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June 28, 2025

Sobre o exame de Filosofia

 


O exame é muito acessível, mas tem as perguntas absurdas do costume em que pedem aos alunos para apresentar a sua opinião pessoal sobre um problema filosófico abordado nas aulas, extremamente complexo, como são todos os problemas filosóficos

Evidentemente que o aluno vai apresentar uma das perspectivas estudadas, o que está certo e correcto,  mas não é a sua opinião filosófica pessoal e, dificilmente o seria. Que opinião pessoal, filosófica, tem o aluno, sobre os obstáculos à teoria expressivista da arte? Se aprendeu, sabe quais as perspectivas que actualmente existem sobre o assunto e sabe os principais argumentos de cada uma, mas isso não forma opiniões pessoais. Opiniões pessoais implicam conhecimentos, não introdutórios e superficiais, sobre os assuntos e reflexão. Quem tem opiniões pessoais sobre o tema são os autores que desenvolveram essas perspectivas que ele estudou. O aluno tem o conhecimento das opiniões dos outros. O que está certo e é isso que esperam que o aluno saiba. Então, para quê induzir em erro com este tipo de perguntas?

Também pedem a posição filosófica pessoal do aluno sobre o problema da possibilidade de verdade no conhecimento, um dos problemas filosóficos mais complexos da humanidade. O aluno pode estar mais inclinado a concordar com os pírricos ou com Descartes ou com Hume, mas isso não é a sua posições pessoal, é a posição deles. 

Não sei quem é que, no IAVE, pensa que os alunos devem sair das aulas de Filosofia no secundário, com posições filosóficas pessoais formadas. Nem um adulto, nem os próprios que fazem os exames ou os que ensinam a Filosofia têm posições filosóficas pessoais. A maioria limita-se a repetir os argumentos das posições de filósofos. Porém, esperam que os alunos tenham posições filosóficas pessoais formadas.

E quando vamos ver os critérios de correção, evidentemente que os argumentos que requerem que os alunos apresentem, são os argumentos dos autores estudados, o que significa que esperam que os alunos apresentem, não posições pessoais, mas que apresentam a sua adesão aos argumentos de um dos autores.

Há uma questão sobre a construção polémica de uma barragem que pede, não uma posição pessoal sobre um problema filosófico, mas que decisão tomariam naquele caso concreto e porquê. Isso é interessante, porque, na prática é para ver se sabem aplicar num caso concreto, uma das teoria filosóficas que aprenderam. É muito diferente de pedir que tenham uma posição filosófica pessoal sobre o problema da moral ou da epistemologia ou outro do género.

Esses problemas são tão difíceis e complexos que só uns poucos filósofos têm posições pessoais originais sobre eles.

Em meu entender este tipo de perguntas revela uma intenção oposta ao espírito e atitude filosóficos que são o objectivo formativo da Filosofia no secundário: formar pessoas que tenham o hábito de questionar, de desconfiar das aparências, que saibam ir investigar os assuntos antes de aceitarem posições alheias como 'verdades' ou de adiantar logo posições e opiniões pessoais dogmáticas em questões complexas. Pessoas que valorizem o conhecimento, o auto-conhecimento e a dúvida prudente.


June 25, 2024

Hoje foi o exame de Filosofia

 


O exame era perfeitamente acessível. Tinha uma questão que obriga a pensar, a partir de um texto sobre uma manifestação neo-nazi, nos anos 70 do século passado, nos EUA, num bairro de sobreviventes do holocausto, que compara com as marchas dos negros pelos direitos civis. A questão pede para pôr estes acontecimentos e a decisão jurídica numa relação entre a moralidade das posições de cada grupo e a teoria de Rawls. A questão parece-me desadequada e fora do program de filosofia. A questão de Rawls é a da justiça e não a da moralidade. A sua teoria advoga uma tolerância ampla para ideias e grupos contrários à posição oficial, pois inscrevem-se nos direitos básicos de liberdade de expressão, etc., mas também advoga a restrição de movimentos que ponham em causa os direitos básicos de outros. Porém esta questão não é posta em termos de moralidade, mas em termos de permitir uma sociedade justa. Penso que os aluno vão ter dificuldade em responder a esta questão se levarem a sério a tarefa que é exigida. 


July 06, 2021

Exame de Filosofia - porque razão se tribalizam as questões?

 


O exame de Filosofia foi fácil mas tem, como já vem sendo hábito desde que o programa está tomado por uma certa corrente da Filosofia, questões que obrigam os alunos a tomar posição filosófica face a questões muito complexas. 

Porque é que uma pessoa, um adolescente, ainda por cima, há-de ser obrigado a ter uma posição filosófica, a escolher e tomar partido por um lado de uma questão? Não é muito mais interessante que o aluno saiba analisar e problematizar uma questão em toda a sua complexidade do que escolher um lado e ficar refém de posições rígidas? Uma análise implica à mesma uma argumentação, mas não, necessariamente, no sentido de tribalizar a questão com posições a favor e contra e reduzir a resposta a receitas técnicas de argumentação.

Porventura o curso de Filosofia tem como fim os alunos saírem da escola com posições inequívocas, fechadas, sobre os assuntos da vida, pessoal e social, sobre as questões lógicas e as de acção? 

Eu não incentivo os alunos a terem posições formadas sobre questões filosóficas que são as questões que hão-de enfrentar ao longo da vida. Os alunos não têm que ser a favor ou contra qualquer coisa/posição e parece-me até, que a sociedade está saturada de opiniões tribais reducionistas. O que me parece importante é que saibam analisar os problemas de vários pontos de vista e se mantenham abertos e críticos, porque são ainda muito novos, falta muita experiência de vida que enriquece o pensamento, se este se mantém aberto e capaz de analisar uma questão, para que mais tarde e com outra maturidade possam, se o entenderem, tomar posições.

De maneira que não estou de acordo com a tribalização do programa (até dá a entender que relativamente às questões filosóficas só existem duas posições, ou a favor ou contra, o que é errado) e a imposição de obrigarem os adolescentes a fingir que têm uma posição filosófica. Sim, digo fingir, porque a quase totalidade deles apenas repete os argumentos de uma teoria qualquer que estudaram, o que está certo, mas isso não corresponde a uma posição filosófica individual, apenas a uma escolha de argumentário - toma-se o partido de 'x' contra o de 'y', geralmente porque se está mais à vontade com a argumentação de uma posição do que de outra. 

Por exemplo, no problema da ética, como os alunos acham o Kant difícil e Stuart Mill fácil, tomam partido pelo Stuart Mill. Isto não é ter uma posição filosófica.

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Do exame:

"15. Leia o texto seguinte.

Podemos ver-nos como eus independentes, [...] no sentido em que a nossa identidade nunca está ligada aos nossos propósitos e afetos?

Penso que não. [...] As pessoas particulares que somos são inseparáveis de uma certa família, comunidade, nação ou povo, de uma história e de uma república de que são cidadãs. Lealdades como estas são mais do que valores que me acontece ter. [...] Lealdades como estas permitem que eu tenha mais deveres para com algumas pessoas do que a justiça requer [...], não pela razão de ter feito acordos, mas em virtude dos [...] afetos e compromissos mais ou menos duradouros que, tomados em conjunto, definem parcialmente a pessoa que sou.

M. Sandel, «The Procedural Republic and the Unencumbered Self», in R. Goodin (org.), Contemporary Political Philosophy: An Anthology, Oxford, Blackwell, 2.a ed., 2006, p. 244. (Texto adaptado)

A teoria da justiça de Rawls é um dos alvos da crítica comunitarista apresentada no texto.

Concorda com esta crítica a Rawls? Justifique.

Na sua resposta,

−apresente inequivocamente a sua posição; 
− argumente a favor da sua posição.

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17.Será que uma ação só é moralmente boa se for motivada pelo dever?

Na sua resposta, deve:
−− clarificar o problema filosófico inerente à questão formulada;
−− apresentar inequivocamente a sua posição;
−− argumentar a favor da sua posição, mobilizando conceitos ou teorias relevantes; −− apresentar pelo menos um exemplo que ilustre a posição defendida.

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Depois, quando vamos ver os critérios de correcção da questão nº15. (embora os critérios não sejam completamente fechados) damos com este parâmetro (entre outros) que tem implícito conhecimentos de Psicologia sobre a construção da Identidade que os alunos no 11º ano, o ano em que estão a fazer este exame, não têm. Aliás, só têm aqueles que no 12º ano escolhem a disciplina de Psicologia. E a questão da construção da Identidade é muito complexa e polémica:

No caso de o examinando concordar com a crítica a Rawls apresentada no texto:

  • −  as nossas relações afetivas estabelecidas no interior de comunidades (concretas) são essenciais para definir o que cada um de nós é («a nossa identidade»);

Parece-me que não há necessidade deste enredos -uma coisa é permitir que o aluno tenha uma posição, outra é impor que a tenha- que são sintomáticos do tipo de sociedade de tendência tribalista actual.