April 09, 2020

NÃO, NÃO HOUVE PICO DE INFECTADOS! E COMO SABER POR SI MESMO SEM OUVIR TELEJORNAIS



NÃO, NÃO HOUVE PICO DE INFECTADOS! E COMO SABER POR SI MESMO SEM OUVIR TELEJORNAIS
Jorge Buescu
Mereceu grande destaque na Comunicação Social a reunião de ontem à porta fechada no Infarmed, entre a classe política e as autoridades sanitárias, na qual terá sido afirmado que o “pico” poderia ter ocorrido em Março passado. Esta afirmação, de paternidade nunca assumida, foi dada em todos os telejornais em cambiantes ligeiramente diferentes: poderia ter sido na semana de 23 a 27 de Março, no dia 26 de Março ou em “finais de Março”. O Expresso noticiava à noite 26 de Março, tendo entretanto alterado para “finais de Março”).
Vou supôr, em todo este artigo, que esta afirmação se refere ao pico de infectados activos, que é a variável relevante dos modelos epidemiológicos do tipo SIR e em termos práticos é a que realmente nos interessa como cidadãos: é o número de doentes que hoje têm a doença. E reafirmo que, como sempre fiz, os meus cálculos têm por base exclusiva os Boletins da DGS, que tomo como bons.
Será então verdade que o pico desta curva foi atingido em Março?
A resposta é o mais rotundo “NÃO!”
Não sei de onde surgiu a afirmação fantasiosa de que o pico de infectados já teria sido atingido. Qualquer pessoa que faça modelação, como a minha equipa, ou mesmo que faça um simples fit aos dados, como há tantos cidadãos a fazer, sabe que a curva dos infectados activos passou o ponto de inflexão, deixando a fase exponencial, em 31 de Março-1 de Abril, e está agora na fase sigmóide de subida para o pico. A manterem-se os parâmetros actuais este será atingido nunca antes da segunda quinzena de Abril, mais provavelmente para o final do mês.
Dizer que houve um pico de infectados em Março é não apenas uma afirmação errada como, na minha opinião, extremamente perigosa pois induz em erro, transmitindo a uma sensação de falsa segurança e a um eventual relaxamento no cumprimento das medidas de contenção. Estamos em plena subida para o pico dos infectados activos, que é a altura mais perigosa do surto.
É muito fácil compreender que é errada. O leitor pode detectar no conforto de sua casa quando é atingido o pico no número de infectados activos, da forma que vou explicar. O número de infectados activos em cada instante é o número de novos infectados, ou casos confirmados (C), surgido de um dia para o outro, subtraído do número de casos de doentes entretanto removidos (R), que são os recuperados mais os óbitos.
Portanto a receita para calcular o número de novos infectados activos a partir dos Boletins da DGS é muito simples: sendo os números que aparecem nos Boletins os totais acumulados, basta comparar Boletins da DGS de dois dias consecutivos e fazer as diferenças para saber os números de novos casos, novos recuperados e novos óbitos de um dia para o o outro. Basta fazer três contas de subtrair.
Calculamos o número de novos infectados fazendo a diferença entre os casos confirmados (NC) de um dia e os do dia anterior; calculamos o número de novos recuperados (NR) e de novos óbitos (NO) da mesma forma. E agora fazemos a diferença, para calcular o número de novos infectados activos: NA= NC – (NR+NO). Enquanto este número for positivo, ainda estamos a crescer em direcção ao pico pois o saldo é positivo. Quando este número passar a negativo, passámos o pico, passando a ter cada vez menos infectados activos. O mais provável é que esta transição não seja brusca, num só dia, e que quando estivermos a passar pelo pico este número tenha pequenas flutuações diárias entre positivo e negativo – o famoso “planalto” de que fala a DGS.
Mas, que não haja dúvidas: ainda estamos muito longe dele!
Dou um exemplo destes cálculos com as contas de hoje. Anexo os Boletins da DGS de hoje e de ontem (note-se que os dados do Boletim de cada dia são sempre relativos ao dia anterior). Neles podemos verificar que, no Boletim de 7/4/2020, havia os acumulados de 12442 confirmados, 184 recuperados e 345 óbitos. No de hoje, 8/4/2020, há o acumulado de 13141 confirmados, 196 recuperados e 380 óbitos. Portanto NC = 699, NR = 12, e NO = 35. Consequentemente, o número de casos activos teve a variação NA = 699 - (12+35) = 652. Há mais 652 casos activos do que ontem. Contra factos não há argumentos: estamos a subir a montanha dos infectados em direcção ao pico, que ainda está longe.
Esqueçamos afirmações vagas e enganadoras: a partir de hoje cada um de nós pode fazer as contas no conforto do lar, por si próprio, a partir dos boletins da DGS, e extrair a conclusão sobre o que está na realidade a acontecer, sem ler jornais ou ouvir telejornais. E ter a certeza de quando é atingido o pico, e ver quanto tempo ficaremos no planalto, e verificar quando a curva começa a descer, e a que ritmo essa descida se dará. Mas isto ainda está tudo no futuro: nunca acontecerá antes da segunda quinzena de Abril, e isto se mantivermos a nossa disciplina colectiva como até aqui.
A afirmação de que teríamos atingido o pico, além de errada, parece-me extremamente perigosa, pois induz uma falsa sensação de segurança na população, levando-a a pensar erradamente que "já conseguimos", afrouxando os comportamentos que tão bons resultados têm dado, alterando os parâmetros e pondo em risco a evolução futura das curvas. E isso, numa altura como a Páscoa, transmite todos os sinais errados à população.
Pessoalmente, estou muito desiludido com a falta de rigor com que este assunto está a ser tratado. Como escrevi ontem, afirmações erradas como esta lançam falsas expectativas para consumo geral, dando a ideia de que somos tratados como crianças que não estão preparadas para ouvir a verdade e têm de a ir recebendo em doses homeopáticas. Para que o sacrifício de todos nós compense é necessário que toda a informação seja rigorosa e passe a ser comunicada com as maiores transparência e clareza.
Jorge Buescu
8/4/2020
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