July 07, 2020

O Presidente e a AR suicidaram-se juntamente com a oposição - só nos restam os juízes para não ficarmos à mercê do autoritarismo governativo



O Governo tem vindo sistematicamente a legislar através de resoluções do Conselho de Ministros, que não necessitam da promulgação do Presidente da República.
Luís Menezes Leitão 


A crise de enormes proporções que o país atravessa deveria ter conduzido a uma actuação conjunta dos diversos órgãos de soberania no sentido de a mesma ser ultrapassada. É esse o nosso modelo constitucional, onde se prevê que o estado de emergência é decretado pelo Presidente da República, após autorização do Parlamento, cabendo ao Governo apenas a sua execução. E a Constituição tem o cuidado de referir que o estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na lei, não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania.

Sucede, porém, que desde que se procedeu ao levantamento do estado de emergência estamos a assistir a uma gestão da crise exclusivamente pelo Governo, sem qualquer intervenção do Parlamento e muito menos do Presidente da República. É por isso que o Governo tem vindo sistematicamente a legislar através de resoluções do Conselho de Ministros, que não necessitam da promulgação do Presidente, e através das quais se têm restringido gravemente os direitos fundamentais das pessoas, sem que nenhum outro órgão de soberania se tenha incomodado com esta situação. Especialmente preocupante é o facto de o Presidente da República, como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, não estar minimamente preocupado com esta nova forma de aprovar diplomas, que, pelos vistos, já não necessitam da sua promulgação.

Mas a oposição no Parlamento também tem andado completamente desaparecida, parecendo que estamos com um Governo de maioria absoluta. As propostas legislativas que o Governo apresenta são sistematicamente aprovadas, independentemente das contradições que contêm, das discriminações que estabelecem ou até das graves consequências que acarretam. E, sobre isto, os partidos da oposição, se é que ainda existe alguma, dizem pouco ou nada. Um simples debate no Parlamento é para o principal partido da oposição um filme de terror, dado que nada tem a criticar ou qualquer medida alternativa a sugerir. Não admira, por isso, a proposta que apresentou de acabar com os debates quinzenais com o primeiro-ministro, um dos poucos momentos nesta crise em que se tem visto o primeiro-ministro a explicar a situação perante os representantes do povo.

Não seria de estranhar, perante uma crise gravíssima e que todos os dias aumenta, que o primeiro-ministro procurasse evitar ir ao Parlamento. Recorde-se a iniciativa de Boris Johnson de suspender o Parlamento britânico em Agosto passado, precisamente para elidir a sistemática perda de votações que estava a ter no caso do Brexit, iniciativa essa que acabou rechaçada nos tribunais. Em Portugal, no entanto, o absurdo é de tal ordem que a iniciativa de dispensar o primeiro-ministro de ir ao Parlamento não é do próprio, mas antes do líder da oposição, contribuindo este assim para a diminuição do papel do Parlamento quando o seu objectivo deveria ser o inverso.

Após o desastre militar de Dunquerque, na hora mais negra da democracia britânica, foi no Parlamento de Londres que Churchill pronunciou o seu célebre discurso anunciando: “Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos a nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas. Nunca nos renderemos”. Com a enorme crise que Portugal hoje atravessa, é no Parlamento que se espera que o primeiro-ministro anuncie o resultado das batalhas que travamos, mesmo que o líder da oposição não o queira. É preciso que termine esta governamentalização do regime e que todos os órgãos de soberania voltem a assumir o seu papel constitucional.

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