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January 02, 2020
A escultura de Cabrita Reis vandalizada
O facto das obras serem imediatamente compreensíveis não as torna arte, assim como não o serem não lhes retira valor estético. Nem sequer o facto de um artista ou um agente não saber explicar as obras lhes retira valor artístico. A quantidade de bons filmes que já vi depois de ler críticas com um discurso todo embrulhado onde nem se percebe bem o que o crítico está a dizer...
Uma coisa é discutir se o município de Leça devia gastar 300 mil euros com uma obra de arte pública ou se, podendo, devia encomendar uma obra tão distante da população que habita a zona. Outra coisa diferente é discutir a própria obra. Sendo certo que, em qualquer dos casos, vandalizá-la é uma agressividade gratuita (que vai sair cara).
A ideia de que a arte abstracta não tem valor porque não parece, para um leigo, envolver trabalho técnico é tão errada como a ideia segundo a qual a arte figurativa não tem valor porque já temos a fotografia para retratar a realidade, sejam paisagens, coisas ou pessoas. E sim, há muita arte abstracta que não tem valor estético, assim como há muita arte figurativa que também não o tem, embora seja muito difícil objectivar o valor estético de uma obra.
A questão é que na arte, o artista expressa uma ideia, mesmo que nós não a consigamos 'ver', mesmo que o próprio não esteja consciente dela, mesmo que aquilo que vemos não seja aquilo que o artista quis mostrar. Na arte figurativa essa ideia está mais escondida porque somos enfeitiçados pela aparência das coisas que reconhecemos, enquanto na arte abstracta, é a ideia que sobressai. Ora, perceber ideias é mais difícil que reconhecer objectos.
Para se ser capaz de 'ver' alguma coisa numa obra é preciso algum esforço de aprendizagem. Não sou especialista em arte mas tento aprender: ver, ler e discutir ideias com pessoas que o são. Parece-me que as pessoas, em geral, são como os meus alunos no 10º ano, sendo que estes ainda têm a desculpa de serem muito novos: têm opiniões e 'gostos' antes de terem lido, investigado, pesquisado e falado com quem estudou os assuntos, ou seja, antes de terem formado um gosto.
Critica-se a arte abstracta porque com ela o conceito de arte se relativizou abusivamente, mas não se critica a ligeireza com que pessoas que nunca deram um passo para perceber alguma coisa sobre o assunto emitem juízos de valor avaliadores como se tivessem um gosto estético formado.
Se não se percebe uma obra ou uma ideia ou uma teoria, não se parte do princípio que não presta. Primeiro tenta-se perceber: investiga-se. Depois, quando já fizemos esse trabalho, então, podemos dizer, 'não gosto disto, por tal e tal razão.' Agora dizer-se que não presta ou que não interessa sem se ter feito um esforço de aprendizagem, sem ter dado um passo na direcção da obra, como se a obra é que tivesse que fazer todo o caminho sozinha até nós, é estupidez, no sentido da ignorância que não se percebe como tal. Uma obra estar à vista e ser pública não torna ninguém juiz.
Faz lembrar as pessoas que vêm dizer opiniões sobre educação e quando lhe perguntamos se são especialistas ou o que sabem sobre o assunto, respondem, 'tenho um filho'... como se fazer um filho, coisa que qualquer animal faz, tornasse alguém especialista em educação. Como se fôssemos todos chefes só porque comemos e fazemos almoço e jantar todos os dias. Ou como se fôssemos farmacêuticos porque tomamos medicamentos, etc.
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