October 25, 2020

Os pequenos ofícios

 



Les « PETITS MÉTIERS » de Louis VERT - © Louis Vert / Musée Carnavalet
1900-1906

Durante a homenagem prestada a Louis Vert em 1925, poucos meses após a sua morte, a Societé d'Excursions dês Amateurs de Photographies, reconheceu a qualidade da obra deste artista amador. Em 2009, as fotografias de Louis Vert foram expostas no museu Jeu de Pomme. O catálogo desta exposição sobre fotógrafos amadores por volta de 1900 nas colecções da Sociedade Francesa de Fotografia descreve-o como um "pioneiro da foto-reportagem".

Nascido em Paris em 1865, ingressou na Societé d'Excursions dês Amateurs de Photographies em 1904 para aperfeiçoar as suas capacidades e rapidamente foi baptizado como 'projeccionista oficial dos eventos parisienses'.

Focando-se, sobretudo, nos vendedores ambulantes, adopta uma atitude de documentarista.


Un chiffonnier - um trapeiro


Arracheur de dents en pleine action - Um extractor de dentes em acção. Em 1910 havia 110 consultórios odontológicos em Paris. No entanto, a higiene bucal é inexistente e em vez de limpar os dentes prefere-se ir arrancar o dente doente, porque custa menos. Na rua a operação é um espectáculo que atrai muitos curiosos. Como qualquer bom vendedor ambulante, o arrancador de dentes tem um discurso de vendas que profere enquanto pratica o acto, às vezes acompanhado por músicos para melhor captar a atenção do público. Os troféus sangrentos acabados de tirar da boca dos doentes são exibidos em público e arrancam aplausos. Galvanizado pelo incentivo, vende os seus produtos milagrosos engarrafados para o propósito: cravo, absinto e extracto de ópio. 
Também se vê um vendedor de lotarias com a roda da sorte.



Colleur d'affiches - Colador de posters



Nettoyeur de réverbères, sur le parvis de Notre-Dame - limpador de lampiões de rua



Arroseur à la lance, place de la Concorde - lavador de jacto, de rua (na Praça da Concórdia)



Des ouvriers travaillent à la mise en place des rails de tramways - trabalhadores da companhia dos eléctricos a arranjar as linhas



Deux égoutiers - homens dos esgotos



Marchande de glaces - Os sorveteiros são populares entre as crianças. Os gelados não custam quase nada: um ou dois quilos de gelo para triturar, um pouco de potássio e ácido de nitrogénio para colorir, uma carrinha para armazenar e algumas frutas. 



Un rétameur - Um funileiro. O fulineiro retira o estanho velho de utensílios deteriorados, tapa os buracos no fundo de panelas, bacias, cafeteiras de lata e ele mesmo compõe, no seu fogão, a liga para cobrir uniformemente o objecto a ser devolvido, como novo. Para se proteger de queimaduras, usa um grande avental de couro. O funileiro também trata de espelhos aos quais devolve o brilho cobrindo-os com uma fina camada de latão.

O funileiro, depois de ter enumerado os caldeirões, as panelas e tudo o que enlatou, entoou o refrão: "tam, tam, tam, sou eu que retino, até o macadame, sou eu que coloco os fundos em todos os sítios, que tapa os buracos, buraco, bruraco" (Marcel Proust- A Prisioneira, 1923)




Gratteuses de papiers de fromage - Raspadoras de papel de queijo. As raspadoras reconstituíam queijo a partir dos restos colados nos papéis de embrulho e vendiam: serviam para pôr em sopas, derreter e fazer certas iguarias.



Deux hommes-sandwich - Os homens-sanduíche ou «camelots» vendiam canções satíricas, brochuras, artigos para vitrinistas e comerciantes, stencils de posters, para parede ou armário, etc.




Le ramassage des poubelles - Os homens do lixo. Durante muito tempo os parisienses deitavam o lixo para a rua ou para fossas. Em 1883, Eugène Poubelle (poubelle traduz-se por, 'lixo'), perfeito do Sena, assina o famoso decreto que obriga os proprietários a fornecer, cada um deles, aos seus locatários, um recipiente de madeira forrado a ferro, coberto, para guardar o lixo. Paralelemente, inicia um serviço de recolha de lixo dessas caixas rapidamente chamadas, poubelles. Era obrigatório ter 3 caixas: uma para a matéria putrescível, outra para papéis e tecidos e outra para vidro, faiança e conchas de ostras. Essa colecta foi feita, até ao início do séc. XX, por carros puxados a cavalo e só a partir de 1920 por veículos motorizados. (quando pensamos que em Portugal, só há uma dúzia de anos temos separação de lixo...)



Les Bitumineurs - betumeiros



Balayeuse - varredora



Le nettoyeur de vespasiennes - limpador de urinóis



Marchande de soupe aux Halles - vendedora de sopas



Photographe ambulant aux Halles - fotógrafo ambulante



Marchand d'abat-jours (ou de moustaches), pont d'Arcole - comerciente de abat-jours 



Marchand de fouets aux Halles - comerciante de chicotes



Marchand de plans de Paris conversant avec un marchand de papier d'Arménie - comerciente de mapas de Paris com um vendedor de papel, da Arménia


Marchande de coco et marchande de jouets aux jardin des Tuileries - comerciante de côco



Marchande de fleurs - florista



Marchande de café au lait aux Halles - vendedor de leite com café


Marchande des quatre-saisons a Les Halles - Vendedor de frutas.

Para exercer esta profissão, era necessário ser francês, ter vivido em Paris há, pelo menos, 3 anos, ter pelo menos 30 anos, comprovar a total falta de recursos, apresentar atestado médico atestando desamparo ou problemas de saúde ou, se necessário, um atestado de vítima de guerra ou de viúva e ficha criminal limpa. Ou seja: tem que estar velho, fraco ou com a saúde debilitada, para ter o direito de arrastar o carrinho pelas ruas de Paris, depois descer e estacionar à noite, antes de retornar a Les Halles às 5 da manhã.



Marchande d'oublies (petites gaufres légères) au jardin des Tuileries - A 'oublie', termo que vem do latim,  oblata, que quer dizer hóstia, é uma espécie de gauffre (waffle) muito leve, feita com farinha, ovos, mel, às vezes vinho. Vendedores de gauffres ainda se vêem, ou pelo menos viam, há uns anos, nas ruas de Bruxelas. São óptimas.



Nettoyeur d'aiguilles de tramway - limpadores de agulhas de eléctrico



Recouseuse de sacs de plâtre - costureira de sacos de gesso (imagina-se o que seria este ofício? O dia inteiro a inalar o pó de gesso naquele canto esconso e miserável?)



Rempailleur et sa voiture à bras - empalhador de cadeiras num carro puxado a braços (já fiz este trabalho de empalhar cadeiras de palhinha, quando tinha 18 anos, no ano do propedêutico, para comprar as minhas coisas sem ter que pedir dinheiro. Era um trabalho de part-time sem dias marcados. Ia quando podia. Ao fim de um mês fazia aquilo tão bem que despachava uma cadeira de baloiço numa manhã, coisa que os outros dois que lá andavam a fazer o mesmo que eu (para arranjar dinheiro para... cenas - deviam andar pelos vinte e poucos anos) levavam uma semana a fazer. Às vezes não fazia as coisas mais depressa porque trabalhava a ler. O dono da oficina também vendia livros em 2ª mão. O homem pagava-me bem até me aumentou ao fim de dois meses. Nunca me fez perguntas. Um tipo decente e que percebia muito sem o dizer. Isto vejo eu agora, não na altura. Enfim...lembrei-me disto agora.)


Tondeurs de Chiens - Tosquiadores de cães. Por volta de 1900, não havia salão de beleza para os "companheiros de quatro patas". Era nas margens do Sena, ou do Canal Saint-Martin, que se encontravam esses tosquiadores de cães.



Matelassières sur les quais - colchoeiras: cosiam, encordooavam, empalhavam, reparavam.




Un vendeur ambulant - vendedor ambulante



Vannier (ou ramoneur?) - fabricante de cestos ou limpador de chaminés?



Le passeur de sable - o barqueiro de areias: extrai e peneira as areias dos rios e depois vende-as.



Après le passage du marchand de sable ... - depois de passar o mercador de areias...


fonte: argentic


Estas fotografias extraordinárias dos pequenos ofícios e seus artesãos faz-me lembrar o Par de Botas de Van Gogh. Vidas duras, perto do chão, com as cores que pisam todos os dias a calcorrear a cidade ou a cavar e debulhar os campos. Visas pesadas, despidas de artifícios e gastas até ao último buraco da sola. Alguns dos trabalhos que se vêm nestas fotografias e as pessoas que os vemos a fazer são tão... tristes e precários. Vidas de Inverno sem Verão. A vida mudou muito, apesar de tudo.



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