February 15, 2020

'We need a new romanticism' II



Tem piada ter ido dar hoje com aquele artigo acerca da necessidade de uma contra-cultura deste novo cientismo ressurgente. É que ontem de manhã, numa aula, estive a falar disso com uma aluna.

Tenho esta aluna do 12º ano de quem gosto muito, muito. A rapariga tem imenso valor. Às vezes tenho vontade de a citar como exemplo em outras turmas, o que não faço, claro, nem isso resultaria. A rapariga teve um início de vida tão, tão difícil e desmoralizante... ainda tem uma vida difícil, mas isso não a demove. Ela lê e lê a sério. Anda a ler os clássicos. Dos americanos ao Kafka, dos franceses aos russos... lê em português, em espanhol  e em inglês. Ontem, estando a turma a fazer um trabalho em grupo falámos um bocadinho. A conversa começou com o Bernardo Soares, que estava a ler. Disse-me, 'professora, o Pessoa não ressoa em mim, não sei porquê. Gosto do romantismo e de traços do gótico que se aproximam do romantismo' Perguntei-lhe se sabia  porque gostava do romantismo e ela disse-me que sim, que gostava dos grandes contrastes e acima de tudo do respeito quase religioso pela grande Natureza. Perguntei-lhe se já tinha lido o Frankenstein de Mary Shelley. Disse-me que não mas queria ler (tenho que ir procurar o livro porque fiquei de lho emprestar). Que sabia que ela fazia uma crítica ao cientismo e à visão fechada que a ciência tem sobre a realidade que produz um desrespeito pela Natureza e uma falta de profundidade introspectiva (palavras dela). Depois disse-me que encontrava paralelismo entre a Mary Shelley e o Machado de Assis nessa questão das advertências aos excessos perigosos da ciência.

Pois é :) tenho uma aluna adolescente que lê Machado de Assis e que reflecte sobre a ciência, a realidade, os movimentos realistas, intelectualistas e românticos e a sua importância para a sobrevivência da humanidade, interior e exterior, mais ou menos ao mesmo nível (entre aspas, claro, mas a verdade é que ela, com menos estudo, experiência e leituras já chegou às mesmas conclusões) que Jim Kozubek, um adulto de Cambridge, Massachusetts, escritor, biólogo, especialista em escrita sobre ciência.

E o que é que isto me faz pensar? Que nesta profissão, de vez em quando, vamos dar com pessoas fora do vulgar. E que pessoas fora do vulgar, num sentido positivo, quer dizer, com muito valor, existem em qualquer ponto do mundo, porque o seu valor vem de dentro e não do mundo.

Ela é uma pessoa com poucas posses. No entanto, aqueles livros que já leu e tem certeza que não vai voltar a ler dá para a biblioteca, para que outros com pouco dinheiro também possam ler. É isto... estas pessoas fazem-me ter esperança que o futuro não está condenado.


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