O que causa incómodo e até uma certa repulsa, nesta obra surrealista? É a associação de dois objectos contraditórios: a pele, cheia de pelos hirsutos a lembrar a natureza selvagem e a chávena de chá, que é suposto ser de porcelana lisa e brilhante e cujo ritual é um símbolo de civilização refinada - a natureza bruta que já quase não vemos, escondida sob a capa da civilização.
Isto faz-me pensar em Putin, que ora se faz ver em palácios gigantescos de ouro, onde aparece deslocado, ora se faz ver montado em ursos, em tronco nu, para mostrar aos russos e ao mundo que nunca fez questão de civilizar a sua natureza brutal e se orgulha e apoia nela para governar. Ele não é o que governa a natureza, é o que domina o urso, que são os seus compatriotas.
E o modo como os líderes ocidentais lidam com ele é equivalente a beberem tranquilamente chá por esta chávena e dizerem que é normalíssimo e não vêem nada de estranho. Incomoda e causa uma certa repulsa, essa aceitação do acto civilizacional como meramente decorativo.
Meret Oppenheim 1936
Lynch, Albert (1851-1912)1889, Drinking Tea