December 17, 2019

A educação: a questão metafísica e a arte




Há uns bons anos tive um dia uma discussão com um sobrinho que queixava-se de ter que aprender literatura na escola. Estava no fim do secundário e dizia que, tendo escolhido um curso na área das ciências, não tinha que aprender Camões, Pessoa, Eça, etc., uma vez que não ia 'usar isso para nada'. Só precisava de saber escrever.

Tentei explicar-lhe que a educação não se reduz a ferramentas para uma profissão, que forma também a pessoa porque a vida é mais que ter uma profissão, que os bons escritores dão-nos visões e experiências importantes para a vida, que as palavras são o conteúdo da riqueza da nossa paisagem interior, emocional e intelectual... enfim, nada o convenceu porque estava cimentada nele a ideia de que a escola tem a função exclusiva de formar para se ser um profissional e cidadão útil.

É muito comum os alunos fazerem-nos estas perguntas? Para que tenho que estudar filosofia, se quero ser biólogo, ou saber o Gil Vicente se quero estudar gestão ou saber de paisagem agrícola se vivo na cidade? Crescem a ouvir dizer que há cursos que deviam acabar porque não têm interesse para a economia, a ver as disciplinas serem reduzidas consoante têm utilidade para a economia e a vê-las reduzidas a técnicas.

A culpa disto é do Darwin, como costumo dizer. É claro que a culpa não é dele mas a teoria dele introduz a ideia de função na explicação da realidade. Tudo que existe e se desenvolve é [uma técnica] em função de um ganho evolutivo qualquer. Nada existe por si, tudo existe em função de, se não é útil desaparece.

Esta ideia foi transformada em paradigma explicativo de todo o real, não por ele, mas pelos seus seguidores, como é costume acontecer às teorias que têm grande poder explicativo e abrangente e, tornou-se uma ditadura mental que a tudo se impõe.

Por exemplo, na arquitectura, uma disciplina aparentemente tão distante da biologia, os edifícios foram-se tornando, aos poucos, totalidades funcionais e perderam os elementos [in-úteis] meramente decorativos que costumavam embelezá-los, como ainda vemos nos edifícios antigos.

Na Filosofia a moda é reduzi-la a técnicas funcionais. Como se alguém pudesse ter um espírito crítico ou um pensamento fecundo por saber técnicas de lógica e argumentação.

É um dos grandes erros da educação, esse de querer reduzir todas as disciplinas a uma formação técnica e funcional. Nem prepara as pessoas para a vida, que é muito mais que o exercício de uma profissão, nem sequer para ser um bom profissional pois exercer uma profissão não é repetir e aperfeiçoar uma técnica como bem vemos pelos políticos que são muito bons na contabilidade mas péssimos a pensar o interesse humano n arquitectura social ou como os médicos que são muito bons tecnicamente mas não percebem nada das pessoas que têm que tratar, etc.

Os primeiros vestígios que temos da humanidade são: a arte, deixada nas paredes e, a questão metafísica acerca do sentido da existência, a que os primeiros humanos responderam com a religião como se infere pelos túmulos, registos de preocupação com a preservação do corpo, dos objectos e utensílios da vida para uma outra vida depois desta.

Não existe nenhuma civilização desde que existem humanos, que saibamos, sem arte e sem a questão acerca do sentido, do propósito da existência.
Acho que isso devia dizer-nos algo acerca das necessidades humanas e de a educação não dever reduzir-se a técnicas para fomentar o crescimento económico. Disciplinas consideradas acessessórias são, na verdade, uma parte fundamental da experiência de se ser humano. Se é que a educação se assume como formação de humanos e não de máquinas exploráveis.

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