Sistema judicial é o ponto fraco no combate à violência sobre as mulheresGrande parte das recomendações urgentes apontadas por grupo de peritos do Conselho da Europa a Portugal prende-se, precisamente, com o sistema de justiça. Que aponta o dedo a “atitudes patriarcais”.
O relatório, divulgado nesta terça-feira, saúda uma série de alterações legislativas, e não só, aplicadas pelo Governo nos últimos anos e que permitiram que a violência sobre as mulheres se tornasse um tema mais discutido na sociedade, que as vítimas tivessem mais apoio e que as forças policiais, escolas e serviços de saúde, por exemplo, contassem com pessoas bem formadas nesta matéria. Contudo, há um aspecto em que essa evolução continua a ser quase inexistente, penalizando as mulheres vítimas de violência e, sobretudo, nos casos de violência doméstica, os seus filhos. O sistema judicial.
O Grevio deixa o alerta para a obrigatoriedade de a situação ter de mudar a vários níveis, com um particular enfoque em questões que envolvem tribunais criminais e os tribunais de família, quando a uma situação de violência doméstica se junta a da regulação do poder parental. Não há a troca necessária de informações, insistem, e mesmo quando ela existe, esbarra muitas vezes no que os peritos dizem ser “atitudes patriarcais que permanecem entre alguns membros do sistema judicial”.
Um dos exemplos, referem, é a “tendência disseminada entre o sistema judicial de atribuir grande importância em proteger a família como um todo, incluindo famílias manchadas pela violência, à custa dos direitos e interesses das mulheres vítimas e dos seus filhos”. E à qual se associa o que dizem ser uma tendência crescente, entre alguns magistrados, para considerarem que as mulheres “manipulam ou instrumentalizam” os filhos, para que estes não queiram ter contacto com os pais, ignorando que a exposição à violência de que os menores são alvo tem consequências que passam, também, por essa recusa de contacto por parte das crianças.
(...) esta é uma questão de difícil resolução, porque se prende mais com mentalidades do que com alterações legislativas. “O que nos diz o relatório é que o nosso grande problema está dentro do sistema de justiça, a vários níveis, a começar por uma cultura da magistratura muito marcada pelas crenças dos magistrados. O grande desafio é mudar as mentalidades dos magistrados e das magistradas em Portugal”, diz.
[há ] a necessidade de o sistema judicial pe
rceber que “não existe base científica para a chamada 'síndrome de alienação parental'” e de o Governo introduzir medidas que garantam que o historial de violência familiar seja efectivamente tido em consideração pelos tribunais de família, podendo levar a “restrições nas decisões de custódia e direitos de visita”. Para que não se repitam casos como alguns transmitidos aos peritos de pais agressores a quem foram concedidos direitos de visita na própria casa-abrigo onde as crianças se tinham refugiado com as mães.
(...) os peritos também salientam a urgência de “as autoridades portuguesas garantirem que as sanções são proporcionais à gravidade da ofensa em todos os casos de violência contra as mulheres abrangidas pela Convenção de Istambul, em particular os casos de violência doméstica e sexual”. Isto porque, consideram, o país está permanentemente confrontado com “sanções lenientes e desproporcionais emitidas pelo sistema judicial, em particular nos crimes de violência doméstica”, em que a pena suspensa ou a própria suspensão dos processos são a norma.
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Público