As the Ancient Greeks knew, frankness is an essential virtueHartmut Leppin
Em debates públicos, a palavra de um vendedor ambulante deve contar tanto quanto a de um aristocrata bem educado? A democracia clássica ateniense foi baseada nessa premissa. Todo o cidadão ateniense tinha o mesmo direito de falar sobre todos os assuntos discutidos na assembleia popular. Os gregos antigos chamavam-lhe parrhesía, uma palavra baseada nas raízes pas/pan (tudo/toda a gente) e résis (discurso/ palavra). Os defensores da democracia esperavam que a soma das contribuições de muitos indivíduos diferentes levasse à melhor decisão. Mas a história da parrhesía demonstra que essa ainda é uma questão em aberto: se a democracia se deve basear num direito atribuído a todos os cidadãos ou na virtude dos mais instruídos.
Depois que Atenas ter perdido a Guerra do Peloponeso (431-404 AEC) contra Esparta o princípio da
parrhesía foi atacado: muitos observadores atribuíram a derrota à assembleia popular, guiada por 'demagogos maliciosos', que tomaram más decisões. Platão opôs-se à ordem democrática de seu tempo, em parte por causa do exagero da liberdade de expressão. O mestre de Platão, Sócrates, parece elogiar Górgias, o retórico, pela sua falta de timidez, um aparente exemplo de
parrhesia, mas o que ele pretende é fazer uma caracterização condenatória de um homem sem qualquer senso de responsabilidade, uma falha que Platão descreveu como característica da democracia ateniense. Em contrapartida, o proeminente Demóstenes, contemporâneo mais jovem de Platão, definiu a
parrhesía como a sua virtude particular, alegando que possuía um conhecimento superior e que estava disposto a correr o risco de dizer a verdade.
Apesar de terem diferentes visões sobre os méritos da democracia, Demóstenes e Platão compartilhavam a convicção de que não bastava alguém dizer algo e que a competência para falar de maneira significativa não devia ser baseada apenas na igualdade, mas estar relacionada com uma autoridade pessoal e intelectual . Com a emergência de grandes estados monárquicos no mundo mediterrâneo desde Alexandre, o Grande (336-323 AEC), as democracias perderam importância. Correspondentemente, a parrhesía transformou-se numa virtude de elite, especialmente de filósofos. É claro que falamos de homens (poucos escritores antigos consideravam as mulheres capazes de agir/falar com parrhesía) que possuíam tanto a capacidade intelectual quanto a autoridade pessoal para usar a parrhesía. Eles podiam fazer isso em público, mas o seu campo principal eram as relações pessoais. Desta maneira, a franqueza tornou-se uma virtude interpessoal.
Os epicuristas e Plutarco insistiam no dever dos amigos de exibir
parrhesía. A obrigação de não apenas criticar francamente os erros morais cometidos por amigos, mas também de aceitar críticas francas de amigos sem raivas nem vinganças. Plutarco, no entanto, diferia dos epicuristas quando se tratava da maneira pela qual a
parrhesia deveria ser expressa. Os filósofos epicuristas consideraram necessário suportar até as críticas mais cruéis, desde que fossem cogentes; Plutarco enfatizou que as críticas tinham que ser diplomáticas e oportunas. Esperava-se que os
parrhesiastaí (aqueles que fazem as críticas) corressem o risco de perder os seus amigos.
A
Parrhesía permaneceu uma importante virtude política nesta época. Agir com
parrhesía tornou-se uma característica positiva dos conselheiros reais. Todo o orador sublinhava que falava com
parrhesía, mas essa atitude, em alguns casos, não passava de uma estratégia retórica para lisonjear o suposto destinatário da franqueza: alegar usar
parrhesía implicava que os criticados eram virtuosos o suficiente para ouvir e considerar críticas. Ao mesmo tempo, os cínicos eram notórios pela sua franqueza provocadora, que não poupava nem amigos nem inimigos e poderia até visar o imperador. Às vezes punidos, os cínicos costumavam receber elogios pela sua coragem. Acima de tudo, o seu amor à verdade, induzia respeito.
Muitos aristocratas helenísticos e romanos esforçaram-se por cumprir os ideais filosóficos e o ideal da
parrhesía. Permitia a exibição pública de pelo menos duas virtudes filosóficas importantes: coragem e autocontrole. Ao reconhecerem suas falhas, os criticados mostraram que não eram tiranos. Dessa forma, a franqueza também era útil para os repreendidos. Jogavam um jogo
parrhesiástico.
O filósofo francês Michel Foucault era fascinado por esse tipo de discurso verdadeiro. Especificamente, pelo papel dos
parrhesiastés, dos quais se esperava que desconsiderassem os seus interesses pessoais e superassem o medo, a fim de dizer a verdade. Para descrever essa idéia, em 1983, Foucault cunhou a palavra
véridiction (contar a verdade). É notável que Foucault - que entendeu o poder dos discursos melhor do que ninguém - tenha atribuído tanta importância a esse papel independente, que desempenhou uma função crucial na sua genealogia da liberdade. Foucault não era (e não afirmou ser) um historiador. Em vez disso, queria explorar o que tornava possível certos conceitos modernos e, portanto, ignorava desenvolvimentos históricos que pareciam becos sem saída - por exemplo, a história da
parrhesía na antiguidade tardia.
Na helenística, os judeus definiram um recurso adicional de
parrhesía: a confiança em Deus. O verdadeiro crente era capaz de agir com
parrhesía diante de Deus e da humanidade. Os cristãos seguiram essa linha de pensamento. Os mártires serviram de exemplo desse conceito: pronunciaram publicamente as suas convicções sabendo que morreriam por eles. Tendo mostrado
parrhesía na vida, compareciam diante de Deus e podiam falar com ele com
parrhesía, a fim de salvar as almas de outros cristãos. Tanto da perspectiva judaica quanto da cristã, as mulheres podiam demonstrar essa confiança em Deus da mesma maneira que os homens - um importante afastamento do mundo clássico.
No século IV, quando o cristianismo se tornou a religião imperial, os cristãos eram muito menos propensos a serem martirizados. Em vez disso, os monges, e especialmente os ascetas, tornaram-se famosos pela sua
parrhesía. Os cristãos da antiguidade tardia faziam questão de sublinhar que os seus heróis da franqueza não eram da classe educada, mas pessoas comuns, muitas vezes nem mesmo capazes de falar grego. No entanto, o cristianismo elevou-os, para serem considerados filósofos reais porque viveram e morreram por suas crenças. Sofrendo sob o seu ascetismo auto-imposto, os monges provaram a força e sinceridade de sua crença. A característica básica do jogo
parrhesiástico permaneceu a mesma de sempre: os ascetas enfrentariam até imperadores que não ousavam atacá-los; fazendo isso, os ascetas demonstraram coragem. Os imperadores que pareciam humilhados mostraram sua piedade ouvindo pacientemente as repreensões. Duas virtudes cristãs foram encenadas em tal contexto. Essa idéia de franqueza virtuosa era tão crucial para os cristãos que a
parrhesía se tornou uma palavra de empréstimo em aramaico (siríaco), copta e árabe.
A história da franqueza, no sentido clássico, revela um dilema do papel do discurso público. A liberdade de expressão é um direito civil básico, mas ninguém pode ignorar a facilidade com que esse direito é mal utilizado. A falta de conhecimento e a falta de responsabilidade tornam a liberdade de expressão um direito arriscado. No entanto, mesmo que um falante possua essas qualidades, mesmo que ele ou ela seja ouvido, o jogo
parrhesiástico pode começar de novo.
Hoje, uma garota que não sorri e até mostra sinais de evidente sofrimento tornou-se a nossa
parrhesiastés mais popular. Greta Thunberg é a contadora da verdade que depende da autoridade do conhecimento científico para nos explicar como decidir sobre o nosso futuro. O poder desse papel na história, nas suas diferentes formas, é certamente uma das razões de seu impacto dramático. No seu papel, no entanto, ela também oferece uma oportunidade para aqueles que ela repreende de encenar a sua disposição de ouvir e aplaudir o rígido crítico, numa longa tradição. Mas este pode ser apenas o primeiro passo.
No comments:
Post a Comment