July 10, 2025

Vender o seu corpo académico a 35 mil euros o cliente



Posso estar enganada mas isto parece muito um caso de uma espécie de prostituição académica. De cada vez que alguém compra um parecer universitário, enterra mais um prego no caixão da credibilidade das universidades, do que ensinam, das investigações que fazem e da utilidade que têm. Como se transformou tudo num negócio com vista ao lucro, inclusive a educação, os profissionais comportam-se como mercadores. Daí também a decadência da educação e da confiança na ciência. Ontem li que um dos temas da disciplina de cidadania, essa excrescência, é o empreendorismo: como transformar tudo num negócio de lucro. Continuem por esse caminho que vão bem...

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O momento mais patético dos pareceres jurídicos em Portugal ocorreu em finais de 2013, quando três insignes catedráticos de Coimbra foram convidados por Ricardo Salgado a demonstrar a perfeita legalidade de receber 14 milhões de euros do construtor José Guilherme. Os senhores professores doutores alcançaram esse feito recorrendo a um termo jurídico que se transformou numa anedota: liberalidade.

A liberalidade funciona da seguinte forma. Se um funcionário público receber 140 euros para acelerar um processo, está a ser corrompido. Se um presidente de um banco receber 14 milhões de um cliente, está a usufruir de uma liberalidade, ou seja, de um gesto de generosidade pura, concedido por quem nada espera em troca, segundo os sábios lentes de Coimbra. Um desses lentes, João Calvão da Silva, falecido em 2018, utilizou argumentos imorredouros: a “liberalidade” recebida por Salgado enquadrava-se no “bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade — comum unidade —, com espírito de entreajuda e solidariedade”.

Questionado por jornalistas após a derrocada do BES — um tempo em que o “espírito de entreajuda e solidariedade” de Salgado começava a ser posto em causa —, Calvão da Silva disse não se recordar quanto tinha recebido pela elaboração da tese da liberalidade e da “comum unidade”, mas que, regra geral, cobrava entre 20 e 35 mil euros por parecer. Este género de pareceres sempre esteve para lá da minha compreensão. Não entendo que valor jurídico possa ter um documento pago a peso de ouro por uma das partes, que coloca a lei a dizer aquilo que o cliente deseja, com suposta assinatura de prestígio apensada. Acho um desprestígio para o Direito e para os professores doutores, que colocam à venda a sua integridade intelectual — ainda que digam, como sempre dizem, que só estão a defender aquilo em que acreditam. Ah. Ah. Ah.

JMT /www.publico.pt


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