January 09, 2020

Nas relações internacionais, o que conta mais não é o que se faz mas a maneira como se faz




Ontem ouvi a declaração de Trump e enquanto estava a ouvi-lo, a sensação de estranheza de o ouvir a fazer um discurso ponderado, coerente, apaziguador e composto era tão grande que pensei, 'isto parece um actor, daqueles sósias que os políticos importantes têm, a recitar um texto ensaiado'.

É certo que percebemos que há informação que não nos foi dita, é certo que Soleimani era uma das faces mais perversas e ditadoras do regime, um protegido do duríssimo Khamenei, é certo que o regime iraniano é um regime teocrático cruel, é certo que o regime iraniano é um destabilizador da região; no entanto, nada disso justifica o assassinato de um chefe oficial de um governo reconhecido internacionalmente com o qual não se está em guerra, sem autorização da ONU, sem autorização ou acordo dos parceiros da NATO e sem sequer se darem ao trabalho de avisar o Iraque, país de onde lançaram o ataque e cuja relação com o Irão é muito delicada, como se o Iraque fosse uma colónia dos EUA.

Parece-me a reacção de um impulsivo indignado. Não ponderou que as consequências de matar um general de um outro país poderão ser muito superiores às consequências de ter que lidar com os seus atos, mesmo que se considere o general um terrorista. O acto de o mandar assassinar é em si mesmo, também um acto terrorista, de consequências internacionais graves e imprevisíveis. E nem falo na ameaça de destruir sítios classificados pela UNESCO que é coisa própria de talibãs e daesh...

Este modo de agir, à bruta e ignorando todas as regras da diplomacia internacional, abre um precedente que me parece muito perigoso, de autoritarismo global. Um primado de relações baseadas na força, derrubando leis e acordos internacionais. Vir, depois do acto consumado, apelar à negociação com o Irão e ao apoio dos parceiros da NATO, parece-me uma exigência dos assessores de Trump para tentar salvar alguma coisa do naufrágio, por assim dizer.

A única maneira de salvar esta situação que está como um barril de pólvora deixado à porta de um armazém a arder, seria os EUA pagarem com muito dinheiro a morte do homem, o que é o mesmo que dizer, levantarem as sanções e embargos ao Irão. Não acontecendo isso e estando o Iraque cheio de milícias que apoiam os radicais iranianos, tudo pode acontecer.

Ao contrário do que por aí se diz, parece-me que as cautelas da UE neste assunto e o low-profile da sua acção diplomática são sinais positivos. Nestas situações de conflito, o mais empenhado, não o que faz mais bullying, é que no fim vence.


2 comments:

  1. O Iraque é uma colónia dos Estados Unidos.....

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  2. mas não é... é um país numa situação difícil desde que o Irão os invadiu. Precisa de ajuda mas em contrapartida dá muito petróleo. Não devia ser tratado desta maneira. É uma falta de sensibilidade tremenda.

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