Paulo Guinote
DN
Lê-se e custa a acreditar. Os candidatos excluídos do “Concurso Especial para Acesso ao Mestrado em Medicina por Titulares do Grau de Licenciado” da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto por não terem cumprido os critérios definidos para serem aprovados, acusam o Reitor da instituição de “total falta de empatia” ao longo do processo.
Eram 37 as vagas que ficaram por preencher, pois os candidatos, numa prova de conhecimentos com 100 perguntas de resposta múltipla, não conseguiram atingir o patamar definido no Regulamento que determinava que “serão excluídos, para efeitos de colocação, os candidatos com classificação inferior a 14 valores na prova de conhecimentos” (n.º 4 do artigo 7.º). Algo que os candidatos conheciam por ser um Regulamento já de 2019.
Não me interessam aqui as polémicas entre os envolvidos, nem se o Regulamento em causa é adequado ou não, mas apenas o argumento da “empatia” como relevante para o processo de selecção dos candidatos. Ou seja, os ditos candidatos queixam-se de o Reitor não se ter colocado na sua posição e não ter tido a capacidade de sentir o que eles sentiram ao verem-se excluídos do concurso. Se estão a usar o termo “empatia” na acepção correcta. Desconhecendo o Reitor e não pretendendo avaliar ou defender as suas acções, tenho alguma dificuldade em aceitar que se considere a “empatia” como critério de acesso a um qualquer curso superior e por maioria de razão a um mestrado especialmente exigente.
Claro que se nos colocarmos no lugar de quem viu ficar por satisfazer um desejo, cumprir um objectivo, atingir uma meta, é natural que se compreendam o desânimo e a tristeza. Mas, daí a aceitar que a compreensão desses sentimentos seja argumento para contornar o processo de selecção previamente definido e conhecido é um salto (i)lógico que me escapa. Compreendo que isso seja a consequência natural de um “paradigma” que se instalou no nosso sistema educativo desde os ciclos iniciais de escolaridade no sentido de se considerar que o “sucesso” é um direito e não o resultado de um esforço. Que o “sucesso” é algo quase garantido se tivermos em conta os sentimentos e não apenas o desempenho de quem quer aceder a algo.
Se isto se passa no acesso ao segundo ciclo de estudos universitários, imagine-se o que se passa em ciclos de estudos “inferiores”, do Básico ao Secundário e as argumentações tidas como válidas para criticar quem não usa a “empatia” como critério de avaliação dos seus alunos. Só que há uma diferença entre compreender as dificuldades e obstáculos que muitos alunos precisam de ultrapassar e aceitar que isso é critério para garantir a satisfação dos seus desejos, independentemente do seu desempenho.
A sério, gostava mesmo que existisse uma pequena noção dos danos e da erosão que este tipo de mentalidade tem causado no nosso sistema educativo, desde a sua base.
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Este ano tenho turmas do 10º ano. 'Perco' sempre muito tempo, neste ano de escolaridade com a introdução de metodologias de pensamento e de trabalho próprias da disciplina de Filosofia, com vista a que progridam de pensadores irreflectidos para, pelo menos, pensadores conscientes e alerta - algo que eles consideram aborrecido porque ainda não percebem a importância de pensar e ajuizar com critérios que emprestem qualidade ao pensamento - quero que aprendam a perceber as falhas no pensamento e argumentação aplicando esses critérios como parâmetros de avaliação.
Estávamos na última aula a analisar um conjunto de critérios que devem ser respeitados nos raciocínios e argumentações para que sejam válidos e quando chegámos ao critério da relevância dei um exemplo em forma de questão: - suponham que um aluno me diz, relativamente a uma nota de 10 num teste, que a nota é injusta porque estudou muito para esse teste. O argumento da quantidade de estudo é relevante, é pertinente, para o juízo da adequação da nota?' Ou, suponham que uma pessoa treinou 5 anos para uma maratona e chegou quase em último e outra que treinou só 1 ano ganhou a prova? Os anos de treino podem servir de argumento pertinente para reclamar um lugar no pódio?' _ Não, foi a resposta que todos deram, embora um ou dois acrescentassem que é uma situação chata, injusta. Mas é injusta?, perguntei. _Não, é justa porque o pódio é para os que mostram resultados. Mas é chato e é chato estudar muito e não ter boa nota.
Devia ser evidente para estudantes no fim da licenciatura que a quantidade de horas que estudaram ou o gosto que têm por uma profissão não é relevante para serem admitidos sem que cumpram os mínimos exigidos por esse curso.
Esta confusão entre empatia e justiça, entre empatia e exigência de direitos, incentivada por ministros de educação, tem feitos estragos imensos na qualidade da educação, na qualidade da formação das crianças e jovens.
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