 

Em suma, a única estratégia que lhe sobra para não perder a dignidade que associa à pose de vencedor é negar a sua vencibilidade e atribuir a derrota à má fé alheia. Ele deve estar tomado de um profundo sentimento de vergonha e embaraço por ter que aparecer diante de todos, despido da áurea com que se cobre (literalmente, ouro por todo o lado, até na cor do cabelo), na sua banal humanidade.


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