(este é o último parágrafo do texto - sintetiza excelentemente o espírito do texto)
Se uma escola der instrumentos e ferramentas para estudar e aprender a Matemática, as línguas e a História, as Ciências Naturais e a Geografia, a Física e a Química, ver-se-á rapidamente que os jovens crescem melhor. Se a mesma escola proporcionar aos seus jovens tempos e modos de cultura e artes, de música e de literatura, de pintura e de dança, as famílias depressa ficarão surpreendidas com as capacidades juvenis em desenvolvimento, sem necessidade de doutrina social. Se a escola conseguir organizar visitas de estudo, ateliers de criatividade e meios de expressão, prontamente surgirão resultados inesperados. Se a escola for capaz de ocupar os jovens durante dias inteiros, sem “furos” nem “folgas”, as consequências surpreenderão os pais e os mentores das escolas de valores. Se a escola for ela própria pontual e rigorosa, o seu exemplo será pedagogia maior. A escola tem de acreditar em si, nos seus alunos e nos seus professores, não tem de pregar valores e crenças. A escola deve respeitar a igualdade de todos os cidadãos, não deve fazer propaganda de uma qualquer forma de igualdade em detrimento de outra. A escola não deve promover uma religião, deve apenas respeitar os que professam uma qualquer. A escola tem de ser democrática, não tem de impingir a doutrina democrática.
Escola de valores
A escola de valores e a educação para a cidadania criam problemas sem solução. A codificação desses valores é simplesmente impossível. Fica a cargo de quem?
António Barreto
Público
De comum, em abstracto, querem valores e crenças nas escolas. E recusam a “escola neutra”. Esta sempre foi um diabo maior. Salazar era fervoroso adversário da escola neutra. Tal como eram Perón, Pétain, Hitler, Mussolini, Goebbels, Estaline, Krupskaia, Mao Tsetung e os ayatollahs. Todos querem que a escola se substitua às famílias, que os professores ensinem os jovens a viver e a jubilar nos bons costumes. Como é sabido, o que um católico quer da escola não é o que pretende um muçulmano. O que um nacionalista deseja não é a mesma coisa do que um laico socialista. O modo como António Sérgio idealizava a sua escola nada tinha de comum com a instituição de Carneiro Pacheco ou Hermano Saraiva. O que um comunista espera do ensino é muito diferente do que pensa um democrata-cristão. Europeus, ciganos, brasileiros, ucranianos, indianos, africanos e paquistaneses têm expectativas diferentes e esperam que as escolas transmitam as suas crenças e as suas tradições. Numa palavra, os seus valores. Mas os seus, não os dos outros. Assim é que todos os regimes autoritários pretenderam sempre o mesmo: as escolas devem formar os seus cidadãos, os cidadãos do seu regime.
Pouco a pouco, tem-se vindo a criar um “fundo comum”, uma espécie de ideologia que valoriza uma escola mais ecuménica. Há já alguns anos que os ministérios da Educação, os deputados, muitos professores, várias associações e igrejas vêm trabalhando esta questão da construção de uma escola de valores e de crenças. Mais ainda, defendem, em abstracto, que a escola deve desenvolver a cidadania e a moral, para que se formem cidadãos livres e conscientes. Consideram mesmo que a escola deve substituir-se à família, aos amigos, à rua, aos grupos culturais e a outras formas de socialização, a fim de criar “verdadeiros cidadãos”. Os textos oficiais, elaborados nos últimos vinte ou trinta anos por todos os governos e todos os partidos, dão bem conta dessas ideias. Por exemplo, temos até, em Portugal, uma “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania”, assim como conceitos, organismos, documentos, guias, leis e regulamentos que dão conteúdo ao desejo de que a escola forme “cidadãos livres, democratas, responsáveis, igualitários e plurais”.
Pretende-se que a Educação para a Cidadania se ocupe de “direitos humanos, da igualdade de género, da interculturalidade, do desenvolvimento sustentável, da educação ambiental e da saúde”. Assim como de “sexualidade, media, instituições democráticas, literacia financeira e educação para o consumo, segurança rodoviária e risco (sic)”. Além disso, os jovens devem ser educados para o “empreendedorismo, o mundo do trabalho, a segurança, a defesa e a paz, o bem-estar animal e o voluntariado”. A fechar este missal, diz o texto que “os professores têm como missão preparar os alunos para a vida, para serem cidadãos democráticos, participativos e humanistas”
A escola de valores e a educação para a cidadania criam problemas sem solução. A codificação desses valores é simplesmente impossível. Fica a cargo de quem? Existem pessoas e instituições que, para tratar do nacionalismo, do género, da sexualidade, da autoridade paterna, da organização da família ou do capital e do trabalho, sejam capazes de equilíbrio entre todas as sensibilidades doutrinárias e culturais? Como eleger valores de uma cultura sem afastar os de outra tradição? Pior ainda, como agregar valores de todas as culturas diversas e contraditórias? Outro problema é o da autoridade moral que zela pela aplicação das regras. Quem? O Parlamento? O Governo? A Igreja? O sindicato? A academia?
Ensinar Matemática e Geografia, estudar História e Ciências Naturais, aprender a escrever e a falar línguas estrangeiras, consultar dicionários e bibliotecas, fazer fichas e resumos, preparar memorandos e sumários, tomar a iniciativa de estudar e investigar, debater questões morais e filosóficas, perceber e utilizar a tecnologia, prever uma actividade ou uma profissão, numa só palavra aprender a pensar! Tudo o que precede parece estar submetido à principal função do professor: formar cidadãos!
Não vale a pena pensar que o Estado é o vilão e que as famílias são vítimas do Estado que se esforça por retirar as crianças e os jovens à influência familiar. Não. É verdade que o Estado, qualquer Estado contemporâneo, tenta afastar as famílias dos sistemas educativos. Mas os pais e as famílias agradecem e pedem mais. Uns não têm formação. Outros não têm meios. Uns trabalham longas horas por dia e não têm tempo e há quem queira os tempos livres para outros fins. Quaisquer que sejam os motivos, muitas famílias procuram com prazer que o Estado se ocupe da educação dos filhos. Não apenas da instrução e do ensino, mas também da formação e da educação.
Se uma escola der instrumentos e ferramentas para estudar e aprender a Matemática, as línguas e a História, as Ciências Naturais e a Geografia, a Física e a Química, ver-se-á rapidamente que os jovens crescem melhor. Se a mesma escola proporcionar aos seus jovens tempos e modos de cultura e artes, de música e de literatura, de pintura e de dança, as famílias depressa ficarão surpreendidas com as capacidades juvenis em desenvolvimento, sem necessidade de doutrina social. Se a escola conseguir organizar visitas de estudo, ateliers de criatividade e meios de expressão, prontamente surgirão resultados inesperados. Se a escola for capaz de ocupar os jovens durante dias inteiros, sem “furos” nem “folgas”, as consequências surpreenderão os pais e os mentores das escolas de valores. Se a escola for ela própria pontual e rigorosa, o seu exemplo será pedagogia maior. A escola tem de acreditar em si, nos seus alunos e nos seus professores, não tem de pregar valores e crenças. A escola deve respeitar a igualdade de todos os cidadãos, não deve fazer propaganda de uma qualquer forma de igualdade em detrimento de outra. A escola não deve promover uma religião, deve apenas respeitar os que professam uma qualquer. A escola tem de ser democrática, não tem de impingir a doutrina democrática.
Apenas discordo do "sem furos nem folgas". Acho profundamente injusta a carga horária dos alunos e ainda mais a sua distribuição temporal. Colocar matemática ao último tempo de sexta feira (exº 17/18) é desumano, mas existe, as equipas que fazem os horários, salvo raras excepções, são sempre as mesmas beneficiam-se a si mesmas e a amigos e compadres que já nem precisam meter a cunha. E há muitos mais exemplos. Também não me fez mal ter um ou outro furo no horário. Eram bençãos do céu (não estou a falar das faltas de professores que a triste ideia de substituições assassinou). Os jovens e crianças precisam conversar ou brincar uns com os outros, nem que seja por tlm. Ainda que compreenda que essa tal escola que mete música, teatro, e mais disciplinas de tal teor, ajude a desopilar e seja desejável.
ReplyDeleteSou em absoluto contra catecismos teóricos, venham eles de onde vierem. E lamento sinceramente estas últimas levas de jovens que a escola impreparou, mas são universitários ou já estão no mundo do trabalho. Lamento a sua visão do mundo. Lamento o quanto vão atrasar o pouco progresso verdadeiramente democrático que conseguimos. Oxalá haja mudança.
Os horários são complicados de fazer. Os mesmos professores dão aulas a turmas diferentes de anos diferentes, uns que têm o horário mais sobre a manhã e outros mais sobre a tarde (o que tem que ver com vários critérios) porque as escolas não têm salas suficientes para cada turma ter a sua. Cada sala é ocupada por duas ou mais turmas. Há dias da semana em que quase todas as turmas da escola estão a ter aulas ao mesmo tempo. É muito difícil conjugar tudo e é impossível que nunca tenham matemática ao último tempo. Ou outra disciplina que obrugue a um trabalho focado. Os professores têm o seu horário cheio e a umas turmas dão aulas de manhã e outras à tarde.
DeleteSeria bom ter educação física sempre ao último tempo, mas o ginásio e o campo de jogos, só aguentam ter lá, por exemplo, 3 turmas ao mesmo tempo... de maneira que muitas turmas têm de manhã ou antes do almoço...
Para além disso, há muitas condicionantes a ter em conta na construção dos horários: as disciplinas de opção como Moral, têm de ficar nas pontas para que o resto da turma não fique sem fazer nada; em muitas escolas há uma tarde em que ninguém tem aulas, para se poder fazer as reuniões; os laboratórios têm regras estritas para a ocupação; depois há muito professores com impedimentos, seja por causa de doenças (é o meu caso) ou porque vêm da outra ponta do país e, cada um dos impedimentos obriga a re-arranjos no horário (e salas) das turmas.
Isso de a equipa dos horários fazer o horário para si depende das direcções das escolas. O que vejo é que a experiência das equipas dos horários conta muito.
Os horários da minha escola, de há uns anos para cá são excelentes. Os alunos não têm furos (eles não precisam de furos para socializar porque têm intervalos e a hora do almoço alargada e também não temos funcionários para vigiar os alunos que tivessem furos e andassem a vaguear pela escola) e os professores têm o horário arrumado para que desperdicem o mínimo de tempo e, em geral, consegue-se acomodar todos os casos particulares sem prejudicar o todo.
Os horários são feitos com racionalidade. mas melhoraram com a experiência das equipas porque nem sempre foi assim.
A carga horária dos alunos depende da sua autonomia. Quanto menos autónomos mais horas passam com os professores. À medida que se vai subindo no ano de escolaridade, baixa o número de horas de aulas e sobe o tempo de trabalho autónomo. É normal. O oposto é que seria anormal.
Concordo com a Bea. Essa parte cheira-me a "escola a tempo inteiro" e é um valente disparate.
DeleteQuanto ao resto, absolutamente de acordo.
Uma coisa não tem que ver com outra. A escola já não é como era há 40 anos. Tudo é mais complexo.
DeleteEu penso que tem. A mania de ter os miúdos sempre ocupados é um disparate. Há que lhes deixar espaço para eles fazerem coisas não normativas.
DeleteÉ verdade que também tem muito que ver com o local onde vivemos. Quando era adolescente, criamos um clube de leitura a imitar a coleção mistério, construímos uma casa de madeira numa carvalhal enorme a la Huck e por aí fora.
Outros tempos, é verdade.
O que os miúdos fazem nos tempos livres é com os pais, não com a escola. Acontece que os pais põem-lhes um telemóvel nas mãos para não terem que lidar com eles. E não os incentivam a juntar-se a um grupo qualquer, seja de desporto ou de escuteiros...
DeleteConheço pais que não dão telemóveis aos filhos de maneira que fazem outras coisas com eles.
Isso de construir casas num carvalhal era no tempo em que a vida não era urbana.