São rapazes que se queixam de não conseguirem mulheres bonitas por não corresponderem ao estereótipo do alfa macho: alto, bem constituído, atlético, traços bonitos ou atraentes; no entanto, eles próprios não querem ter namoradas ou relacionamentos com mulheres que não correspondam ao estereótipo de barbie. Não consta que as mulheres que não correspondem ao estereótipo da aparência de barbie tenham grupos a odiar homens que não olham para elas como desejáveis por causa disso. Portanto, são indivíduos fúteis e educados naquele narcisismo machista que até há pouco tempo era normal de dizerem aos rapazes que as mulheres eram conquistas, como se fossem territórios. Não vêem as mulheres como seres humanos, mas como suprimentos.
Penso, embora não tenha dados para o afirmar, que a educação afectiva e sexual dos rapazes (e das raparigas mas em menor número) que hoje em dia é feita pela pornografia a que acedem no telemóvel, logo desde os 11 anos (em média) é muito responsável pela maneira como os rapazes olham para as raparigas. Interiorizam a ideia que a pornografia corresponde a relações sexuais, que a sexualidade corresponde àquela violência sobre as mulheres que a pornografia normaliza e que todas as mulheres são mais ou menos prostitutas. Depois se juntarmos a isto uma educação tradicional machista, temos rapazes revoltados por as mulheres não estarem disponíveis como naqueles vídeos. Lá está, não vêem as mulheres como seres humanos, mas como suprimentos.
Outro dia, porque vinha a propósito de qualquer coisa que já não lembro, disse, numa turma do 10º ano, que tinha lido uns artigos sobre estudos que têm sido feitos e que revelam que os rapazes e os jovens adultos têm problemas de sexualidade com as namoradas, próprios de homens de 50 anos, por causa do consumo excessivo de pornografia desde muito novos. Vi o ar de pânico na cara de vários alunos.
Não percebo como ainda não se percebeu que os telemóveis enquanto educadores, são catástrofes anunciadas. Não percebo porque não há campanhas a esclarecer e consciencializar os pais dos perigos que representa por um telemóvel nas mãos dos filhos, desde crianças e deixar que sejam educados por redes sociais estupidificantes ou perigosas. Ainda percebo menos os pseudo-pedagogos que mandam na educação virem defender o uso indiscriminado e desregrado dos telemóveis na educação e depois espantarem-se das consequências em termos de desinteresse em geral pelo estudo.
Pergunto a mim mesma se todas estas pessoas achariam normal levar os filhos, todos os dias para um bordel (daqueles tipo holandês que até bestialidade oferecem) e deixá-los assistir a tudo o que lá se passa, porque é isso que fazem quando põem telemóveis com acesso à internet nas mãos dos miúdos, desde crianças.
Nos fóruns de incels, os homens fantasiam sobre matar as mulheres que não conseguem conquistar
São “celibatários involuntários” que não conseguem ter relações com mulheres e que, por isso, as odeiam. Na Internet, o discurso ganha contornos violentos e que se associam à extrema-direita.
Foi assim que nasceu o João, a personagem que inventei para entrar no mundo dos incels, os homens involuntariamente celibatários, que se definem pela incapacidade de terem relações, sexuais ou românticas, porque a) se consideram “sub-humanos”; ou b) consideram que as mulheres não prestam. Qualquer uma tende a levar ao mesmo caminho: ódio e incitamento à violência contra “as fêmeas”, como se referem às mulheres. E, spoiler alert: se o João existisse, poderia perfeitamente ter-se rendido ao discurso radicalizado desta comunidade no final da experiência.
Por esta altura, o João ainda está longe de entrar nos fóruns onde se incentiva, por exemplo, a violação de todas as mulheres. Mas já está, sem saber, a consumir a ideologia redpill, que faz parte da manosfera (conjunto de sites e redes sociais onde são promovidos ideais misóginos) e consiste na adopção de uma masculinidade dominante e exacerbada que quer recuperar a hegemonia masculina. Já lá vamos.
Do TikTok salto para o Reddit, onde escrevo “incel” na barra de pesquisa. Encontro pouco mais do que um subreddit (nome dado às comunidades dentro do Reddit) chamado IncelsExit, onde homens que outrora se identificaram como celibatários involuntários partilham agora vitórias e palavras de incentivo.
Contou-me que está actualmente na Força Aérea dos Estados Unidos e nasceu numa zona “muito conservadora e religiosa” no sul do país. As crenças incel começaram a fazer parte da sua vida quando tinha “11 ou 12 anos”: “O meu pai nunca estava em casa e a minha vida era algo instável. Tinha muitos problemas de auto-estima e dismorfia corporal. Estas questões, aliadas à puberdade, ao ser baixo e, ao mesmo tempo, sentir-me cada vez mais interessado em relacionamentos, levaram a que sentisse desprezo por mim próprio e sem esperança de conquistar alguém. Isto tudo transformou-me lentamente num incel.”
A ideologia incel parte da premissa de que “o feminismo foi longe de mais e que a situação só pode ser melhorada com a reversão dos direitos das mulheres”, continua. Dentro desta ideia, há diferentes ramificações. Uma delas é a blackpill, a visão determinista e fatalista que defende que todos os homens que não são atraentes estão, à partida, condenados a serem rejeitados, porque as mulheres atraentes e inatingíveis (a quem chamam Stacy, numa tentativa de as caricaturar) irão sempre escolher um Chad, os homens bem-parecidos.
Os incels descem, neste universo, à condição de “sub-humanos”, condenados à solidão e ao desprezo por culpa das suas características físicas. As mulheres são tidas como criaturas fúteis e cruéis, que nunca se irão interessar por um homem fisicamente desinteressante, independentemente das outras qualidades que possa ter. Estão, então, a “privar os incels do direito básico que acreditam ter à partida, pelo seu estatuto masculino, que é fazer sexo”
Pelas minhas deambulações, confirma-se, salvo esporádicas excepções. Como um utilizador, chamemos-lhe William, que parece fazer sua missão a publicação das 141 páginas do manifesto de Elliot Rodger, uma espécie de “herói incel” que em 2014 assassinou seis pessoas e feriu outras 14, antes de se suicidar.
No manifesto que partilhou antes do ataque, Rodger mencionou questões de saúde mental, o seu desprezo por mulheres e a sua frustração por, aos 22 anos, nunca ter tido relações sexuais ou beijado uma rapariga. Descreveu-se como um “cavalheiro magnífico e ideal”. Chamou ao dia em que cometeu os homicídios o “Dia da Retaliação” e disse não ter “qualquer alternativa que não vingar-se da sociedade”, que lhe “negou” sexo e amor.
Tentei conversar com o William, que, além de partilhar página a página o manifesto, vai escrevendo coisas como “recuso-me a acreditar que as mulheres merecem os mesmos direitos que nós”, “mostrar respeito por algo que nasceu para te servir é nojento”, ou desabafos sobre a própria vida, geralmente num tom depressivo.
As ligações à extrema-direita
Entra a redpill. O termo é uma referência à cena do filme Matrix, em que o protagonista é convidado a escolher entre o comprimido azul, que o manteria preso ao mundo ilusório, ou o vermelho, que lhe daria consciência da realidade.
Seguindo esta lógica, os defensores da redpill dizem que só “tomando o comprimido vermelho” é que podem “despertar” da “manipulação” dos movimentos feministas. O resultado: uma comunidade de “machos alfa”, que querem desfazer as conquistas rumo à igualdade de género.(...)
Em Portugal, há quem tente imitar Andrew Tate. É o caso do youtuber João Barbosa, mais conhecido por Numeiro, que deseja, no X (antigo Twitter), “feliz dia das mulheres aos homens que vão no passageiro com a namorada a conduzir” e que defende que “mulheres comprometidas não deviam ter Instagram, [porque] carro que não está para venda não está no stand”.
Foi aos 14 anos que Brad entrou nestas comunidades. Diz ter encontrado “pessoas que entendiam” os “problemas e medos de um adolescente vulnerável”, mas rapidamente passou a “pensar em ideias incel constantemente”. Se visse uma mulher, “assumia imediatamente” que ela o julgava pela aparência ou que “era uma prostituta”. E ainda que não exteriorizasse o seu ódio, assume que era “frio e rude” com qualquer mulher heterossexual, já que “subconscientemente as via como potenciais parceiras” que não conseguia conquistar.
O que fez Brad deixar de ser um incel? A resposta simplista que tentei adivinhar: “Uma namorada.” A resposta verdadeira: “Tempo e uma tentativa de suicídio.”