October 25, 2020

Quando as controvérsias incluem sofismas

 


Dia 23 – democracia ou não?

O argumento mais descabido para rejeitar o referendo é o de que “os direitos humanos não se referendam”. A frase tem sido insistentemente repetida, mas não podemos aceitar que Goebbels estivesse certo quando disse: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. A ideia de que direitos humanos não podem (ou não devem) ser referendados é falsa.


Li este artigo de José Ribeiro e Castro e devo dizer que não gostei e me pareceu até fora do tom que lhe é costume. Percebe-se que certas questões suscitem debates emotivos, o que até é interessante na vida democrática de um país, mas não há necessidade de os discutir em certos patamares. Refiro-me à comparação que faz entre os que dizem que “os direitos humanos não se referendam” e Goebbels, o fanático anti-semita ministro da propaganda de Hitler que anunciou a guerra total ao mundo e matou a mulher e os sete filhos antes de se suicidar. Parece-me uma inconsequência de linguagem e levar o argumento longe demais. Se uma pessoa que defende que os direitos humanos não se referendam é um perigoso nazi, como vamos classificar os outros todos que matam, esfolam, torturam e por aí fora?

Já quanto à própria frase segundo a qual “os direitos humanos não se referendam” e às criticas que JRC lhe dirige, que é a de efectivamente podermos, se quisermos, mudar, alterar e o mais que quisermos fazer à Carta dos Direitos Humanos, o que me apraz dizer é o seguinte:

- quando se diz que “os direitos humanos não se referendam”, não se está a defender a impotência do ser humano em alterar frases numa carta de princípios. É evidente que se quiséssemos mudar a Carta, mudávamos. A questão está mal entendida: de facto, entendemos que seria um grave precedente retirar direitos à Carta dos Direitos Humanos. Não é que não se possa fazer, mas não se deve. Imagine-se retirar o direito à liberdade de expressão ou outro dos direitos fundamentais. 

A Carta dos Direitos Humanos foi um grande passo em frente na comunidade humana. Por causa dela, pese embora, infelizmente, ainda continue a haver abusos e violações de direitos humanos, estes já são entendidos como um mal e quem os faz fá-los às escondidas, onde até há um século, se faziam em plena luz do dia sem problemas. Ainda hoje se fazem em certos países totalitários. Portanto, referendar direitos humanos seria dar um grande passo atrás. 

Embora a frase seja incorrecta e em vez de dizer 'não referendar direitos humanos', devia dizer-se, 'não se referenda a subtracção de direitos humanos', porque é isso que está em causa. E os exemplos que JRC adianta de referendos à Constituições nunca são no sentido de retirar direitos humanos, a não ser nos Estados autoritários e de tendência ou claramente ditatoriais (quando o são são logo alvo de críticas ou sanções, como o caso da Hungria e Polónia), mas no sentido, seja de acrescentar novos direitos ou de precisar a linguagem com que são enunciados.

Não passaria pela cabeça de ninguém ir à Constituição portuguesa e retirar o direito ao voto, ao trabalho, ou outro qualquer, embora na prática se o quiséssemos fazer, claro que o faríamos. Depois de ter citado Goebbels, JRC compreende perfeitamente que nesta vida, tudo é possível mas, não desejável. Retirar direitos humanos, é possível, mas não desejável.


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