Uma conversa esclarecedora sobre como os governos têm acesso aos computadores da oposição e dos cidadãos que querem espiar e perseguir. Nos EUA há grupos como
CitizenLink e
Citizen Lab que são uma espécie de DECO destes temas que estão sempre atentos à legislação que viola direitos de privacidade básicos e para onde se pode enviar material, por exemplo, se nos enviam um link suspeito, podemos mandá-lo para lá e eles investigam os
hackers que lançaram o ataque. Cá não temos nada disso e nem se fala destes temas.
Também ficamos a saber da tecnologia Pegasus, do grupo israelita,
NSO Group Technologies que permite entrar e saquear nos nossos telefones.
A cultura de impunidade das forças de segurança que abusam e cometem crimes de invasão de privacidade e dos governos que as protegem aliada à lentidão da justiça, não ajudam. Por outras palavras, se os governos não mudam, esta realidade não muda. Esta realidade está sustentada na desigualdade de riqueza que diminui a capacidade da população em geral influenciar as leis, a estrutura dos governos, etc. Esta capacidade está nas mãos de meia dúzia de bilionários cuja influência sobre os políticos anula a de todos os outros. É isto que é preciso mudar. Por exemplo, nos EUA tiraram-lhe, a Snowden, o direito de lucrar com a publicação do livro por não ter enviado, antes da publicação, um exemplar para o governo dizer se o aprova como é obrigatório para funcionários que trabalham ou trabalharam em agências de segurança. Ora, é evidente que nunca o aprovariam. Fazem-lhe uma perseguição de vingança tendo todos os meios do seu lado e ele praticamente nenhum.
Edward Snowden é um herói 'acusado' de ser um optimista ingénuo: os sacrifícios que fez e faz, sabendo que tem poucas hipóteses de ter sucesso dado a maioria das pessoas estar muito bem na sua vida de consumo e entretenimento. No entanto, é um optimista mais prudente que Assange porque não teve dúvida que para falar tinha de fugir do país para não ser preso e atirado para uma oubliette.
Outro tema de que falam é da normalidade com que hoje em dia se calam as pessoas na internet sempre que não gostam ou se ofendem com o que a pessoa diz ou da forma como o diz, o que eles chamam, deplatforming.
O exemplo que dão das plataformas de companhias privadas, como o Twitter, o FB ou o Youtube que pura e simplesmente fecham a conta à pessoa se ela disser alguma coisa que ofenda uma das tribos dominantes: que exigem o seu ostracismo, seja na questão da violência, das classificações de género, do racismo, do machismo, etc.
A posição dele é a de que, em primeiro lugar, calar as pessoas sem nenhum processo judicial é um precedente muito perigoso para a democracia; em segundo lugar, deve fomentar-se uma internet com mais civilidade; em terceiro lugar, em vez de retirar as pessoas das plataformas, deve construir-se um melhor argumento que o delas; retirá-las das plataformas impede que sejam expostas a um melhor argumento e, esse facto, por sua vez, pode levar ao crescimento e fortalecimento dessas opiniões em movimentos subterrâneos de contra-cultura a que, depois, dificilmente se tem acesso e consegue contrariar.
Quanto à vigilância massiva e constante a que estamos sujeitos ele diz o seguinte: é difícil, hoje em dia, com a complexidade crescente dos sistemas de leis [um exemplo português: ontem o primeiro-ministro substituiu a SE da educação por uma jurista - ficamos logo de pé atrás...] não violarmos com frequência, alguma lei, por pequena que seja (como passar fora da passadeira, chamar um nome a alguém num momento de irritação) e, se estivéssemos constantemente a ser vigiados e acusados, a Justiça passava de lenta a paralisada. Ora, actualmente, estamos sempre a ser vigiados porque usamos smartphones: pense-se no caso dos problemas que a actuação das polícias, agora filmadas, tem causado.
O argumento dele é: quando os políticos estiverem na situação em que estão as polícias [o que é inevitável], de serem vigiados e filmados em todos os seus actos, vão parar à cadeia, porque também eles violam constantemente normas. Veja-.se o que aconteceu ontem ao deputado do PS que foi filmado a chamar fascistas à polícia e a testemunhas. Ou a gravação de Costa a chamar cobardes aos médicos. Portanto, quando isto começar a ser diário (percebermos que os good guys são pessoas sem civilidade, são sectários, com instintos autoritários, vingativos, abusadores, etc.- imagine-se que Sócrates tinha sido filmado todo o tempo que esteve no cargo ou que o seu telemóvel estava constantemente a ser vigiado) e observarmos mais que chamar uns nomes, o que já de si é mau, os políticos vão perceber que o poder de violar os direitos dos outros é uma faca de dois gumes e também é do seu interesse proteger a privacidade das pessoas.
Finalmente, a impunidade é o pior corrosivo das instituições democráticas: a conivência com os abusadores, sejam polícias, políticos ou outros que se encontram em cargos de poder, alimenta-os, porque os põe acima da lei e, na esmagadora maioria dos casos, quem tem poder tem tendência a não querer largá-lo e a aumentar os abusos, se se sabe impune [os inocentes mortos por drones, por ex.]. Hoje-em-dia temos um sistema que dá uma poder desproporcionado a quem exerce cargos sem a equivalente responsabilidade. Todos têm um dever de tentar mudar este estado de coisas.
Ele defende que é necessária uma lei de whistleblowers. Criaram-se sistemas governamentais burocráticos gigantes que vigiam e controlam as pessoas, agem como se fossem um deus, de uma maneira que ofende a justiça e todos os valores que sustentam a democracia.
"Há alturas em que a única coisa que podemos fazer é dizer a verdade e isso não devia ser um crime".