November 11, 2020

Hegel e o que é ser-se humano

 



The subjective turn

For Hegel, human nature strives through history to unchain itself from tradition. But is such inner freedom worth the cost?

by Jon Stewart

O que é o ser humano? Tradicionalmente pensava-se que a natureza humana era algo de fixo, dado, de uma vez por todas, pela Natureza ou por Deus. Os humanos ocupavam um lugar único na criação em virtude uma combinação específica de faculdades que só eles possuíam e que os fazia serem o que são. Esta visão vem do platonismo, do aristotelismo e do estoicismo, bem como da tradição cristã. Mais recentemente tem sido dito que não existe isso de, uma natureza humana, mas apenas um conjunto de comportamentos e atitudes complexas que podem ser interpretadas de várias maneiras, de modo que falar de uma natureza humana fixa é um modo ingénuo e conveniente de discutir a experiência humana que não corresponde a uma realidade externa.

Há, no entanto, uma terceira abordagem que ocupa que ocupa um lugar entre estas duas. Esta visão, que podia ser chamada, 'historicismo', que existe uma concepção significativa da natureza humana mas que muda à medida que a sociedade evolui. Esta abordagem é associada a Hegel. Hegel rejeita a primeira interpretação, chamada essencialista, mas também rejeita a segunda que afirma tudo não passar de uma ficção da tradição. Em vez disso, Hegel afirma que faz sentido e é útil falar da realidade da natureza humana e que isto pode ser compreendido analisando o desenvolvimento do homem na história. 

Infelizmente Hegel escreve de uma maneira algo inacessível o que levou as pessoas a desconsiderarem a sua posição e, por isso, tem sido restrita a especialistas. Hegel analisa os modos em que a subjectividade e a individualidade surgiram e se desenvolveram. Ele defende que no início da história humana as pessoas não se viam como individuais do mesmo modo que hoje. Não havia a concepção de uma esfera única e individual que hoje tanto valorizamos na nossa auto-imagem. Em vez disso, os antigos concebiam-se como pertencendo a grupos: família, tribo, Estado, etc. Isto significa que questões da liberdade individual não se punham. 

Hoje em dia sentimos que temos o direito de tomar as decisões importantes que dizem respeito à nossa vida de indivíduos. Que curso desejamos seguir, que profissão desejamos seguir, com qual pessoa desejamos nos casar ou em que religião desejamos acreditar, são tudo escolhas nossas concebidas como pessoais. Embora essa ideia seja inteiramente intuitiva para nós, hoje, ela não é absoluta, mas sim social e historicamente condicionada. Os antigos tinham uma compreensão muito diferente dessas coisas.

Para os mesopotâmicos, egípcios e gregos, os indivíduos não tinham esses direitos. As pessoas nasciam em famílias ou classes específicas e isso determinava amplamente o que fariam na vida. Essas culturas antigas eram dominadas pelos costumes e as práticas tradicionais ditavam todos os aspectos do seu comportamento. Os costumes entrelaçavam-se com a lei, a educação, a religião e outros aspectos da cultura, que serviam para validá-los. As oportunidades de uma pessoa eram definidas e limitadas de acordo com a sua classe e casta. Da mesma forma, os papéis dos sexos eram firmemente fixados. Esperava-se que os jovens seguissem os desejos de seus pais e suas próprias opiniões e desejos não eram considerados como tendo qualquer valor. Os rapazes eram, portanto, obrigados a seguir as profissões de seus pais, enquanto as raparigas eram compelidas a aceitar como marido alguém que os pais ou a família mais ampla tivessem escolhido. O lado interno do indivíduo não era reconhecido como é hoje.

Podemos ver isso claramente em vários textos antigos diferentes. O historiador e biógrafo grego Plutarco descreve em detalhe a vida organizada dos espartanos, que foi em grande parte o resultado das leis introduzidas pelo legislador Licurgo. Plutarco explica que a formação dos espartanos estendia-se até a idade adulta, pois ninguém tinha permissão para viver como quisesse. Em vez disso, tanto num acampamento, como na cidade, eles seguiram um estilo de vida prescrito e dedicavam-se a questões comunitárias. Viam-se como parte de seu país, ao invés de se verem como indivíduos.

Plutarco ainda escreve que Licurgo "habituou os cidadãos estão acostumados a não ter nenhum desejo por uma vida privada, nem conhecimento de uma, mas sim ser como abelhas, sempre ligados à comunidade, aglomerando-se em torno do seu líder e quase extasiados com a ambição fervorosa de se dedicarem inteiramente ao seu país."
A constituição de Licurgo era amplamente elogiada no mundo antigo, e pensava-se que ele havia encontrado a receita correta para criar uma sociedade que produziria pessoas virtuosas e prósperas. Mas a Esparta de Licurgo é uma sociedade que não reconhece o valor dos indivíduos para tomar decisões por si próprios. Não cultiva a subjetividade ou a individualidade, mas sim a conformidade. A questão é clara: não há nada no indivíduo que deva ser considerado como tendo um valor de sustentação, já que tudo deve estar subordinado às necessidades da sociedade ou do Estado. O que alguém é como indivíduo, em última análise, não conta para nada.

A falha em ver o lado interno dos indivíduos também se estendeu a questões de responsabilidade moral e legal e culpabilidade. Hoje, os tribunais examinam de perto a intenção do acusado, a fim de avaliar o grau de punição que é apropriado. Um acto de violência cuidadosamente planeado e calculado é considerado pior do que uma explosão espontânea causada por uma perda momentânea de autocontrole devido à raiva ou ciúme. Mas para os antigos, as intenções internas do indivíduo não eram consideradas relevantes na avaliação e, portanto, o foco era apenas na própria ação externa. O problema era simplesmente o que aconteceu, não o que se pretendia. Édipo nunca planeou ou pretendeu assassinar seu pai ou casar-se com sua mãe, mas mesmo assim é considerado culpado somente pelas suas acções. Mesmo o facto de que ele tentou fazer tudo o que podia para o evitar não mitiga o grau de sua culpabilidade pelos crimes.

Acredita-se que Sócrates tenha iniciado uma revolução no pensamento a respeito da subjetividade do indivíduo. Acreditava que nada deveria ser aceite apenas porque foi transmitido pela tradição. Em vez disso, argumentou Sócrates, os indivíduos têm a obrigação de examinar qualquer afirmação de verdade com a sua própria razão crítica e somente quando ela passar nesse teste poderá ser aceite. Tornou-se um incómodo andando por Atenas e perguntando às pessoas sobre coisas nas quais afirmavam ter experiência. Ele lisonjeia-as ironicamente para fazê-los falar com confiança sobre um assunto ou outro. Então, examina-os e rapidamente mostra os erros nos seus raciocínios. No fim, os seus interlocutores ficam com raiva e humilhados. O objetivo é mostrar que a maioria das pessoas simplesmente aceita como verdade o que é dito a partir do costume e da tradição, mas essas opiniões raramente resistem a um exame crítico. 
A mensagem radical de Sócrates era que as pessoas deveriam ser críticas sobre tudo e aceitar apenas o que pudesse ser demonstrado pela razão. 
Em suma, era o indivíduo que tinha o direito de dar seu consentimento ao que se pensava ser verdadeiro, em vez de simplesmente ser ditado por uma autoridade superior ou tradição. Essa era uma ideia provocadora e radical para a qual Atenas ainda não estava preparada e que custou a Sócrates a vida.

A revolução socrática ganhou força com a introdução do cristianismo. Jesus rejeita o poder deste mundo e aponta para o lado interno dos seres humanos. Muitos dos seus ensinamentos implicam uma mudança do foco externo da velha lei para o foco interno da nova lei. Jesus diz aos seus seguidores: 
Você já ouviu falar que foi dito: ‘Não cometerás adultério.’ Mas eu te digo que todo aquele que olhar para uma mulher com desejo, já cometeu adultério com ela em seu coração. 
A velha lei proíbe o adultério: uma ação externa no mundo. Mas Jesus afirma que o pecado ocorre na esfera interna do coração quando se tem desejos adúlteros. Portanto, com efeito, com esses desejos, uma pessoa cometeu um crime antes mesmo de agir. Da mesma forma, ele critica aqueles que fazem uma grande demonstração externa de adoração e incentiva os seus seguidores a orar em silêncio por conta própria. O importante não é a acção no mundo, mas a disposição interior do indivíduo. O locus da moralidade torna-se a esfera interna.

Isso significa que a moralidade é amplamente expandida no seu escopo. As acções no mundo são sempre limitadas no espaço e no tempo; pode-se realmente fazer apenas um número finito de coisas. Em contrapartida, quando se trata de pensamentos e desejos íntimos, a esfera é infinita. Isso cria um padrão de ética consideravelmente mais rigoroso, pois é preciso monitorizar, não apenas o que se faz, mas também o que se pensa. Ora, isso pode rapidamente levar à obsessão na regulação de nossos pensamentos como puros e dignos de Deus. Em vez de julgar apenas o número finito de acções pecaminosas que alguém faz na vida, Deus agora avalia o número virtualmente infinito de pensamentos e desejos pecaminosos que cada um de nós tem na privacidade de nossa própria mente - muitos dos quais nunca são realizados por meio da acção.

Outro exemplo da mudança do reino externo para o interno pode ser encontrado nas naturezas radicalmente diferentes das epopeias dos autores gregos e romanos, em contraste com a do poeta cristão Dante Alighieri. Em Homero, somos apresentados a grandes feitos realizados por heróis no mundo externo: o cerco de Tróia, a derrota, por Odisseu, dos pretendentes e a restauração de seu legítimo lugar como Rei de Ítaka. Da mesma forma, em Virgílio, seguimos a história de Eneias em seus esforços para encontrar uma nova pátria para o seu povo e preparar-se para a fundação de Roma. Todas essas coisas são eventos no mundo externo. 
Em contraste, a Divina Comédia de Dante (1308-20) é sobre o desenvolvimento da vida espiritual interior de um único indivíduo. Embora seja verdade que ele, em certo sentido, também faz uma grande jornada como Odisseu e Eneias e que também encontra vários personagens pitorescos ao longo do caminho, a natureza de sua jornada é radicalmente diferente. A luta de Dante é interna, diz respeito à sua espiritualidade pessoal, em contraste com as lutas de Odisseu e Eneias, que são com o mundo externo.

Da nossa perspectiva moderna, a maioria de nós está presumivelmente feliz por ter o direito de tomar decisões sobre as nossas próprias vidas. É a isso que Hegel se refere amplamente como, o princípio da liberdade subjectiva, ou seja, a ideia de que os indivíduos têm o direito de conceder ou negar o seu consentimento, no que diz respeito às questões relativas ao certo e ao errado com que são confrontados. No mundo moderno, temos o direito de rejeitar e criticar o que contradiz a nossa consciência individual. Isso era exatamente o que faltava no mundo antigo. O desenvolvimento da ideia de liberdade subjectiva é, portanto, em muitos aspectos, a história da libertação humana do domínio dos costumes e da tradição. 

É somente com o desenvolvimento desta ideia que os princípios de, por exemplo, direitos humanos direitos individuais, liberdade religiosa, liberdade de expressão e de consciência, surgiram. É claro que essas são coisas que valorizamos no mundo moderno e, portanto, é fácil ler a narrativa histórica como um conto glorioso unilateral da vitória do indivíduo sobre a tradição.

Mas a questão não é assim tão simples. Embora nós, modernos, valorizemos a nossa liberdade pessoal, também pagamos um preço por ela. Uma vez que tendemos a concentrar-nos na nossa individualidade e a torná-la padrão para a verdade e para o certo e o errado, somos confrontados com o problema peculiarmente moderno de alienação e anomia. As pessoas modernas muitas vezes sentem-se isoladas e separadas da comunidade, do Estado e de outras instâncias maiores. É especialmente fácil sentir-se desorientado e perdido numa cidade, onde todos os dias encontramos multidões de pessoas com as quais não temos nenhuma conexão real. E é difícil para nós sentir qualquer sensação imediata de identificação com instituições e estruturas sociais maiores que tantas vezes parecem contradizer as nossas próprias sensibilidades.

O aspecto benéfico da cultura antiga era que ela fomentava um sentido de família e comunidade. Todos conheciam e desempenhavam o seu papel e essa era considerada a chave para uma vida próspera. As pessoas sentiam uma identificação imediata com sua cultura, a sua religião e a sua sociedade. Os antigos expressaram isso em termos de harmonia e os pensadores medievais em termos de ordem. 
Enquanto as pessoas permanecessem nos seus lugares designados, pensava-se que tudo funcionaria bem. Mas quando alguém saía da linha, a ordem era quebrada e a desarmonia ameaçava. Hoje, esse sentido mais substancial de comunidade ou vida em sociedade perdeu-se e este é o preço que pagamos pela nossa individualidade. A maioria de nós provavelmente argumentaria que a eliminação de classes rígidas e restrições socialmente determinadas foi uma coisa boa que marcou um passo importante no desenvolvimento humano, mas não devemos perder de vista o facto de que há um trade-off aqui, e que este desenvolvimento tem um custo.

Hegel afirma que, enquanto o surgimento da subjectividade no mundo antigo e medieval foi um desenvolvimento libertador, no mundo moderno, o pêndulo oscilou longe demais para o extremo oposto. A partir do Renascimento e da Reforma, houve um reconhecimento cada vez maior do valor e da importância da subjectividade do indivíduo. Isso produziu ideias como a noção de Lutero de que a fé religiosa é uma questão para os indivíduos decidirem por conta própria, ou a ideia iluminista de que os indivíduos possuem direitos humanos universais dados por Deus. Com o movimento romântico do século XIX, a celebração da individualidade acelerou-se com ideias como o culto do génio, a vida como arte, o amor livre e a rejeição dos valores burgueses. Elementos dessas ideias também podem ser encontrados no movimento cultural do existencialismo no século XX, que parecia em alguns casos negar a verdade de qualquer esfera objetiva externa e insistir na liberdade espontânea absoluta do indivíduo.

Esse desenvolvimento culminou na cultura ocidental do século XXI, que às vezes é caracterizada como uma era de auto-indulgência e narcisismo, onde todos somos átomos individuais perseguindo os nossos próprios objectivos e ideias particulares, sem levar em conta nada fora de nós. O que era originalmente a emergência da subjectividade contra o pano de fundo da tradição tornou-se o domínio da subjectividade contra os restos esfarrapados da tradição e, de facto, qualquer concepção de uma verdade externa. 

Hoje, dedicamos grande parte de nossas vidas a desenvolver e afirmar algum sentido de identidade pessoal que seja identificável e separável da de outras pessoas. As pessoas tornaram-se cada vez mais criativas nas maneiras de fazer isso. A obsessão actual de criar um perfil para si mesmo nas redes sociais tem sido frequentemente citada como um exemplo do narcisismo da era moderna. Isso presta-se a um exagero da importância das nossas atividades e realizações e tende a ignorar qualquer coisa no mundo externo, como suas falhas ou deficiências, que não se encaixe na narrativa que se quer contar sobre si mesmo. Em tudo isso, às vezes vemos tentativas aparentemente desesperadas de criar uma pessoa fictícia para nós que seja diferente das outras. Independentemente de quaisquer factos reais, as pessoas podem tornar-se autoras das suas próprias histórias - verdadeiras ou imaginárias - que podem contar como quiserem.

O nosso foco em nós mesmos como indivíduos, hoje, envolve virtualmente todos os aspectos das nossas vidas: os nossos corpos, as nossas roupas, as nossas posses pessoais, os nossos interesses e gostos. Em todos os níveis, há um desejo de encontrar algo que expresse as qualidades supostamente únicas de alguém como indivíduo. Anunciantes e profissionais de marketing há muito tempo estão sintonizados com essa intuição e exploram-na constantemente. Paradoxalmente, conseguem convencer-nos de que, se comprarmos o seu produto, como milhões de outros, expressaremos nossa individualidade única. Felizmente para as empresas que ganham dinheiro com essas coisas, ocorre um efeito de espiral ou circular. O objetivo é encontrar algo especial que possa servir como um sinal externo, para o mundo exterior, reflectindo quem cada um é, como indivíduo. Mas esses sinais são efémeros, pois muito em breve outras pessoas também serão atraídas pelas mesmas coisas e, o que parecia inicialmente uma expressão de individualidade, é gradualmente transformado no exacto oposto: um sinal de que alguém está simplesmente seguindo a multidão. 
Daí as rápidas mudanças nos interesses e pontos de identificação dos adolescentes. É preciso estar constantemente à procura de algo novo e único, que só terá valor por um período limitado de tempo. Quando uma tendência atinge um limite crítico e se torna muito popular, ela deixa de cumprir a sua função e algo novo deve ser encontrado para substituí-la.

O desespero em afirmar-se como indivíduo é uma demonstração da importância do princípio da individualidade e da subjectividade no mundo moderno. Embora alguns possam sorrir e considerar isso um problema adolescente com uma importância pouco mais ampla, a questão é muito mais profunda. Na nossa própria época, levou à rejeição de qualquer forma de verdade objetiva. Isso nos levou a um mundo de relativismo, onde qualquer coisa que não nos agrade ou entre em conflito com os nossos interesses pode ser considerada notícia falsa ou resultado de política partidária. A ideia de que existe uma esfera externa e objetiva da verdade está a desaparecer rapidamente. Alguns comentadores, como Ralph Keyes e Lee McIntyre, afirmaram que vivemos no que eles chamam um mundo de, "pós-verdade". Este é o resultado da afirmação cada vez mais radical de que os indivíduos, como indivíduos, podem ditar sua própria verdade.

Isso talvez seja mais visível na política. O debate político deve ser caracterizado por discussões sérias sobre questões reais, relativas ao bem da sociedade e essas discussões devem ser baseadas em evidências factuais que podem ser citadas como suporte para uma política ou outra. 
Esta forma de debate político foi substituída por apelos às emoções, produzidos por tentativas cínicas de enganar os eleitores com mentiras e informações falsas destinadas a lançar uma luz negativa sobre candidatos opostos ou opiniões políticas. As firmas profissionais oferecem o serviço de criar, explicitamente, distorções e disseminar falsidades para influenciar a opinião pública numa direcção ou noutra. À parte a ideologia dada que informa a sua orientação política específica, a justificação que é dada para isso sempre retorna à afirmação de que, de qualquer modo, não há verdade objetiva e que por isso a pessoa tem a liberdade de espalhar desinformação fabricada e estrategicamente embalada. 
Esta é uma tendência preocupante não apenas para a política, mas também para campos como o jornalismo, a educação e a ciência. Exemplos disso vêm prontamente à mente quando se pensa nos negacionistas das mudança climática ou do Holocausto. Coisas como o método científico, a verificação de fontes e de factos deixaram de ser particularmente relevantes.

Nas suas palestras, Hegel tenta identificar as etapas do desenvolvimento da história. A Antiguidade é caracterizada pela identificação imediata e irreflectida com o todo. Há uma harmonia do indivíduo no seu papel de membro da família, cidadão e assim por diante. Neste retrato, os indivíduos são como crianças que ainda não estão totalmente maduras ou capazes de tomar decisões racionais por conta própria. Eles ainda não são totalmente gratuitos. A modernidade é caracterizada por um sentimento de alienação que leva à rebelião e desarmonia. O indivíduo sente-se compelido a afirmar-se contra a família, a escola, o Estado ou outras instituições superiores. Esta é a mentalidade dos românticos nos dias de Hegel - e nos nossos próprios tempos. 

De acordo com a teoria da história de Hegel, cada período tem sua própria justificação: “Cada etapa no desenvolvimento da ideia de liberdade tem seu o próprio direito especial, pois é a existência da liberdade em uma das suas próprias determinações.” 
A liberdade é algo que surge lentamente ao longo dos milénios, e com ela a concepção do que é ser-se humano desenvolve-se. O único princípio necessariamente produz o seu oposto. A ideia de Hegel é que precisamos encontrar o tipo certo de equilíbrio entre os dois extremos, do tradicionalismo e individualismo, um que preserve o sentido de comunidade e solidariedade que encontramos nas culturas antigas, mas que deixasse espaço para o desenvolvimento do indivíduo . Claramente, ainda não estamos no ponto na história em que alcançamos esse equilíbrio.

A conexão entre a nossa concepção de natureza humana e a nossa ideia de verdade nem sempre é imediatamente óbvia. Mas, como vimos, essas coisas estão intimamente ligadas. Quando os humanos começaram a reconhecer algo importante e irredutível sobre a esfera interna do indivíduo, uma mudança ocorreu gradualmente na noção de verdade. Com o tempo, a ideia de uma verdade fixa no mundo externo começou a desgastar-se e conceitos como verdade subjectiva (Søren Kierkegaard), perspectivismo (Friedrich Nietzsche) e o adiamento indefinido de significado (Jacques Derrida) começaram a emergir. 

Esse desenvolvimento culminou agora na negação completa de qualquer verdade ou validade objectiva. Quando essa visão se estabelece, as pessoas sentem que têm a liberdade de inventar a sua própria ficção e afirmá-la como realidade, mesmo que sua versão ficcional esteja em total contradição com factos objectivamente verificáveis, lei estabelecida, costume aceite ou princípios éticos evidentes. Qualquer evidência objectiva que pareça estar em conflito com os seus pontos de vista, são rejeitados como uma violação dos seus direitos enquanto indivíduos.

Para muitas pessoas, esta é uma tendência perturbadora no nosso mundo moderno, pois elimina todo o sentido de responsabilidade pessoal ou de culpabilidade. Mesmo o comportamento ou acção mais hedionda pode sempre ser justificado com um apelo à verdade do indivíduo. Embora ninguém tenha interesse em minar a individualidade, há um sentimento crescente de que precisamos encontrar uma maneira de recuperar a ideia de objectividade e verdade externas. Só assim será possível superar a alienação, restaurar um debate político significativo e criar as condições para o indivíduo florescer numa comunidade mais ampla.


(tradução minha)

3 comments:

  1. Só tu mesmo para me fazer sair da esfera do romance e descer à realidade. Mas ainda bem que o fazes.
    É curioso que, há bocado, eu e o Miguel estivemos a falar sobre as vantagens de Portugal se tornar uma região autónoma de Espanha, ou algo psrecido, para juntos, nestes novos tempos que vão ser de mudança na Europa, podermos fazer frente a novos desafios....

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  2. what?? ó Manuela tu não digas uma heresia dessas, olha que eu tenho o nome da Brites, sou Beatriz... deus me livre!

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  3. Isso foi o que eu lhe disse. Sempre lutámos contra os espanhois, como é que iamos aceitar isso? Do ponto de vista económico e de relações internacionais seríamos uma potência. O problema é que há a questão da identidade..Manuela Já eu sou! 🤣

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