Estou a ficar hegeliana?
Na verdade, de cada vez que estudo um filósofo e leio uma obra, dado que todos as obras (falo de grandes filósofos, dignos desse nome - hoje em dia toda a gente se chama filósofo. Outro dia, numa formação, o formador chamou-nos filósofos, a mim e aos outros colegas de filosofia... enfim, um disparate) têm muitos e grandes insights sobre a realidade, mesmo que seja vista de uma certa perspectiva, fico com as lentes dessa perspectiva e durante algum tempo essas lentes dominam -são a tese, se quisermos usar uma linguagem que atribuem a Hegel; depois, vão integrando-se na consciência e estabelecendo a sua relação com as outras partes, resolvendo as contradições internas e a totalidade da consciência evolui.
O que Hegel chama consciência ou auto-consciência é a evolução do espírito à medida que vai... abrindo todas as possibilidades da realidade; quer dizer, em primeiro lugar desdobrar o sentido do que era e parecia familiar. Por exemplo, enquanto somos crianças, um perfume é um líquido que cheira bem dentro de um frasco. Depois aprendemos que o líquido é feito de flores e que as flores são sujeitas a processos químicos para extrair as essências. Mais tarde ainda, quando temos já alguma experiência de vida, aprendemos que os odores dos perfumes são portais da memória que nos fazem viajar a lugares, pessoas, emoções, experiências. Etc. Em segundo lugar perceber o universal no particular, o que significa ser capaz de reconhecer a relação que cada coisa tem com as outras e com o todo.
Portanto, a nossa consciência evolui à medida que o espírito cresce na sua compreensão das possibilidades da realidade. É o que chamados transformar experiências em conhecimentos e conhecimentos em saberes, sabedoria. É por isso que pensar implica mais que saber raciocinar com inteligência acerca de certas coisas ou até de muitas coisas. Pensar requer esse insight que penetra nas possibilidades e significação das coisas e vê a sua relação com as outras possibilidades e com o todo. E isso é o espírito no seu funcionamento: lidar com o todo, não só presente, mas futuro, também, enquanto possibilidade.
Uma auto-consciência evoluída requer tempo, reflexão, introspecção e experiência de vida. Enfim, sem contar com Leibniz que aos 13 anos já tinha escrito obras filosóficas... E não é para toda a gente porque a maioria das pessoas não tem paciência para pensar e deixa de crescer muito cedo e nem se apercebem.
Visto sobre esta perspectiva compreendemos, por dentro, se é que me faço entender, a frase de Sócrates quando diz que sabe nada, porque é isso mesmo: a consciência que somos está num momento de evolução e de compreensão que se liga ao tempo e contexto em que estamos e há-de apagar-se muito cedo, quando a aventura do espírito ainda ia no início.
É por isso que sendo novos somos mais afoitos. Não vemos ou vemos pouco. E é por isso que sendo mais velhos, no caso de vermos/pensarmos, para dentro e para fora, o particular e o todo, todo o gesto real em direcção a uma mudança, não controlada, tem um grande peso e significado. É claro que se não vemos não tem significado nenhum. Há pessoas que são adolescentes toda a vida.
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